Por que o programa de custódia cripto de US$ 700 milhões da BitGo é tão importante?
Nesta quarta-feira (21), a custodiante de criptoativos BitGo anunciou ter garantido um total de US$ 700 milhões em cobertura de seguro para ativos sob custódia em armazenamento frio. Isso é um marco importante na adesão contínua do bitcoin (BTC) e de outros criptoativos.
Esse número impressionante representa um acréscimo de US$ 600 milhões de capacidade aos US$ 100 milhões apresentados no início de 2019.
Para entender o significado desse acontecimento, um pouco de contexto histórico pode ser útil, bem como a discussão de alguns dos detalhes práticas do programa de seguro e como irá funcionar para clientes da BitGo.
Como seguros funcionam e como surgiram
Vamos começar com uma pergunta bem ampla: o que é, exatamente, um seguro?
Em sua forma mais básica, seguros são um instrumento financeiro — uma forma de financiar o custo de um risco futuro.
É bem simples. Por um lado, você pode fazer seu próprio seguro, cuidado dele você mesmo e lidando com o custo completo de uma perda (a menos que você o tenha transferido de forma contratual em um acordo de indenização com uma contraparte).
Ou você pode pagar a uma empresa de seguros um prêmio para lidar com parte do risco ou com o total.
Seguradores ganham dinheiro ao escolher riscos de forma cuidadosa e, assim, gerando lucros em uma forma vantajosa com juros sobre investimentos de dólares em prêmios. Estamos simplificando bastante aqui, mas esse é o modelo fundamental.
Não há nada novo nisso. O seguro, de uma forma ou de outra, existe há muito tempo, pré-datando do whitepaper do Bitcoin de Satoshi em quatro mil anos.
Na verdade, os primeiros contratos parecidos com seguros da História existiam na forma de empréstimos marinhos usados por negociadores fenícios.
Os gregos e, depois, os romanos aprenderam sobre esse protosseguro e exemplos de empréstimos marinhos romanos podem ser encontrados nos escritos de Demóstenes.
Negociadores marítimos, da região que agora é conhecida como a Itália, são creditados por terem criado as primeiras verdadeiras apólices de seguro no século XIV, em que o risco era repassado a um terceiro, cujo negócio era subscrever riscos e ganhar dinheiro de dólares em prêmio.
O seguro para transporte faz muito sentido. Protege não apenas o(s) dono(s) do barco, mas também as pessoas que têm interesse na carga.
Ao dividir o risco de perda para um grupo, é possível se proteger contra o risco de perda ao pagar por uma porcentagem do valor da propriedade total em risco e se beneficiar das economias de escala quando outros fazem o mesmo.
O modelo de seguro marítimo foi adotado pela Lloyds no século XVII e seus subscritores eram fundamentais ao garantir o tráfego marítimo e o comércio americano nos séculos XVII e XVII — garantindo tanto bens de commodities, como açúcar, café e tabaco, bem como ter um papel, agora reconhecido, de fornecer segurança para o comércio de escravos.
O seguro de construir arranha-céus e rodovias interestaduais se tornou possível e grande parte do comércio moderno pode ficar paralisada — pelo menos temporariamente — se não houver mais seguros.
Na verdade, depois do 11 de setembro, perguntas sobre a disponibilidade de cobrir propriedades no acontecimento de um ataque terrorista poderia facilmente ter resultado em falhas técnicas de grande parte de empréstimos imobiliários para propriedades em grandes cidades se os requisitos de seguro não fossem atendidos.
Em resposta a essas preocupações, o Congresso Americano aprovou a Lei de Seguros de Risco contra Terrorismo, que criou uma barreira federal para o risco de terrorismo — uma lei parecida, de socializar o risco nuclear, pré-datou essa lei em 40 anos, na forma da Lei Price Anderson.
Assim como qualquer instrumento financeiro, seguros podem ser usados para o bem ou para o mal, como foi o caso do comércio de escravos.
Basicamente, um argumento válido pode ser feito de que o capitalismo industrial — por bem ou por mal — não seria possível sem a capacidade de agrupar e compartilhar o risco por meio do uso de apólices de seguro como um modelo de financiamento principal.
Seguradores também são conservadores por natureza, afinal, seu trabalho é garantir que reconheçam os riscos corretos e calculem a probabilidade de parte desses riscos resultem em reembolsos e pagamentos.
Nos EUA, pelo menos, existe uma indústria altamente regulada e supervisionada, sujeita a supervisão por comissários de seguros em cada estado e território.
Uma coisa é garantir apólices de seguro de vida, dado que todo mundo morre e onde tabelas atuariais podem te guiar.
O mesmo vale para apólices de seguro de incêndio, em que existem 150 anos de informações de seguros disponíveis, ou de seguros de automóveis, de compensação a trabalhadores e outros bens e serviços para os quais dados de garantia estão disponíveis.
Torna-se bem mais difícil garantir novos riscos geralmente ligados a novas tecnologias, produtos e setores de negócios.
Exemplos como drones, perda de dados de biometria e roubo de criptomoedas apresentam novos desafios, porque você não têm um histórico atuarial nem de perda para precificar prêmios. Falta compreensão sobre a tecnologia.
O programa de seguros da BitGo e como funciona
Tudo isso nos leva às criptomoedas, aos seguros para riscos de criptomoedas e por que a notícia dos US$ 700 milhões da BitGo de cobertura para criptomoedas é algo bem importante.
Você pode achar que as palavras “bitcoin” ou “criptomoeda” e “populares” não combinam. Porém, existe a opinião de que o bitcoin (e outros criptoativos) não serão populares até o seguro estar disponível para investidores.
