Pierre Schurmann: Por que 2021 será o ano do IPO de startups de tecnologia?
As areias vazias de Copacabana sem a famosa queima de fogos no réveillon foi um símbolo do atípico ano de 2020. O noticiário ainda dominado pela pandemia parece desmentir o lema “ano novo, vida nova”.
É verdade que as armadilhas são várias, mas ao que tudo indica, 2021 será um ano mais seguro para o empreendedor, sobretudo aqueles do setor de tecnologia.
Toda a incerteza que contaminou a economia mundial à medida em que o coronavírus se espalhava por todos os continentes foi temperada, em parte, pela resposta rápida dos bancos centrais irrigando com trilhões de dólares as maiores economias.
As pequenas e médias empresas foram duramente afetadas pelos lockdowns e isolamentos impostos pelas autoridades. Muitas não resistiram. Desemprego e miséria só não foram maiores por conta dos auxílios emergenciais.
Por outro lado, a necessidade de procurar soluções remotas para quase tudo tornou ainda mais importante o papel das empresas de tecnologia. Em todos os cantos da Terra, inclusive no Brasil, a transformação digital, um processo em pleno curso, foi acelerado apesar de todas as restrições impostas por 2020. A explosão no uso do Zoom e do Google Meets foi só a ponta do iceberg.
Falando especificamente do país, é relevante citar a queda da Selic ao menor nível da história. A taxa de 2% ao ano pulverizou qualquer vantagem da renda fixa e abriu uma janela para o mercado de capitais. A migração dos investidores veio num momento em que muitos empresários precisavam desse fôlego.
O resultado disso foi que a B3 viveu o melhor ano de sua história mesmo com o tombo assustador logo depois que ficou claro que o Brasil seria atingido pela pandemia. Em 2020, a Bolsa registrou 28 IPOs, o segundo maior número da história – só fica atrás de 2007, com 64.
No entanto, em volume nominal de recursos captados, 2020 foi recorde, com R$ 117 bilhões contra R$ 55 bilhões há 13 anos. Foram empresas de todos os setores, desde a Rede D’Or (R$ 11,4 bilhões) até a Petz (R$ 3 bi).
E as empresas de tecnologia?
Se nos EUA as techs se fortaleceram como as novas gigantes do pedaço, no Brasil o posicionamento sempre foi mais modesto. Quando o ano passado começou havia 3 empresas listadas na B3 (Totvs, Linx e Sinqia) no segmento Novos Mercados. Sendo que a última empresa do setor a abrir capital havia sido a Linx em 2013.
No entanto, todas essas empresas eram grandes de tecnologia. Nossos unicórnios fintechs optaram por abrir capital em Nova York por questões regulatórias, caso da Stone e do PagSeguro. Temos ainda vários com capital fechado, como o Nubank, que já virou decacórnio privado.
Em fevereiro, a Locaweb quebrou o jejum captando R$ 1 bi e parecia abrir alas para um ano promissor. Veio a crise e os planos foram contidos. Depois que o mercado de capitais começou a se recuperar, os IPOs voltaram a acontecer. Por volta de agosto, as ações da Locaweb haviam se valorizado cerca de 200%.
A novidade promissora do final do ano foram os IPOs em novembro, da fintech mineira Méliuz, que captou R$ 583 milhões, em 5 de novembro, da Enjoei quatro dias depois, que levantou R$ 1,1 bi e na última abertura do ano, em dezembro, da Neogrid, com R$ 486 milhões.
A Enjoei (ENJU3), plataforma de brechós online, e a Méliuz (CASH3), que começou como site de cupons e vem popularizando o sistema de cashback no país, mas com uma sólida estratégia offline também, optaram por abrir capital direto, sem passar pela fase de unicórnio privado. A Neogrid (NGRD3) é uma empresa de soluções para gestão automática da cadeia de suprimentos (Supply Chain Management).
O que une essas empresas?
Enjoei e Méliuz representam uma perspectiva positiva para as startups na B3, o que era visto com ceticismo há algum tempo.
Já a Neogrid, fundada em 1999, em Joinville, atua no fornecimento de soluções em SaaS para a cadeia de suprimentos. Os softwares como serviço continuarão sob alta demanda nos próximos anos.
O presidente da B3, Gilson Finkelsztain, assinala que “a expectativa continua sendo bastante positiva para o mercado de capitais” e que ainda tem bastante IPO por vir em 2021.
A mesma tese é defendida por Pedro Mesquita, head do banco de investimento e sócio da XP, que acredita em um ano histórico. “Estamos trabalhando com o número de 80 a 100 ofertas em 2021, entre primárias e secundárias”.
Dado um cenário em que as vacinas contra o coronavírus já estão aí, dado que a liquidez da economia permanece alta e que os bancos seguem otimistas quanto às perspectivas do mercado de capitais, eu diria, sem sombra de dúvidas, que esse é o ano dos IPOs.
Estão na fila, por exemplo, dois aplicativos do setor de decoração, o Mobly, que tem 300 mil usuários ativos, e a Westwing. Sem contar os que adiaram em 2020, como a startup de assinatura de vinhos Wine.com, a plataforma de aluguéis de imóveis Housi e a Mosaico, dona do site Buscapé.
Maturidade
O ano de 2021 deve marcar mais um estirão de maturidade no ecossistema de startups no Brasil, que já são 13.602, segundo base criada pela ABStartups. Além das fusões e aquisições (foram 140 em 2020, somando todos os setores, segundo a consultoria Distrito), também avançamos em aspectos regulatórios – como a aprovação da telemedicina e destravamento de regras para fintechs na esteira do Pix e da estratégia de Open Banking, que vem sendo tocada pelo Banco Central.
O setor ainda aguarda a aprovação pelo Senado do marco legal das startups, projeto de lei complementar votado na Câmara no final do ano.
Há chances claras de desenvolvimento nos setores financeiro, de saúde, educação, logística e varejo, todos bastante movimentados pelos efeitos da pandemia. Os especialistas projetavam no final do ano passado que o Brasil iria ganhar 16 unicórnios em 2021 e um deles já bateu a meta: a curitibana MadeiraMadeira, que vende online móveis e material de construção, virou nosso 14º.
A lista compilada pela consultoria Tracxn inclui fintechs como o banco C6, Neon, RecargaPay; de e-commerce como Olist e Takeblip; logística, como CargoX e Tembici, ou do agro, como Solinftec e Taranos. A análise ainda cita 22 empresas que chama de “minicórnios”, que podem ganhar tração rapidamente.
Somando as quatros empresas que abriram capital na Bolsa em 2020, chegamos a um valor de cerca de R$ 12 bilhões. Isso faz com que o setor de tecnologia & inovação comece a ganhar relevância como opção de investimento também na B3.
A perspectiva é de que tenhamos de 10 a 20 IPOs de startups, o que fará de 2021 um ano marcante, de recordes sob todas as métricas possíveis, e isso só tem frutos positivos a gerar em termos de crescimento econômico, emprego e posicionamento do país na contramão do noticiário de desindustrialização.
Que a virada do ano para 2022 nos devolva a alegria das grandes celebrações, porque, se o script for seguido, teremos muito a comemorar.
Pierre Schurmann é CEO da Nuvini, grupo de empresas de SaaS, e chairman, fundador e membro do conselho da Bossa Nova Investimentos