Por que a XP não quer liberar os agentes autônomos?
A XP Investimentos disse à CVM (Comissão de Valores Mobiliários) que quebrar a regra de exclusividade entre os agentes autônomos de investimento (AAIs) pode prejudicar o mercado, revela um documento em que a corretora opina em uma consulta pública sobre a modernização da norma que regula estes profissionais.
“Entender diferente disso apenas contribuiria para tornar o mercado brasileiro menos eficiente, efetivamente interrompendo o seu crescimento e sofisticação, levando em consideração que o verdadeiro processo competitivo não se dá entre e por AAIs, mas sim frente às instituições financeiras tradicionais, ainda detentoras de 95% do volume de investimentos hoje no país”, disse a corretora.
O entendimento da XP tem pouca aderência ao que, na prática, acontece no dia a dia. Os AAIs são, na verdade, remunerados por meio de comissões proporcionais ao volume das suas operações e, dada a exigência de exclusividade, tendem a operar junto aos intermediários que proporcionam maiores ganhos esperados.
“Ou seja, o agente autônomo pode ter interesse em que o cliente faça o maior número de operações possível e não necessariamente a melhor operação para o seu perfil de risco”, mostra um entendimento do próprio Ministério da Economia.
O documento lembra que a remuneração do AAI muitas vezes não é conhecida pelo seu cliente e essa assimetria de informação pode causar distorções na hora da escolha de qual profissional se encaixa melhor no perfil do investidor. Isso cria, ainda, incentivos para comportamentos fraudulentos.
Retorno
Segundo a XP, a exclusividade dos AAIs gera uma série de eficiências adicionais de custo que asseguram o retorno para o seu investimento. E, só assim, teria incentivo para disponibilizar uma infraestrutura para os procedimentos de monitoramento e controle da atividade.
“Parece claro que o modelo de exclusividade entre corretoras e AAIs gera uma série de eficiências e efetivamente viabilizou e viabiliza um crescimento da pressão competitiva exercida contra os bancos tradicionais, tendo apresentado uma série de resultados positivos para a concorrência e para o consumidor brasileiro, hoje com mais opções sofisticadas de investimentos e menores taxas”, aponta o texto.
Sobre o impacto no controle e fiscalização, o Santander aponta, em sua contribuição para a consulta, uma contradição.
“Atribuindo ao intermediário toda a responsabilidade por irregularidades e, portanto, todas as obrigações de controle, ele possibilita que os próprios intermediários acionem os AAI, solicitando o ressarcimento dos prejuízos incorridos”, diz o banco.
Desta forma, os intermediários são rigorosos na exigência de assinaturas e gravações de ordens, por exemplo, mas não empregam tantos esforços no controle da atividade comercial ou das condutas que os beneficiam. “A responsabilidade efetiva fica, assim, difusa e com pouco controle”, opina.
A ABBAI (Associação Brasileira dos Agentes Autônomos de Investimentos) alega que, no estágio de desenvolvimento atual do mercado, a exclusividade deixou de ser necessária, independentemente de quaisquer questões adicionais, pois o motivo que a trouxe já não existe mais.
“Hoje, não é difícil fiscalizar, apurar, controlar, supervisionar e inspecionar o AAI no ambiente de renda variável, mesmo que este trabalhe com mais de uma corretora. Com a automatização das ordens, este obstáculo foi superado”, aponta em sua contribuição.
Lógica inversa
Esta visão concentradora da XP é amplamente combatida pelo mercado e parece inverter a lógica de que quanto maior a competição, maior a possibilidade de ofertas de produtos aos clientes.
“Bastaria a comparação com setores como o de seguros, em que corretores podem oferecer alternativas diversas, na busca da melhor relação custo-benefício (ou mesmo no próprio caso dos AAIs, em que a oferta simultânea de fundos de investimento de diversas instituições já é autorizada)”, lembra a casa independente BR Invest, que também participou da consulta.
“Essa mudança teria pouco potencial de impacto negativo no mercado e, por outro lado, teria um grande potencial de impacto positivo, especialmente por tornar mais efetivas disposições regulamentares já existentes”, opina o escritório de advocacia i2a em sua contribuição para o debate.
“A regra da exclusividade acompanhada da exigência do cumprimento do prazo mínimo de 60 (sessenta) dias entre a vinculação do antigo e o novo participante, apenas fortalecem a concentração dos agentes autônomos em determinado participante. Todo o processo de migração e desvinculação do agente autônomo é extremamente dificultado, incluindo neste ponto a própria migração de custódia e carteira de seus clientes”, argumenta a Uniletra Investimentos.
“Consideramos importante a retirada da exclusividade regulatória para todos os produtos distribuídos pelos agentes autônomos, permitindo que estes decidam atuar apenas com uma ou várias instituições intermediárias”, escreve a Modal em sua participação.
Barreira de entrada
Um parecer técnico da Superintendência Geral do CADE, destaca que há evidências do uso dos AAIs para a obtenção de mais capilaridade por parte das corretoras que atuam especialmente via plataformas digitais.
Segundo o texto “a exigência de exclusividade em relação aos AAIs constitui barreira de entrada significativa para novos entrantes ou mesmo para o crescimento das concorrentes de menor porte”.