Políticas mal desenhadas, consequências indesejadas
Em 1696, na Inglaterra, foi introduzido o que ficou conhecido como imposto das janelas. Como forma de impor uma taxação aos mais ricos, convencionou-se determinar o volume de imposto a ser pago pela quantidade de janelas que um imóvel possuía, já que, em teoria, pessoas de baixa renda viveriam em moradias menores, com menos janelas.
Como consequência, muitos proprietários decidiram fechar as janelas com tijolos, o que, com o tempo, afetou a saúde e o bem-estar das pessoas. A lei durou 155 anos e ainda hoje é possível encontrar imóveis assim pela cidade.
Essa história ilustra um conceito econômico simples, superimportante, mas que foi, e ainda é, ignorado com bastante frequência: pessoas reagem a incentivos.
A ideia parece óbvia e bem conhecida, já que é a base de qualquer educação. Desde crianças somos acostumados a orientar nossas ações conforme esses incentivos, que podem ser na forma de ganho ou de evitar uma perda. É comum ouvir um pai dizer ao filho que “se você se comportar você vai ganhar isso” ou “se você não se comportar você vai perder aquilo”.
Esses incentivos podem se dar de muitas formas, não monetárias, como um reconhecimento ou uma repreensão, ou monetárias, seja um auxílio ou um imposto, como o caso da Inglaterra.
Apesar de todos entenderem o conceito, são inúmeros os exemplos de políticas públicas mal desenhadas, que trabalham os incentivos erroneamente e provocam uma série de consequências indesejadas.
Um bom exemplo no Brasil foi o PSI (Programa de Sustentação do Investimento), a partir de 2009, que era operado por meio de repasses de financiamentos do BNDES com taxas subsidiadas e condições de pagamento diferenciadas que, entre outras coisas, permitia a compra de caminhões.
Com o incentivo, a frota brasileira cresceu em excesso e o problema se evidenciou anos mais tarde, com as sucessivas greves dos caminhoneiros que criticavam os baixos preços dos fretes.
As consequências da decisão só ficaram claras muito tempo depois, tornando difícil a compreensão, para a população, de que os episódios resultaram daquela decisão. Em resposta aos atos, o governo decidiu novamente intervir e tabelar o frete com valores mínimos. Rapidamente, empresas começaram a optar por terem frotas próprias, gerando mais ineficiências ao setor de transporte.
Ao desenhar uma política pública ou uma lei, o foco não pode estar exclusivamente sobre a solução do problema em questão, mas precisa levar em conta os demais impactos indiretos da medida.
É muito comum, especialmente no Brasil, que decisões como a de conceder novos auxílios, modificar tributos ou alterar leis não venham seguidas de um estudo sério sobre os possíveis efeitos indesejados decorrentes da decisão. Também é frequente a falta de avaliação de políticas existentes, para que se verifique se a forma como pessoas e empresas reagiram a determinada medida foi, ou não, em linha com o que se imaginava.
Agora, junto com a mudança de governo, deverão vir muitas mudanças de políticas. Uma das principais poderá ser a tentativa de se aprovar uma reforma tributária, que altere significativamente uma complexa cadeia de incentivos para todos os setores da economia. Certamente, temas como imposto sobre grandes fortunas ou heranças, taxação de dividendos e regimes especiais de tributação serão colocados em pauta e podem ter muitos efeitos indesejados no futuro.
É importante que o debate técnico que antecipe a criação dessas políticas tenha a qualidade necessária para que se crie uma boa estrutura de incentivos e a menor quantidade possível de efeitos indesejados. Caso contrário, ainda vamos ver muitas “janelas de tijolos” sendo construídas, com grandes prejuízos à produtividade, eficiência e capacidade de crescimento do país.
Carlos Lopes é economista no banco BV desde 2013 e já passou por instituições financeiras como Itaú BBA, Banco Fibra e WestLB. É formado pela Universidade de São Paulo e tem mestrado no Insper.
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