Também é uma necessidade para certos tipos de intermediários regulados e empresas que podem desejar trabalhar com cripto, mas existem muitas obrigações legais.
A notícia da BitGo representa um grande passo em direção à popularidade do bitcoin e uma evidência de uma maior aceitação pela indústria de seguros naturalmente conservadora.
Vamos falar rapidamente da BitGo. A empresa se descreve como uma “plataforma financeira institucional para a custódia e negociação de criptoativos”. Fornece custódia para carteiras “quentes”, “mornas” e “frias” para clientes que possuem muitos criptoativos.
BitGo também recebeu uma licença de truste em Nova York e na Dakota do Sul e tem feito parte do setor institucional de criptoativos desde 2013.
A BitGo foi uma das primeiras empresas a garantir cobertura de seguros para criptoativos, o que exigiu trabalho com seguradores para educá-los sobre os riscos.
Já que criptoativos como o bitcoin são instrumentos que portam valor, a perda ou o roubo deles, em qualquer momento, na transferência ou na custódia, representam um risco significativo.
Embora esse risco possa ser gerenciado por meio de uma variedade de medidas de segurança, usar seguro como uma proteção contra perda fornece uma camada adicional e significativa de proteção onde estiver disponível e pode ser atrativo para clientes institucionais por diversos motivos.
Até recentemente, o desafio em garantir uma cobertura significativa de seguros era por conta da limitada capacidade de mercado, combinada com uma falta de compreensão dos riscos por agentes de seguradoras.
A realidade é que soluções de armazenamento “frio” bem-desenvolvidas não exigem um voto de confiança do agente, e sim uma educação e confiança nas medidas técnicas utilizadas para fornecer segurança.
Pete Najarian, diretor de receita da BitGo, falou sobre essa nova oferta, sendo garantia por Lloyds e alguns mercados europeus, junto com o corretor da empresa Jacob Decker da seguradora Woodruff Sawyer.
Najarian observou que criptomoedas eram “consideradas como ativos não seguráveis por um bom tempo” e, por isso, é digno noticiar que a BitGo agora está oferecendo esse seguro de US$ 700 milhões para criptoativos mantidos sob custódia.
Desse valor, US$ 100 milhões estão apenas em nome da BitGo e disponíveis para todos os clientes. Os outros US$ 600 milhões dessa cobertura estão disponíveis para clientes em uma base beneficiária de perda e ligados a limites específicos dos clientes.
A cobertura só está disponível para armazenamento frio, “mas qualquer coisa no armazenamento frio é contemplada pelo programa”, segundo Decker.
A cobertura é fornecida usando a chamada forma de cobertura “em espécie”. É um tipo de cobertura de seguros “de primeira parte”, que é uma forma simples de dizer que é um seguro para propriedades que você possui ou que está sob seus cuidados, sua custódia e seu controle.
Apólices externas — responsabilidades gerais, dirigentes etc. — cobrem o risco de reembolsos/processos por terceiros contra o assegurado. Essa não é uma cobertura para terceiros.
Tradicionalmente, a cobertura em espécie é utilizada para itens valiosos, como metais preciosos, valores mobiliários, dinheiro e/ou coisas armazenadas em um cofre. Joalheiros e empresas de serviços de carros blindados adquirem cobertura usando esse tipo.
Foi adotada pela indústria cripto e, quando você ouvir alguém falar sobre armazenamento frio, provavelmente estão falando de um tipo de apólice em espécie.
Um beneficiário não é assegurado pela apólice, mas tem direito ao pagamento caso haja uma perda pela qual o assegurado faz uma reivindicação.
A cobertura do beneficiário é específica à própria carteira do cliente. Um exemplo mais simples: se você possui um empréstimo de hipoteca ou de um automóvel, seu mutuante provavelmente é um beneficiário em sua apólice de propriedade ou automotiva.
O motivo para o status de beneficiário, diferente de possuir um status de assegurado, segundo Najarian, é que a BitGo é a única parte com informações e conhecimento suficientes para preparar um documento de “prova de perda” (que descreve à seguradora o que aconteceu e por que existe um seguro).
Porém, caso haja o envio de uma “prova de perda” e o pagamento for emitido, Najarian afirma que o pagamento seria feito diretamente para o cliente.
Em relação a por que os outros US$ 600 milhões de limite possam importar aos clientes, Najarian explicou que isso é “atrativo para clientes institucionais” porque sua própria carteira é coberta, porque os US$ 100 milhões de cobertura para todos os clientes foram ofuscados por pagamentos de reivindicações.
Também reflete o fato de que pode ser desafiador para que um cliente institucional adquira cobertura direta por perdas quando seus ativos não estão mais sob seu controle, e sim transferidos à BitGo.
Quando agentes muito conservadores de seguros estão dispostos a garantir todo esse seguro para riscos com criptoativos, as criptomoedas se popularizaram.
Também facilita bastante que instituições reguladas, como sociedades fiduciárias, armazenem criptoativos por seus clientes e cumpram com obrigações regulatórias e fiduciárias necessárias.
São passos fundamentais para tornar criptoativos, como o bitcoin, utilizáveis tanto em Wall Street como em Main Street.
O curioso é que, embora US$ 700 milhões sejam um marco e pareçam muita coisa em termos de volume e ativos em risco, não chega nem perto da quantidade de capacidade que seria obtida caso estivesse disponível. Tal número é apenas uma gota no mar de um mercado de US$ 1 trilhão.
Mas esse é mais um sinal de que o bitcoin e outros criptoativos vieram para ficar.