Pedro Serra: O que esperar dos resultados do terceiro trimestre?
Em meio a uma chuva de assimetrias políticas, fiscais, inflacionárias, hidrológicas, começará em breve uma nova temporada de resultados para as empresas, que poderão mostrar ao mercado como estão lidando com o ambiente mercadológico atual.
Acredito que o momento poderá arrefecer, em algum nível, o resultado de algumas companhias, mas ainda assim, haverá resultados positivos e que sustentarão a força de algumas teses de investimentos.
Ademais, a temporada poderá confirmar que, mesmo em tempos mais tempestuosos, o investimento em renda variável ainda se faz válido, sobretudo quando priorizadas as teses de investimentos perenes e aquelas que se confirmam mesmo diante de um cenário mais volátil.
Empresas de varejo seguem robustas
Dentre os destaques positivos da temporada de resultados enxergamos as companhias de varejo de vestuário, refletindo o fato de que as pessoas estão atualizando o guarda-roupas para retornar a frequentar eventos sociais.
Desta maneira, empresas voltadas ao atendimento de classes de alta renda se beneficiam, pois contam com um consumidor mais resiliente em cenários de crise.
Além disso, também esperamos bons resultados nas varejistas de vestuário que possuem maior exposição a shoppings, como Renner e Arezzo, já que estes estabelecimentos vêm apresentando forte retomada no fluxo de pessoas à medida que a parcela da população completamente vacinada aumenta.
Olhando para o setor de supermercados, tendo em vista o cenário de inflação mais acentuada, aguardamos melhores resultados para os players que possuem exposição ao atacarejo, como Assaí, Carrefour e Grupo Mateus, uma vez que os preços administrados nessa modalidade são mais atrativos para o consumidor final.
No entanto, como a base de comparação do 3T20 é desafiadora, esperamos uma desaceleração no crescimento de vendas em comparação com o último trimestre.
O mesmo vale para o setor de e-commerce. Acredito que haverá um crescimento mais brando nas vendas do trimestre, levando em consideração a forte base anual, além da retomada do fluxo de pessoas em lojas físicas, reduzindo a demanda de canais digitais.
Altos e baixos no setor de agro e carnes
No setor de frigoríficos, as expectativas são de bons resultados nas operações americanas e resultados tímidos nas operações brasileiras. Dessa forma, Marfrig e JBS devem demonstrar um melhor desempenho, devido a sua alta exposição à economia doméstica americana, que passa por um período de alta demanda com a volta do food service.
As empresas estão sendo bem-sucedidas em repassar os preços dos insumos aos consumidores. Os piores segmentos devem ser o mercado de carne bovina no Brasil, que sofre por conta da demanda fraca com o alto desemprego e alta inflação do mercado doméstico, além do segmento de aves e suínos, que deve continuar a afetar significativamente o resultado da BRF, que deverá ser o mais fraco do setor.
Já em agronegócios, as expectativas também são de resultados positivos, com os altos preços dos grãos, como a soja e o milho, e da cana, além das altas cotações do dólar beneficiando os resultados das companhias do setor.
A expectativa de alta nos preços dos fertilizantes ainda não deverá demonstrar impactos nos resultados de curto prazo das empresas do segmento. Além disso, receitas extraordinárias com venda de terras agrícolas também devem auxiliar o resultado positivo das empresas do segmento.
Construção civil impactada pela inflação
Já no setor de construção civil, não esperamos resultados excepcionais, uma vez que a alta da inflação tem pressionado as margens de construção no segmento de baixa renda, enquanto os juros prejudicam as perspectivas do segmento de média/alta renda.
Com a perspectiva de pior cenário à frente para a construção civil, os lançamentos também devem vir abaixo do esperado. Na ponta otimista, acreditamos que as vendas devem vir em linha com as expectativas. No segmento de baixa renda especialmente, esperamos que a MRV, Direcional e Tenda tenham boas expansões de receita, uma vez que estão ganhando market share de concorrentes menores. A MRV também deverá apresentar um efeito positivo não recorrente das vendas da controlada AHS Residencial, nos EUA.
Estabilidade no setor bancário
O setor bancário deve reportar um balanço semelhante ao do 2T21, com crescimento da carteira de crédito sustentado pelo segmento PF e esforços para redução de despesas operacionais e administrativas.
Além disso, os dados do BC sugerem que a inadimplência se manteve em patamares muito saudáveis no 3T21, o que deve permitir que os bancos continuem apresentando despesas com provisões mais baixas, principalmente na comparação ano contra ano.
A sustentabilidade desse balanço para 2022, no entanto, não é tão promissora. O alto nível de endividamento das famílias e os consecutivos aumentos nos juros devem limitar tanto o crescimento da carteira de crédito do banco para o próximo ano como também “secar” os níveis de provisão atual.
Sinais positivos nos setores de saúde e educação
Outro setor que promete bons resultados no trimestre é o setor de saúde, principalmente para as redes hospitalares, que devem seguir com uma taxa de ocupação alta e retomada dos procedimentos eletivos, de maior rentabilidade. No caso das operadoras de saúde, apesar da retomada dos procedimentos eletivos impactar negativamente sua sinistralidade, devemos esperar melhora nesta linha na comparação QoQ, uma vez que o último trimestre foi marcado negativamente pelo efeito não-recorrente do aumento abrupto no número de internações de pacientes covid com a segunda onda da pandemia.
