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Por que países emergentes, como a Índia, devem comprar bitcoin e não bani-lo?

08 fev 2021, 13:59 - atualizado em 08 fev 2021, 13:59
Em artigo recente, o grande investidor-anjo Balaji Srinivasan elenca dez motivos pelos quais a Índia deve comprar bitcoin, e não bani-lo; podemos aplicá-los também ao Brasil? (Imagem: Unsplash/@ewankennedy19)

Balaji S. Srinivasan é um investidor-anjo e empreendedor, mas já foi diretor de tecnologia da corretora americana Coinbase e sócio-geral do fundo Andreessen-Horowitz.

Por ser uma figura importante da indústria cripto, Srinivasan sempre compartilha suas percepções sobre o mercado, suas inovações e regulações.

Em artigo publicado na semana passada, ele elencou dez motivos pelos quais a Índia deve comprar bitcoin, e não bani-lo.

Em março de 2020, o Supremo Tribunal Federal da Índia decidiu suspender a proibição imposta pelo banco central do país (RBI) de que bancos não deveriam fornecer serviços relacionados a essa tecnologia.

A decisão permitiu que corretoras de criptomoedas oferecessem serviços cripto à grande população da Índia, dando autonomia financeira aos cidadãos.

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Porém, segundo artigos recentes, o governo do país quer apresentar uma proposta de lei para novamente banir criptomoedas, como o bitcoin, e criar uma criptomoeda nacional, ou seja, uma rúpia digital.

Seria essa a melhor solução?

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O mercado total de criptomoedas equivale a US$ 1,3 trilhão (Imagem: Freepik/macrovector)

1) “Agora, cripto é uma indústria de trilhões de dólares”

Srinivasan explica que o bitcoin foi criado em 2009 por um criptógrafo anônimo chamado Satoshi Nakamoto para solucionar um problema de consenso na ciência da computação e criando, assim, uma indústria de US$ 1 trilhão:

Sim, você leu certo: trilhão. Em junho de 2010, o valor global de todas as criptomoedas juntas era de US$ 0. Hoje, é de US$ 1,3 trilhão.

Só o bitcoin equivale a mais de US$ 819 bilhões. É mais valioso do que qualquer um dos unicórnios de tecnologia fundados na última década.

É mais valioso do que Uber, Airbnb, Stripe e Slack juntas.

Capitalização total do mercado cripto (Imagem: CoinMarketCap)

Srinivasan compara o bitcoin à inovação da internet nos anos 1990 e à inovação tecnológica da última década.

Ele também apresenta outros indicadores para explicar quão grande é o setor, como a disrupção causada pela rede Ethereum, responsável pela criação de milhares de serviços cripto, bem como os mais de US$ 5 bilhões investidos em startups cripto e de blockchain e os comentários positivos de grandes players do mercado financeiro tradicional.

Neste momento, você deve perceber que essa coisa de cripto é coisa séria e que existe uma grande lacuna entre o impacto econômico de cripto vs. sua representação na imprensa popular e que parece meio precipitado excluir a Índia de uma indústria emergente de trilhões de dólares.

Mas é bem mais importante do que isso porque cripto não é apenas um setor econômico, e sim um avanço civilizacional ao par com a internet e, se for acolhido em vez de banido, pode solucionar muitos dos problemas enfrentados pela Índia moderna, começando com a segurança nacional.

2) “Segurança nacional: cripto sugere que a Índia não pode ser excluída”

Srinivasan explica que um dos motivos de o Parlamento Indiano estar propondo uma proibição às criptomoedas é para proteger a segurança nacional. Porém, segundo ele, o bitcoin e as tecnologias descentralizadas são, na verdade, essenciais nessa proteção.

O RBI quer apresentar uma rúpia digital, que seria controlada por ele (centralização) — algo que vai contra o “ethos” de autonomia e liberdade do bitcoin, pois redes blockchain e criptomoedas não são controladas por uma empresa ou instituição (descentralização).

