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Pedro Serra: Vale a pena investir em estatais?

26 fev 2021, 19:46 - atualizado em 26 fev 2021, 19:58
Plataforma da Petrobras, RJ
“O investidor deve compreender os riscos envolvidos de se investir em empresas dessa natureza, mesmo que indiretamente”, afirma Pedro (Imagem: REUTERS/Pilar Olivares)

Atualmente, as estatais, tanto federais quanto estaduais, representam 13,8% da carteira teórica do nosso principal índice de ações, o Ibovespa.

Diante disso, o investidor deve compreender os riscos envolvidos de se investir em empresas dessa natureza, mesmo que indiretamente, por exemplo, se for investir em ETFs que seguem o índice Ibovespa, estará, automaticamente, com 14% de seu patrimônio exposto ao risco político.

Que tipo de risco político estamos mencionando? Em primeiro lugar vale lembrar que, praticamente, todas as empresas estão, de alguma forma, expostas em algum nível a este risco, que pode se materializar numa mudança regulatória ou com um novo plano econômico, por exemplo.

Todavia, o risco político inerente às estatais que estamos comentando é diferente. Podemos resumir dizendo que é toda aquela decisão tomada ou sugerida pelo controlador ou administrador, que não coloca os interesses da própria empresa em primeiro lugar em detrimento de decisões que consideram justificáveis para atender a interesses de
outra natureza.

Em outras palavras, usar a estatal para outros fins ou mudar/desrespeitar regras que julgam mais importantes de acordo com a crença do controlador, mas que podem ser significativamente danosas à companhia e, consequentemente, ao seu acionista minoritário.

O final desse filme já é amplamente conhecido, pois exemplos não nos faltam.

Recentemente tivemos o episódio envolvendo a Petrobras (PETR3;PETR4) que viu suas ações caírem mais de 20% em dois dias, com a ordem do presidente de trocar o CEO, Roberto Castello Branco, pelo general Joaquim Silva e Luna, devido à sua insatisfação em relação à condução da política de paridade dos preços dos combustíveis da companhia, que mantinha seus preços alinhados à cotação internacional do petróleo.

Além da Petrobras, o Banco do Brasil (BBAS3) também foi alvo da insatisfação do presidente, tendo que o ministro da economia, Paulo Guedes, e o presidente do BC, Roberto Campos, formular uma solução para evitar a sua demissão e mais desgaste político.

Apesar dos esforços, o movimento não evitou uma queda superior a 10% das ações do banco em alguns dias após o início das notícias.

Na Eletrobras (ELET3;ELET5;ELET6) , a saída do CEO, Wilson Ferreira com declarações desanimadoras sobre as possibilidades de privatização da companhia fez seus papéis oscilarem negativamente e de forma forte.

Eventos convergentes também ocorre na esfera estadual, como com Copel (CPLE6) e Sanepar (SAPR11) empresas de distribuição de energia e saneamento do estado do Paraná), que constantemente são vítimas de uma maior volatilidade em suas ações pois, recorrentemente, seu acionista majoritário, o governo estadual, decide intervir no processo de reajuste de suas tarifas e/ou solicitar o pagamento de dividendos, que muitas vezes poderiam ser usados para atender à outras demandas destas companhias.

Poderíamos continuar aqui trazendo outros episódios do passado envolvendo outras estatais como Cemig (CMIG3), Banrisul (BRSR6)entre outras, mas os fatos ilustrados acima já são o suficiente para corroborar o quão negativo a deflagração de conflito de interesses entre o acionista majoritário e o demais quadro societário pode ser para uma companhia.

Eletrobras
“Com o tempo, o mercado passou a perceber um risco maior nas estatais e, consequentemente, exigir descontos maiores”, afirma (Imagem: Acervo da Eletrobras)

O impacto do risco das estatais

Embora acredite que a melhor maneira de trazer uma maior qualidade de vida para nós brasileiros poderia ser através da redução dos impostos, em conjunto com uma redução do aparelhamento do estado, e com um maior respeito aos contratos firmados entre aqueles que decidem investir no país e o próprio governo, não tenho como objetivo julgar as decisões recentes de nossos governantes.

