Por que grandes empresas e startups estarão cada vez mais próximas?
Vamos ainda por um bom tempo analisar e tentar entender tudo que aconteceu em 2020 apesar ou por causa da pandemia. Fomos do desespero à euforia irracional, do desalento à esperança. Nos hábitos e costumes, na sociabilidade e na economia. Processos foram acelerados, outros precisaram pivotar para sobreviver.
No campo dos negócios, o ano passado foi intenso no mercado de M&A, especialmente envolvendo grandes corporações, startups e pequenas ou médias empresas.
De acordo com dados da “1ª Pesquisa BR Angels/FirstCom – Investimentos, Aquisições e Maturidade em Inovação”, 46% das grandes empresas realizaram aportes para aquisições; 17% investiram mais de R$ 50 milhões e 58% entre R$ 1 milhão e R$ 5 milhões.
O levantamento, realizado em parceria pelo BR Angels e a FirstCom Comunicação, foi feito junto a 104 CEOs, 74 deles associados ao BR Angels, com atuação em grandes empresas de diversos segmentos, como varejo, bens de consumo, tecnologia, financeiro, educação e serviços.
A pandemia acabou funcionando como combustível para um processo de transformação digital já em curso, levando grandes empresas a aumentarem o apetite por startups para acelerar a digitalização, incorporar novas tecnologias e aumentar a competitividade.
Isso fica evidente quando se separa por setores os 75 investimentos mapeados: 16 foram em fintechs, 11 em empresas de TI e 8 em empresas de SaaS.
No setor financeiro, um dos movimentos mais comentados no ano passado foi a nova rodada de investimento no decacórnio brasileiro Nubank, que captou R$ 1,6 bilhão e seguiu fazendo aquisições. O banco adquiriu, por valores não revelados, a brasileira Plataformatec, empresa de consultoria e treinamentos especializada em engenharia de softwares.
O avanço de empresas e instituições financeiras tradicionais sobre as startups foi intenso, uma consequência do aumento da demanda vinda dos consumidores, que passaram a usar serviços bancários pelo celular ou que abriram uma conta corrente pela primeira vez.
O Magazine Luiza, no final do ano, anunciou a aquisição por R$ 290 milhões da Hub Fintech, plataforma de serviços para contas bancárias digitais e cartão pré-pago. A transação permitiu que os mais de 29 milhões de clientes pessoas físicas do Magalu e os 40 mil sellers do marketplace passassem a ter acesso a uma conta bancária digital completa, gratuita e integrada.
Outros exemplos são a Loft, que adquiriu a Invest Mais para ampliar sua oferta de hipotecas, e os bancões Itaú (ITUB4) e Bradesco (BBDC4), que lideraram uma rodada de investimento de US$ 15 milhões na Quanta, fintech fundada em 2016 e que tem tecnologia para troca de informações financeiras. Os maiores bancos brasileiros estão de olho no Open Banking, que o BC começa a implantar pra valer esse ano.
Houve também uma disputa bastante acirrada entre a Stone (STNE )e a TOTVS (TOTS3), que acabou com a aquisição da Linx (LINX3) pelo unicórnio das maquininhas verdes por US$ 6,7 bilhões. A jogada deve transformar a StoneCo em uma provedora integrada de software e pagamentos para fazer frente a novos rivais e novas tecnologias – como a plataforma de pagamentos instantâneos Pix, lançada pelo Banco Central em novembro – no mercado de pagamentos.
Com mais gente online, precisando digitalizar operações ou cadeias produtivas inteiras, ficou claro que a tecnologia e a computação em nuvem ganharam uma importância estratégica no mercado. Isso explica a razão do apetite por empresas inovadoras ter sido tão alto.
O levantamento identificou os principais motivos – acelerar a transformação digital (27%), incorporar tecnologia (23%) e ganhar competitividade (21%).
De acordo com a pesquisa, a tendência continuará em alta em 2021. Pelo menos 65% dos respondentes informaram que consideram fazer aquisições no próximo ano (contra 46% este ano). Os três setores preferidos permanecem os mesmos – TI, Fintechs e SaaS.
Em termos de volume, a maior parte planeja investir entre R$ 1 milhão e R$ 5 milhões (41%) ou acima de R$ 50 milhões (26%).
O alvo certo
Como determinar quando e em que condições uma operação de M&A faz sentido?
Apesar do apetite crescente por inovação, a pesquisa indicou que apenas 28% dos entrevistados contam com um programa de corporate venture, innovation hub ou venture builder para investir ou acelerar startups.
Isso evidencia a existência de muito espaço para o desenvolvimento de iniciativas sistemáticas voltadas à integração de grandes empresas com iniciativas inovadoras. Dos entrevistados, 38% responderam que planejam implementar programas nos próximos 2 anos, revelando um aumento do interesse das organizações em atuar no ecossistema de startups.
Dos programas existentes, a maior parte (29%) foi implementada no último ano, um provável reflexo da necessidade de acelerar a transformação digital no pós-pandemia. Para 71%, este interesse aumentou depois do Covid-19, enquanto 73% informaram terem aumentado investimentos em tecnologia e digital este ano; 28% elevaram os investimentos em até 10% e 26% entre 10% e 25%.
As áreas de vendas (54 respostas), marketing (51), TI (50) e financeiro (47) foram as mais impactadas pela digitalização este ano. Esses resultados seguem em linha com o comportamento do público ao longo de 2020, que procurou mais fortemente o e-commerce esse ano em função das regras de isolamento social.
Os ecos do “novo normal” atingiram inclusive os Conselhos Administrativo e Consultivo das empresas. Os entrevistados indicaram estar mais atentos para a necessidade de inovação – 59% disseram que têm conselheiros com conhecimento no tema.
Com a aceleração da economia no final do ano, a Bolsa de Valores recuperou as perdas e acabou o ano no azul, com IPOs e volume de negócios significativos.
Nada indica que qualquer uma dessas tendências esteja em vias de refluir. Este ano podemos esperar um movimento ainda maior das corporações em direção às startups brasileiras, que se tornam a cada ano um ecossistema mais maduro e diversificado. Vale a pena acompanhar. E participar, claro.
Orlando Cintra é Membro do Conselho de empresas como SMARTIe (Solvi Ambiental), Solstic Advisors e HyperloopTT, além de Founder & CEO do BR Angels, grupo de investimento-anjo formado por CEOs e empreendedores. Como Executivo de grandes corporações como SAP, HP e Informatica Corp, atuou em diversas posições como Presidente e Vice-Presidente Sênior para América Latina
Luis Claudio Allan é CEO da FirstCom Comunicação e da People2Biz