Os administradores de uma rúpia digital no RBI seriam capazes de emitir carteiras, congelar contas e reverter transações. Porém, o bitcoin é mais parecido com o ouro digital e não pode ser congelado ou confiscado por um Estado.

Ele explica que essa propriedade torna o bitcoin precioso para garantir a segurança nacional da Índia, pois a rede Bitcoin não pode ser desativada por nenhum país, e pode ajudar a Índia em momentos de conflito.

Além disso, a rede Ethereum evita uma possível restrição de usuários (“deplatforming”), permitindo que países emergentes criem redes sociais e aplicativos de mensagem que corporações americanas não possam derrubar, assim como o recente caso Trump vs. redes sociais.

Ele explica que o risco dessa restrição política não é teórico pois, se você consegue banir o homem mais poderoso do mundo, pode banir qualquer outra pessoa, já que milhões de cidadãos indianos utilizam plataformas americanas.

Além disso, a propagação de fake news pode resultar em hostilidades digitais, algo que cripto pode solucionar, pois a descentralização destrói a restrição.

Já existem redes sociais descentralizadas, controladas pelos usuários, e não por grandes empresas que podem banir pessoas ao seu bel-prazer (Imagem: Freepik/pikisuperstar)

3) “Investimento externo: cripto atrai capital para a Índia”

O valor do bitcoin, cujo sistema possui muitos defensores, se dá por sua natureza de código aberto, pois aplicativos criados com essa tecnologia criptográfica podem fornecer autonomia a milhões de pessoas.

Um dos motivos do governo indiano querer proibir cripto é que o capital de investimento pode ser prejudicado.

Porém, cripto atrai capital para um país pois, conforme países desenvolvidos se tornam cada vez mais favoráveis a essa tecnologia, querem que os principais empreendedores e investidores invistam em seu país.

Assim, se a Índia banir criptomoedas, não apenas vai criminalizar as posses de inúmeros indianos inocentes; também vai evitar que trilhões de dólares em capital cripto venham para a Índia.

4) “Remessas e trabalho remoto: cripto possibilita uma economia remota”

Unindo o fato de que, em 2019, a pandemia da COVID-19 ter feito com que 60% dos funcionários de empresas indianas de serviços financeiros trabalhassem de casa, o país ser um líder mundial na terceirização de processos comerciais (US$ 150 bilhões) e o principal recebedor de remessas digitais (US$ 80 bilhões), criptoativos estão se tornando cada vez mais populares em todo o mundo.

Todos esses fatores sugerem que a Índia está pronta para uma grande explosão nas remessas digitais, e que cripto serve como um canal de grandes fluxos de dinheiro para o país para que seus cidadãos sejam pagos, em cripto, por realizarem seu trabalho remoto.

A Índia poderia aproveitar seus bilhões de reservas em ouro e criar a primeira criptomoeda lastreada em ouro do mundo (Imagem: Unsplash/naveedahmed)

5) “Políticas monetárias fortalecidas: uma rúpia digital lastreada pelo ouro digital”

Segundo Srinivasan, o receio é que criptomoedas descentralizadas limitem as políticas monetárias do governo indiano mas, na verdade, o uso do bitcoin poderia fortalecer a política monetária da China.

Ele explica que cada moeda nacional é negociada junto com todas as outras moedas em um mercado de câmbio internacional.

A emissão desenfreada de papel-moeda pode fazer com que uma se desvalorize, então bancos centrais afirmam que possuem ouro em suas reservas por ser um ativo contra a inflação durante uma crise financeira.

A Índia possui mais de 600 toneladas em ouro, equivalentes a dezenas de bilhões de dólares. Se emitisse uma rúpia digital, teria de adquirir algum ativo de reserva seguro caso haja a desvalorização de outras grandes moedas.

