Por que o Governo ignora o agro? A falta de diálogo e os impactos na segurança alimentar

O Brasil, gigante do agronegócio, caminha perigosamente para um paradoxo: enquanto alimenta o mundo, falha em garantir a segurança alimentar de sua própria população.
A alta dos preços dos alimentos, a desvalorização do produtor rural e a crescente incerteza sobre o futuro do setor escancaram a negligência do governo em relação a um dos pilares da economia nacional. Mas por quê? Falta de visão estratégica? Descaso? Ou simplesmente incompetência?
O fato é que o agronegócio, responsável por mais de 25% do PIB brasileiro e por quase metade das exportações nacionais, segue órfão de políticas públicas eficientes. O governo prefere o silêncio ao diálogo, medidas paliativas à solução real, e ignora os alertas de quem está no campo, produzindo sob riscos cada vez maiores.
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Enquanto isso, a conta chega para o consumidor: inflação dos alimentos, perda de competitividade no mercado internacional e risco de desabastecimento. Até quando o Brasil vai tratar seu setor mais estratégico com tamanho desprezo? E, mais importante: quais as consequências dessa omissão?
Neste artigo, analisamos os impactos dessa desconexão e propomos algumas iniciativas para reverter essa situação.
A falta de diálogo e a crise de representatividade
O Ministério da Agricultura deveria ser o principal canal de interlocução entre governo e agronegócio, mas sua atuação tem sido marcada pela passividade.
O atual ministro Carlos Fávaro e sua equipe enfrentam críticas por não atenderem às demandas do setor e por não estabelecerem uma comunicação clara com entidades como a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
Essa desconexão é particularmente preocupante diante do aumento dos custos de produção e da volatilidade dos preços das commodities.
A falta de políticas públicas estruturantes para mitigar esses riscos agrava a crise, deixando os produtores vulneráveis às oscilações do mercado global e às adversidades climáticas.
Além disso, enquanto países concorrentes como Estados Unidos, União Europeia e China reforçam subsídios e criam mecanismos para proteger seus produtores, o Brasil permanece sem uma estratégia clara, aumentando a dependência do setor em relação ao mercado externo e expondo a economia nacional a riscos desnecessários.
Os reflexos da inércia governamental na produção e no custo dos alimentos
A ausência de políticas agrícolas eficazes já apresenta consequências diretas para o país. Entre os principais impactos da falta de diálogo e da negligência governamental, destacam-se:
- Aumento da inflação dos alimentos: Em 2023, o preço da cesta básica subiu, em média, 16%, acima da inflação geral do período. Esse aumento reflete não apenas a pressão externa, mas também a falta de incentivos internos para garantir maior oferta e menor custo de produção.
- Desvalorização do produtor rural: Sem mecanismos de proteção contra oscilações de preços e sem políticas de incentivo, a renda do produtor rural fica mais vulnerável, o que pode levar ao endividamento e até ao abandono da atividade agrícola.
- Perda de competitividade no mercado internacional: A ausência de políticas de mitigação de risco de preço e a falta de crédito acessível para inovação tecnológica reduzem a competitividade do Brasil frente a concorrentes globais que recebem amplo suporte governamental.
- O impacto não se limita ao campo: o consumidor final é diretamente afetado pela inflação dos alimentos, e a tendência é de agravamento desse cenário caso o governo não adote medidas urgentes para conter os efeitos da crise.
Segurança alimentar ameaçada: O Brasil rumo à escassez?
O Brasil é um dos maiores produtores de alimentos do mundo, mas isso não significa que sua população esteja protegida contra crises de abastecimento.
Atualmente, cerca de 33 milhões de brasileiros vivem em situação de insegurança alimentar grave, de acordo com a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede Penssan).
A insegurança alimentar é um reflexo direto da falta de políticas públicas para garantir preços acessíveis e estabilidade na produção. Países que negligenciam o setor agropecuário e falham na implementação de medidas eficazes acabam enfrentando sérias consequências.
Um exemplo clássico é a Argentina, que adotou políticas desastrosas de controle de preços e restrições às exportações agrícolas, resultando em menor produção e crise no abastecimento interno.
O Brasil precisa evitar esse caminho e garantir que sua população não sofra com oscilações bruscas de preços e disponibilidade de alimentos.
O que pode ser feito? Soluções para a crise do agro
Para evitar um colapso na cadeia produtiva e garantir a segurança alimentar, o governo precisa adotar medidas concretas para reaproximar-se do setor agropecuário e implementar políticas públicas eficazes. Algumas das ações essenciais incluem:
- Reativação do Conselho Nacional de Política Agrícola (CNPA): Criar um canal permanente de diálogo entre governo, entidades do agro e especialistas para discutir políticas públicas e garantir previsibilidade ao setor.
- Ampliação da política de mitigação de risco de preço: Implementar mecanismos como hedge agrícola, contratos futuros e um seguro rural mais robusto, garantindo maior estabilidade para produtores e consumidores.
- Revisão da política de crédito rural: Integrar o agro com o mercado de capitais, facilitando o acesso a novas fontes de financiamento com menor burocracia e taxas mais competitivas, incentivando investimentos em tecnologia e eficiência produtiva.
- Adoção de uma política de previsibilidade regulatória: Evitar mudanças repentinas na tributação do agro e restrições à exportação, garantindo segurança jurídica e estabilidade para os produtores.
- Fortalecimento do Mapa: O Ministério da Agricultura precisa ser mais técnico e menos político, focando na implementação de medidas estruturantes e na defesa dos interesses do setor.
- Incentivo à inovação tecnológica: Estímulo ao uso de agricultura digital, biotecnologia e práticas sustentáveis para aumentar a produtividade sem ampliar a pressão ambiental.
O agro brasileiro enfrenta um momento crítico, em que a falta de diálogo e a inércia governamental ameaçam a competitividade do setor e colocam em risco a segurança alimentar da população.
A ausência de políticas agrícolas estruturantes têm impactos diretos na inflação dos alimentos, no custo de produção e na previsibilidade do mercado.
Se o Brasil continuar negligenciando seu setor mais estratégico, corre o risco de enfrentar uma crise severa de abastecimento e competitividade global.
Para evitar esse cenário, é fundamental que o governo federal abandone a postura passiva e estabeleça um diálogo real com os produtores rurais, adotando medidas concretas para mitigar riscos, reduzir custos e garantir a segurança alimentar da população.
Ignorar o agro é ignorar a base da economia nacional e o bem-estar de milhões de brasileiros. O Brasil não pode se dar ao luxo de seguir esse caminho.