Política

Plataformas têm de responder por conteúdos que lhes dão receita, diz secretário do governo Lula

17 mar 2023, 18:29 - atualizado em 17 mar 2023, 18:30
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A plataforma questionou sua responsabilidade pela retirada de conteúdos sem decisão judicial após um caso envolvendo um perfil falso no Facebook (Imagem: REUTERS/Dado Ruvic/Illustration)

As empresas donas de plataformas digitais precisam ser responsabilizadas pelo teor dos conteúdos que lhes rendem receitas, como publicidade, disse à Reuters nesta sexta-feira o secretário de Políticas Digitais do governo Lula, João Brant.

Brant defendeu a medida ao comentar a necessidade de mudanças no artigo 19 do Marco Civil da Internet, que exime as plataformas de responsabilidade jurídica “por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros”, a não ser quando houver uma ordem judicial específica para a remoção do conteúdo.

Para o secretário, o artigo 19 foi feito em um outro contexto e buscava a defesa da liberdade de expressão como “valor primordial” do debate público nas redes. Brant disse considerar “um pouco atípica” a falta de responsabilização das empresas “inclusive em conteúdo que são promovidos, monetizados ou apresentados como publicidade nas plataformas.”

“Deveríamos tratar de forma diferente: se a plataforma faz uma análise de uma publicidade, está ganhando dinheiro com ela, ela ter zero responsabilidade sobre aquele conteúdo é muito ruim”, disse.

O Supremo Tribunal Federal (STF) discute desde 2017 a constitucionalidade do artigo 19, a partir de uma ação apresentada pela Meta, dona do Facebook e do Instagram.

A plataforma questionou sua responsabilidade pela retirada de conteúdos sem decisão judicial após um caso envolvendo um perfil falso no Facebook.

O STF marcou uma audiência pública para debater o tema, que está sob relatoria do ministro Dias Toffoli, para o dia 28.

Para Brant, o atual sistema “gera um incentivo para que as plataformas não cuidem do espaço público de debate.”

“Hoje, como direitos autorais são uma exceção prevista no Marco Civil, hoje elas (plataformas) são mais rigorosas com a proteção de direitos autorais do que com a proteção contra conteúdo ilegal que afeta a democracia.”

O secretário afirmou que o papel do governo é “propor mudanças na lei e trazer a avaliação do atual regime”.

“Se isso é uma discussão de constitucionalidade, é o STF que vai dizer”, disse.

Órgão regulador

Segundo Brant, a prioridade de sua secretaria no momento é “pensar ações para impedir que as redes sejam usadas para difusão e promoção de crimes e conteúdo ilegal”, principalmente depois dos ataques ocorridos em Brasília no dia 8 de janeiro.

O secretário avalia que as plataformas devem ter “responsabilidade não pelo conteúdo individualmente, mas sobre o quanto elas estão sendo diligentes e cuidadosas com o ambiente digital.”

Brant disse que não há decisão sobre a criação de um órgão regulador das plataformas, mas entende que quem tiver a tarefa de fiscalizar a atuação das empresas deve “acompanhar se as plataformas estão cumprindo bem suas obrigações, e não ficar lidando com conteúdos individuais publicados pelos usuários. Isso deve ser função da Justiça.”

Brant também afirmou ser contra “soluções que levem a retirada em massa de conteúdo”.

“É preciso preservar a liberdade de expressão dos usuários, a liberdade do debate político, mas ao mesmo tempo é preciso garantir que não haja a disseminação maciça de conteúdos ilegais. O mundo inteiro busca esse equilíbrio”, disse.

O secretário também disse ser necessário “impedir abusos” na restrição a contas, especialmente de agentes públicos eleitos, como a suspensão por tempo indeterminado, mas que essa proteção não pode ser “uma licença para mentir e difundir conteúdos ilegais.”

“Do ponto de vista da moderação do conteúdo, não deveria haver nenhum tipo de privilégio (aos políticos)”, afirmou.

PL das fake news é “insuficiente”

Brant também disse que o governo quer sugerir propostas ao projeto de lei 2630/2020, conhecido como “PL das Fake News”, por considerar que o texto atual é “insuficiente” para lidar com o ecossistema digital.

“É preciso entender que o projeto não é sobre enfrentamento à desinformação, é sobre transparência e outros temas de responsabilidade”, afirmou.

Para Brant, o projeto precisa ter “respostas mais consistentes para conteúdos ilegais”. O secretário citou o Ato dos Serviços Digitais, aprovado no ano passado pela União Europeia, ao defender uma avaliação de como o funcionamento das plataformas afeta direitos fundamentais e o sistema eleitoral.

“As propostas que levaremos ao relator são muito inspiradas na legislação europeia e passam por mecanismos de transparência, inclusive sobre sistemas de recomendação e transparência algorítmica. Passa por medidas de mitigação de risco e por auditorias externas”, afirmou.

Ainda segundo Brant, as sugestões do governo devem avançar sobre conteúdos que incitam crimes contra o Estado democrático de direito, terrorismo e racismo. Propostas sobre conteúdos que classificou como “nocivos”, como a desinformação, ainda “requerem soluções mais estruturadas e um debate público mais aprofundado”, defendeu o secretário.

O ministro da Justiça, Flávio Dino, disse nesta semana que as propostas do governo ao PL das Fake News seriam apresentadas ao relator do projeto na Câmara dos Deputados, Orlando Silva, até esta quinta-feira.

Brant disse que as sugestões devem ser apresentadas “nas próximas semanas”, e o Ministério da Justiça informou, em nota, que “a reunião não aconteceu e não tem data definida ainda”.

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