Assim, Srinivasan sugere que o país deva comprar bitcoin, pois é um ativo que pode apreciar junto com suas reservas em ouro e fazer o país economizar bilhões de dólares até 2025.

Isso pode acontecer se o RBI não quiser imediatamente lastrear a rúpia digital em suas reservas de ouro, mas o banco central poderia alocar em bitcoin, “ouro digital”, como uma reserva de estratégia.

Basicamente: o ouro digital não é uma ameaça à Índia, e sim um ativo para a Índia, assim com o ouro. O ouro digital poderá ser um componente fundamental à política monetária da Índia. 

A criptografia de blockchains garante que nenhuma informação implementada seja alterada ou excluída do registro, garantindo, assim, uma maior confiabilidade nos dados (Imagem: Freepik)

6) “Evitando fraudes financeiras: cripto promove a contabilidade matematicamente comprovável”

Agora, as quatro principais empresas de contabilidade (ou “big four”) — PwC, EY, KPMG e Deloitte — usam os blockchains Bitcoin e Ethereum como um padrão de confiabilidade na auditoria de empresas que realizam transações com criptoativos.

Isso porque blockchains usam criptografia para criar um registro imutável global de quem pagou o quê e em que momento para quem. Assim, a Índia pode utilizar essa tecnologia para evitar crimes financeiros e aumentar a confiança no sistema por meio de provas de “compliance” criptográficas e matemáticas.

7) “Desenvolvimento tecnológico: cripto é a internet financeira”

Srinivasan explica que a proibição de cripto pode evitar que toda a inovação trazida pelo blockchain aconteça na Índia.

Isso porque o blockchain permite a transferência de qualquer tipo de ativo de computador para computador. A proibição poderia reduzir toda essa inovação no país, pois é como se o governo banisse a inovação da internet nos anos 2000 e a dos smartphones em 2010.

Ele menciona as finanças descentralizadas (DeFi) como uma crescente alternativa a Wall Street, outra inovação que se tornaria inacessível com uma proibição.

DeFi permitem que haja a arrecadação descentralizada de fundos, capital gerado por usuários, feeds de preço descentralizados, autonomia no controle de dados pessoais e redes sociais descentralizadas.

[…] se a Índia acolher e legalizar completamente as criptomoedas, empreendedores indianos podem desenvolver protocolos globais — e não apenas empresas — para ter esse papel de empresas americanas de tecnologia […].

O retorno financeiro ao lançar esses protocolos voltaria para a Índia para enriquecer o país e o uso internacional desses protocolos iria fortalecer a reputação da Índia a nível global.

A adesão da tecnologia cripto e blockchain pela Índia poderia ajudar o país a se destacar internacionalmente (Imagem: Freepik/macrovector)

8) “Independência digital: cripto é a alternativa de código aberto a corporações estrangeiras”

O governo indiano encoraja o uso de protocolos de código aberto em vez dos protocolos fechados e cripto pode ajudar nessa missão, pois:

– seu código é aberto, ou seja, cada usuário pode visualizar o código-fonte de um blockchain;

– seu estado também é aberto, então cada usuário possui acesso à toda a base de dados do blockchain;

– sua execução também é aberta e, assim, cada usuário pode replicar cada ação executada por um blockchain,

Srinivasan faz um paralelo com a rede social Twitter:

O Twitter possui um estado fechado, então você não pode baixar todos os tuítes. Também possui uma execução fechada, então você não consegue analisar o servidor do Twitter para verificar o que está acontecendo em tempo real.

Isso significa que o Twitter pode impedir que você visualize seus tuítes ou desclassificar seus tuítes discretamente para que você não saiba se as pessoas conseguem vê-los.

A ideia da tecnologia cripto é dar acesso a todos, e não restringir a inovação a apenas um grupo seleto (Imagem: Freepik/vectorjuice)

9) “Políticas estrangeiras: Índia deve apoiar plataformas neutras de cripto”

Índia é a terceira maior economia do mundo e, por não ser os EUA nem a China, deve jogar um jogo diferente, segundo Srinivasan.

