Pedro Serra: Rally de fim de ano – Uma linda coincidência
Após um 2021 em que o mercado acionário não rendeu o que os investidores esperavam, o desempenho diário dos últimos dias reacendeu a chama de uma discussão recorrente entre analistas e investidores: o rally de fim de ano.
Será que ele realmente existe? É possível obter boas rentabilidades deixando para operar apenas na reta final do ano?
É verdade que nos últimos vinte anos, o Ibovespa, principal índice acionário do país, evoluiu ao longo dos três últimos meses do ano em 75% do tempo. Além disso, se levarmos em consideração o mês de dezembro, o desempenho positivo fica ainda mais evidente.
Ao observar a performance histórica do Ibovespa nos últimos 20 anos, é possível perceber que tivemos três deles próximo ao zero e sete anos no negativo. Mas quando observamos apenas os meses de dezembro, o resultado é diferente com dois dezembros perto de zero e quatro no negativo.
A figura abaixo permite uma melhor visualização da rentabilidade do Ibovespa nos últimos vinte dezembros.
É possível observar um histórico de meses positivos, porém, o que chama mais a atenção é que em apenas duas ocasiões no período analisado, a rentabilidade no mês de dezembro ficou negativa, contra um resultado anual fechado positivamente.
Em resumo, olhando de maneira simples, o Natal costuma nos presentear com o “rali de fim de ano”. Mas será que esse histórico é suficiente para confiar numa estratégia de se comprar sempre no último mês de cada ano?
As variáveis que estão por trás desse movimento
Vale lembrar que esta correlação não induz causalidade, sendo que existem uma série de possibilidades que explicam este movimento altista de final de ano, mas nenhuma delas está vinculada apenas ao calendário.
Um dos fatores pode estar relacionado ao retorno das férias no hemisfério norte, o que leva os investidores a sair em busca de alocações diferentes para o seu capital, sem contar as Heurísticas comportamentais, como a representatividade, dado o alto número de resultados recentes positivos avistados.
Resumindo, os motivos variam e a equação que explica os resultados positivos no mercado em dezembro é composta por uma ampla gama de variáveis.
Entretanto, independente do motivo que o levou a performar de forma positiva, o fato do índice ter apresentado forte rendimento nos últimos anos não configura argumento sustentável para manter uma tese de investimentos consistente.
Mesmo se tratando de anos-calendário com períodos regulares, os efeitos que levaram o índice a performar de tal forma foram diferentes ano a ano e utilizar a premissa dos resultados passados foge inteiramente do racional econômico.
Conhecida também como base rate neglect, o investimento levando em consideração um recorte de dados é um erro cognitivo mais comum do que parece e que pode ser altamente destrutivo.
O Problema de Linda, criado por Kahneman & Tversky, também pode ajudar o investidor a entender o porquê erroneamente as pessoas ignoram as estatísticas e a probabilidade para se ater a uma hipótese que parece fazer mais sentido apenas por ser mais agradável.
Não estou defendendo que o investidor deve evitar investir ao longo do 4º tri ou de dezembro, pelo contrário: o investimento consciente, balizado em fundamentos perenes e na correta avaliação de risco e retorno deve sempre estar no radar do investidor, independente da época do ano, mas negligenciar os múltiplos fatores que envolvem uma decisão de investimentos em função de apenas uma variável estatística positiva pode acabar virando uma cilada que pode diminuir o ímpeto do investidor em seguir investindo ativamente no longo prazo. Invista sim, mas porque você quer, pode e acha prudente, não porque estamos em dezembro, maio ou outubro.
Até porque, o final do ano passará e o investidor continuará ouvindo conselhos como sell in may and go away, ou que outubro é o mês mais perigoso para investir e que dezembro é o melhor.
Entretanto, o investidor consciente deve se lembrar que todas estas falas são alusivas à supostos efeitos-calendário que em nada deveriam lhe desviar de suas aspirações e convicções. Até porque, não serão as águas de março que estragarão o verão.