Milei eleito: Por que dolarização pode ser um tiro no pé da Argentina
O candidato ultraliberal Javier Milei venceu o segundo turno das eleições presidenciais na Argentina, que aconteceram neste domingo (19). Ele conquistou 55,77% dos votos, ante os 44,22% do seu adversário peronista Sergio Massa, com 96,34% dos votos apurados.
Milei possui um plano engatilhado para por fim à circulação do peso como moeda oficial da Argentina, mirando também a extinção do próprio Banco Central.
Para o ultraliberal e sua equipe mais próxima, essas seriam as únicas medidas capazes de atacar a hiperinflação do país, que hoje ultrapassa os 140% na base anualizada.
Se por um lado, a troca por uma moeda forte conseguiria ajustar as monstruosas distorções cambiais que governam o peso argentino, o que poderia efetivamente estabilizar os preços, ela está longe de resolver magicamente problemas crônicos do país, como o alto endividamento (são nove calotes ao FMI) e a falta de produtividade.
Argentina vive seca de dólares
Uma grande questão que não está bem respondida por Javier Milei é como o ele pretende executar o seu plano de dolarização.
Mesmo em seu livro, chamado de O fim da inflação, Milei não dá os termos do quanto precisará desvalorizar o peso para iniciar a dolarização, ou detalhes adicionais de como iria controlar uma grande contração da base monetária do país.
Em um artigo divulgado em setembro, Ahmed Sameer El Khatib, professor e coordenador do Instituto de Finanças da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap), elenca algumas das dificuldades que devem se interpor ao plano.
A primeira delas é que o BC argentino não dispõe de nenhum dólar em seus cofres. Além disso, a recorrente dificuldade da Argentina em honrar seus empréstimos tomados juntos ao FMI devem diminuir a chance de um novo pacote de ajuda para apoiar a dolarização.
Alternativamente, o governo argentino poderia tentar arrecadar mais moeda estrangeira através da emissão da dívida nas mãos de investidores internacionais, o que direta ou indiretamente, reduziria ainda mais o valor dos títulos argentinos. A desvalorização da dívida é um cenário indesejável para o problema fiscal do país.
“Mesmo que a dolarização de uma economia de mais de 600 bilhões dólares pudesse ajudar rapidamente a reduzir a inflação, trata-se de um processo altamente dispendioso”, defende El Khatib.
Dolarização pode levar a baixo crescimento crônico e vulnerabilidade externa
Para Robin Brooks, economista-chefe do Instituto Internacional Financeiro (IIF), um dos críticos mais assíduos da ideia de Milei, a dolarização completa da Argentina traria um fardo pesado demais para o crescimento econômico do país.
“Algumas pessoas na Argentina romantizam a experiência do Equador. A realidade é diferente. O dólar americano é a moeda mais forte do mundo. Ao amarrar a economia doméstica essa divisa, o Equador se prendeu a baixos crescimentos econômicos de uma maneira crônica, ficando para trás dos pares latino-americanos”.
Um dos fatores que contratariam fraqueza à economia dolarizada é a vulnerabilidade aos choques externos de preços das commodities, por exemplo. Vale ressaltar que a Argentina é um dos principais exportadores agrícolas.
Assim, na eventualidade de um choque negativo no preço destas commodities, como ocorreu durante a covid-19, o país tenderia a sofrer mais.
Outro fator que deve ser levado em consideração é que a troca da moeda tornará o país, invariavelmente, mais dependente das decisões do Federal Reserve — e não necessariamente o melhor para o BC norte-americano será o melhor para a economia argentina.
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Problemas de segurança
Um outro revés da experiência equatoriana com a dolarização se identifica pelos problemas de controle do crime organizado.
Em entrevista concedida ao Globo, Alberto Acosta, economista e autor do livro “Breve história econômica do Equador”, mostra que o país deixou de ser apenas um centro de trânsito de drogas, para também ser um centro financeiro do tráfico internacional.
Nesse sentido, a dolarização ajudou no estabelecimento desta nova configuração, já que em uma economia dolarizada, torna-se muito mais difícil investigar a origem do dinheiro.
Segundo Acosta, estima-se que até 3% do PIB do Equador seja proveniente de lavagem de dinheiro do narcotráfico.