Aliás, nos resta torcer para que, no fim, dê tudo certo. Afinal a assertividade nas ações coletivas do Estado, independente da esfera, proporciona benefícios a toda comunidade.

Todavia, conforme observamos acima, é grande o volume de decisões e eventos cujos desdobramentos acabaram sendo negativos tanto a própria estatal como aos seus respectivos minoritários.

Com o tempo, o mercado passou a perceber um risco maior nas estatais e, consequentemente, exigir descontos maiores.

Podemos observar o problema de forma simples, através de uma análise de múltiplos (números aproximados) observados nestas companhias em comparação com seus pares privados.

Pegando o Banco do Brasil como exemplo, observamos que no período entre 2017 e meados de 2018, um pouco antes do mercado começar a precificar a vitória de Jair Bolsonaro, o banco negociou em média a 0,80x o seu valor patrimonial (preço da ação ÷ valor patrimonial por ação).

Em contrapartida, no mesmo período, Itaú (ITUB4) e Bradesco (BBDC4) negociaram a 2,0x e 1,5x respectivamente, ou seja, um desconto de 60,0% e 46,7%.

Desse momento até antes da pandemia, o que se viu foi uma redução desse desconto, onde o BB negociou em média a 1,15x P/VPA versus Itaú e Bradesco com 2,2x e 1,8x, desconto de 47,7% e 36,1%, respectivamente, devido à melhora na gestão e na percepção do mercado quanto a governança.

No período da pandemia até meados de janeiro desse ano (antes da “quase” demissão do CEO do BB, André Brandão), o Banco do Brasil negociou a 0,78x P/VPA versus 1,80x do Itaú e 1,40x do Bradesco, descontos de 58% e
46%, ainda menor em relação ao primeiro período citado.

Atualmente, após os recentes episódios, o BB negocia em torno de 0,66x P/VPA versus 1,74x de Itaú e 1,35x de Bradesco, o que representa um desconto de 62,1% e 51,1%, respectivamente.

Transmissão Paulista, Energia Elétrica
A privatização é a única saída? Sem dúvida é a melhor opção, pois corta de vez as possibilidades de intervenção de governos nas empresas. (Imagem: YouTube/Canal ISA CTEEP)

Por que isso ocorre? Bom, primeiro é necessário entender que investir na “bolsa” é, na verdade, investir em companhias. Portanto, se temos a intenção de investir em uma grande empresa, devemos sempre nos perguntar se esta gera caixa, se é bem gerida e se seu sócio é confiável.

Seria da mesma forma se você tivesse pensando em investir em um simples restaurante, por exemplo, porém não tivesse tempo de estar lá presencialmente e tomando decisões.

Da mesma forma, você iria querer saber se o gerente que vai tocar o estabelecimento é competente, se o seu sócio é alinhado aos seus interesses e se o restaurante tem lucro antes de investir seu dinheiro no negócio.

No caso das estatais brasileiras, essas três perguntas foram difíceis de responder ao longo da história, o que gera uma desconfiança acerca de seus futuros.

Eis porque o desconto dado pelo mercado, que para investir em ativos que podem lhe trazer problemas e muita volatilidade exige um prêmio bem maior que os pares privados.

Reforço na governança

Mais recentemente ainda, com o aumento (muito bem-vindo) da adoção das práticas ESG, essas empresas que possuem claros problemas de governança estarão, fatalmente, mais distantes dos principais investidores do mercado global e local.

A privatização é a única saída? Sem dúvida é a melhor opção, pois corta de vez as possibilidades de intervenção de governos nas empresas.

Porém, antes que isso se torne uma realidade para as estatais de maneira geral, o Brasil vem tentando aumentar a proteção e a governança de desse tipo de empresa e, pelo que temos visto, esse é o ano da prova.

Se, por ventura, a Petrobras conseguir garantir a paridade do preço da gasolina e do diesel, por exemplo, como descreve a fórmula elaborada antes, será uma sonora indicação de que a governança das estatais avançou bastante.

Entretanto, a “barra” ESG está ficando cada vez mais alta e essa evolução de governança terá que continuar para poder acompanhar um mundo de investidores cada vez mais exigente.

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