Diferente desses dois países — EUA pode pressionar países a aceitar o dólar enquanto a China pode fornecer seu yuan digital —, a Índia pode entender que cada país vai querer usar sua própria moeda digital emitida por banco central (CBDC) em seu próprio país e em uma plataforma neutra em todo o mundo.

Srinivasan explica que protocolos cripto fornecem essa plataforma neutra: uma zona desmilitarizada para a negociação e a comunicação internacional.

Segundo ele, cada país possui o seguinte ranking de preferência em relação ao sistema financeiro:

1. nosso país deve estar no comando (moeda digital nacional);

2. ninguém deve estar no comando (criptomoeda internacional);

3. outros devem estar no comando, como EUA ou China (dólar ou yuan digital).

Testes com a criptomoeda da China estão sendo realizados no país, mas ainda a nível municipal (Imagem: Weibo/Jiangsu TV)

Diferente do dólar ou do yuan, a rúpia digital não é uma candidata para se tornar a moeda de reserva mundial. Assim, pode preferir que ninguém esteja no comando, algo que combina com a preferência pelo uso de criptomoedas.

É provável que cada país soberano, que não seja EUA ou China, recorra a cripto no comércio internacional porque é uma segunda escolha bem aceitável, pois são operadas em plataformas que não podem ser destruídas ou controladas.

Criptoativos: utopia ou distopia?

Mas a Índia se beneficia de um jogo de liberdade de expressão e de livres mercados. Os milhões de indianos que emigraram para os EUA, Reino Unido, Canadá e Austrália nos últimos 50 anos se deram muito bem nesse jogo.

Conforme 400 milhões de indianos acessam a internet, em um mudo recém-remoto, a Índia poderá se tornar ainda mais formidável como uma exportadora global de software, finanças e talentos midiáticos.

Plataformas neutras de cripto permitirão que a Índia exporte esses bens digitais a todos os países enquanto, de forma simultânea, se prove justa a todas as partes [via blockchain]. […] Diferente dos EUA ou da China, a Índia não estaria jogando para vencer, e sim jogando para que todos vençam.

10) “A Índia deve comprar bitcoin, desenvolver um ‘blockchain de estocagem’, atrair cripto e encorajar a descentralização”

Segundo o investidor, a próxima etapa da Índia é demonstrar liderança global, e dá algumas sugestões ao Primeiro Ministro do país:

1. criar uma rúpia digital lastreada pelo ouro digital (bitcoin), tornando-a na primeira criptomoeda nacional desse tipo;

2. implementar um sistema financeiro do país — moedas, pagamentos, contabilidade, ações etc. — completamente em blockchain, seguro e verificável, para que empresas indianas prosperem e integrem mais investimentos estrangeiros;

3. atrair capital de cripto, criando um regime regulatório favorável a essa tecnologia para atrair dezenas de bilhões de capital ao país;

4. encorajar o desenvolvimento de protocolos descentralizados: encorajar empreendedores indianos a desenvolverem não apenas empresas globais, mas sim protocolos cripto globais, como Ethereum, em que qualquer país pode confiar;

5. ajudar outras nações com cripto, exportando os designs ao restante do mundo, via serviços que outros países possam usar diretamente ou via bifurcação (“fork”) para que desenvolvam suas próprias versões.

Srinivasan conclui:

A Índia tem o talento de fazer isso acontecer. Tal iniciativa iria aparecer em manchetes internacionais, atrair suporte global de tecnologistas e financiadores, diferenciar a Índia das crescentes políticas econômicas de soma zero, impulsionadas pelos EUA e pela China, e colocar o país na liderança de uma indústria de trilhões de dólares.

O primeiro passo é simples: a Índia deve comprar bitcoin, e não bani-lo.

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