Coluna do Anderson Gurgel

Pós-Pelé e Lula 3: desafios para um Brasil que precisa resistir ao terror para inovar

09 jan 2023, 17:45 - atualizado em 09 jan 2023, 17:50
Lula e Pelé
2023 começa sob impacto da morte de Pelé, o Rei do futebol, e do terceiro mandato do presidente Lula, em um país polarizado à luz dos atos de 8 de janeiro (Imagem: Roberto Jayme/Reuters)

Por Anderson Gurgel 

“Menos é mais”, famoso lema da Bauhaus, importante escola de design moderno, serve como tom para este texto. Por trás desta ideia, está o minimalismo, a busca do essencial.

Para começar 2023 e, sob o impacto da morte de Pelé, o Rei do futebol, e do início do terceiro mandato do presidente Lula, em um país polarizado e com movimentos antidemocráticos tentando desestabilizar a democracia, vamos tentar nesta coluna seguir nessa toada.

Os dois fatos citados são imensos de significados e importância, tentar esgotá-los num único texto, além de arrogância intelectual, mostra-se como uma missão fadada ao fracasso, pois eventos se sucedem ao ponto de ser difícil de assimilar tudo.

Em tempos assim, os cânones são fundamentais, inclusive os de valores democráticos, sem os quais não teremos um futuro melhor no país. Por isso, vamos buscar o essencial aqui, caro leitor, na promessa de que esses assuntos e seus impactos serão abordados em outros momentos ao longo deste ano.

Também já como promessa de ano novo, prometo fazer meu melhor para ser mais assíduo nesta coluna, pois o mundo incluindo o político e economia – além do universo da criatividade e do entretenimento promete ser agitado – por horas dramático – ao longo de 2023. Haverá muito a comentar e analisar nos próximos meses.

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Pelé e Lula

Por que decidi fazer um texto conectando o Brasil pós-Pelé e agora no Lula 3 ao contexto dos negócios criativos, e a promoção da cultura e do entretenimento?

Pelo fato de que há algo importante entre a perda de uma das maiores figuras míticas da cultura brasileira, que transcende o futebol, e a volta à presidência de uma outra referência forte para o imaginário nacional. Esses dois momentos que se somaram no fim de 2022 geram um espaço de profunda reflexão de significado sobre que Brasil queremos ser daqui para frente, por mais que forças retrógradas queiram jogar o país num abismo da barbárie e do retrocesso.

A ideia de “Brasil, país do futuro”, há muito deixou de ser algo profético e poético para se mostrar como uma maldição que precisamos superar. Muito já foi feito, mas o país vive sob escombros do potencial e do papel que deveria ter no cenário do soft power internacional. E, como vemos no trágico domingo, 8 de janeiro de 2023, temos de lidar também com os escombros reais, com as destruições de símbolos da República e patrimônio material da cultura brasileira.

A morte de Pelé, logo após o novo fracasso da seleção nacional na Copa do Catar, acentua os imensos desafios que o futebol brasileiro, como importante motor da cultura e do entretenimento nacional, tem pela frente.

O nosso esporte mais amado precisa mudar e a perda do seu maior símbolo de sucesso, na figura do Rei do Futebol, reverbera numa pergunta incômoda: Seremos o país do futebol deste século? Como aguentar o simbolismo da camisa brasileira e até mesmo da bandeira nacional sendo a vestimenta para o terror, para a destruição dos símbolos e cultura do país?

É inegável os feitos que alçamos no século passado, mas a indústria futebolística  e toda sociedade brasileira vai ter de se reinventar para legitimar esse título (e seu simbolismo de um povo feliz, criativo e pacífico) no mundo contemporâneo. Do sucesso de Marrocos, ao tricampeonato da Argentina e a força mostrada pela França, entre tantos outros momentos, mostram que “fazer o mesmo de sempre” (ou fazer o pior, com o terror e a violência) não vai dar ao futebol brasileiro e ao povo brasileiro em geral protagonismo daqui pra frente.

Inovar e reforçar o que nos une e nos identifica no campo e fora dele vai ser fundamental. E por que precisamos fazer isto?

Simples, pelo fato de que o futebol no Brasil não é só futebol, é uma indústria importante na economia simbólica e, também, tradicional. E pelo fato de que defender a democracia neste momento não é só uma postura política, é a defesa de futuro luminoso para o país. Não há futuro para o país do futebol, sem resgate de valores democráticos. Não haverá inovação e criatividade, sem um país livre e plural.

Desafios para Lula 3 

O outro fato que queremos trazer aqui, brevemente, é a volta ao poder do presidente Lula. A eleição apertada que levou o candidato do PT ao governo mostra o impasse sobre qual país queremos ser.

É chavão, mas é precisa a frase de que, nas últimas eleições, o “Brasil brincou na beira do abismo”. Com os fatos ocorridos em 8 de janeiro, o abismo está sugando o país e o desafio é como não deixar que o caos tome conta de tudo.

Os quatro anos de governo Bolsonaro são indefensáveis em vários aspectos, inclusive sob o viés do paradigma da economia criativa, pois essa envolve apostar na diversidade do elemento humano e na busca de formas inovadoras e sustentáveis de fazer a economia girar. E a postura do ex-presidente e seus seguidores mais ferrenhos mostra-se radical até mesmo no lidar com a derrota e a ascensão de um projeto de país oposto e mais democrático – isso é uma afronta à busca de desenvolvimento sustentável para a nação.

Definitivamente, destruição ambiental, negacionismo científico, armamentismo e políticas de desrespeito às minorias e aos direitos humanos em geral são o oposto de um projeto de construção de um país criativo, inovador e vocacionado ao respeito às diferenças. Terrorismo e destruição do patrimônio então, nem preciso argumentar.

Não tenho medo de taxar que, nos últimos anos, perdemos o foco de ser um país do mundo contemporâneo, uma referência simbólica para um futuro melhor para o planeta Terra. O Brasil foi, tristemente, um exemplo de retrocesso e ideias autoritárias e retrogradas. Uma parcela radical da população parece querer esse modelo como parâmetro para o país.

Termos novamente um Ministério da Cultura, vários ministérios preocupados com a diversidade humana e cultural, a volta da preocupação com políticas ambientais responsáveis e, ao menos no discurso, a preocupação em colocar o Brasil novamente no centro da cena internacional é um bom sinal.

Não há como fazer isso fora do paradigma de uma economia contemporânea, portanto, criativa. Mas com o episódio de 8 de janeiro, percebe-se que os desafios serão imensos para fazer valer um projeto de construção ante as forças que buscam a destruição como paradigma.

Por tudo isso, retomo: “menos é mais”. Neste texto, somente pretendo deixar uma mensagem de esperança misturada com preocupação para 2023.

Que a saudade do futebol que Pelé nos provoca e a esperança de um governo que, no seu início, promete cultura, respeito ao meio ambiente e resgate do melhor da diversidade brasileira nos dê força para fazer o melhor. E se imponha à barbárie e ao terror.

Se há alguma chance de transformarmos o “Brasil, país do futuro” em outra coisa melhor para brasileiros e para o planeta Terra em geral, isso passa por não perdermos a chance de fazer 2023 um recomeço do resgate do que nos fez melhor no passado e pode nos ajudar a sermos ainda melhores no futuro. Mas vamos ter de ser vigilantes na defesa da democracia, fundamental para sermos melhores como povo que ama futebol e cultura.