Também seguimos de olho no setor de educação, que pode surpreender positivamente principalmente no segmento presencial.
O motivo deste otimismo se dá pela divulgação recente dos dados de captação no semestre da Ser Educacional. Ainda que os números não tenham sido muito potentes no EAD, demonstram retomada da captação presencial, muito afetada durante a pandemia, o que nos deixa mais otimistas para 2022 em diante.
Ainda assim, é importante ficar de olho na qualidade do perfil de aluno entrante e qual o nível de descontos nas mensalidades as empresas abriram mão para potencializar a captação deste segmento.
Instabilidade no setor de locadoras de veículos
Por outro lado, o setor de locação de veículos, que apesar de ter sólidos fundamentos para o longo prazo, possui alguns desafios no curto/médio prazo.
A escassez de semicondutores vem prejudicando a produção de veículos por parte das montadoras, que por sua vez, acabam atrasando os prazos de entregas junto às locadoras.
Esse fenômeno tem impactado diretamente na renovação de frota das locadoras, cujo principal desafio hoje em dia é aproveitar os preços atrativos dos seminovos sem, entretanto, prejudicar a frota da operação de aluguel.
Soma-se a esse problema a alta da gasolina, que afeta negativamente os motoristas de aplicativos, clientes importantes das locadoras no segmento RAC.
O setor de infraestrutura
No setor elétrico, espera-se bons resultados das distribuidoras, que vêm mostrando recuperação em suas demandas face a diminuição das restrições da pandemia, o avanço da vacinação e o retorno das atividades, desta maneira, é possível criar expectativas para um sólido desempenho sobretudo daquelas que possuem alta exposição aos segmentos industrial e comercial.
Em contrapartida, devemos observar um trimestre duro para as geradoras, com o alto PLD e menor GSF impactando as suas margens. Quanto à transmissão de energia, observaremos mais um trimestre resiliente.
Em saneamento, os resultados serão mais comedidos em função de maiores custos com energia elétrica, e em Sanepar, que há alguns trimestre executa rodízios no fornecimento de água, em função da escassez do recurso hídrico.
Lembramos ainda que Sabesp e Sanepar possuem alto contingente de receitas atreladas ao segmento residencial, que embora seja o mais resiliente, possui tarifário mais modesto.
Questões externas interferem nos setores de mineração, petrolífero e celulose
Em mineração, é possível verificar um relatório de vendas e produção mais tímido por parte de Vale, que verificou menores vendas e avisou ao mercado que ajustará sua atuação ao longo dos próximos exercícios.
As restrições regulatórias e energéticas oriundas da China, bem como a forte queda do preço do minério de ferro ao longo do trimestre e a manutenção de uma pressão de custos (sobretudo na parte logística, incluindo o frete) devem, de alguma forma, tirar potência do resultado da principal mineradora do país. Acrescentamos ainda que tais efeitos serão sentidos também pelas siderúrgicas, que também trabalham com a atividade de mineração em menor escala.
Quanto à siderurgia, temos uma visão mais otimista. As quedas no custo do minério e o aumento de preços verificados na indústria devem dar fôlego ao segmento siderúrgico no 3T21.
No setor petrolífero, gostamos da dinâmica do upstream. Com os mecanismos de oferta e demanda globais desajustados, acreditamos que o momento de alta dos preços internacionais de petróleo possa se dilatar por mais algum tempo, o que é benéfico para Petrobras, que em seu relatório de vendas e produção, relatou uma produção de petróleo em linha com nossas expectativas. Tal dinâmica deverá suportar um bom trimestre para as companhias do setor.
Fazemos a ressalva, entretanto, que em Petrobras, a venda de preços nas refinarias com defasagem frente ao preço internacional pode reduzir as margens do segmento de refino, que voltou a verificar um nível de utilização na casa de 85% no 3T21. Já em Petrorio, falhas na bomba centrífuga submersa em dois poços do campo de Tubarão Martelo podem fazer a companhia também reportar de forma menos imponente.
Em papel e celulose, acreditamos que a forte queda dos preços da fibra curta na China possa impactar os balanços de Suzano. Esperamos, entretanto, que o dólar elevado ajude a compensar o momento operacional mais complicado da companhia. Em Klabin, há menor dependência da fibra curta no segmento celulose e a companhia deve observar sólido resultado em papéis e embalagens, uma vez que está conseguindo repassar preços aos seus clientes.
O câmbio impacta o setor aéreo
No setor aéreo, também esperamos maiores dificuldades em função do aumento do câmbio e de custos com combustíveis. A Gol, que diferentemente da Azul, ainda não retomou a oferta de assentos oferecida ao nível pré-pandemia, atualizou o mercado com expectativas mais defensivas para o trimestre.
Embora esperemos melhor demanda e por conseguinte, aumento na receita unitária por passageiro de ambas as companhias, acredito que o custo por assento, segundo os motivos supracitados, seguirá impedindo a convergência da rentabilidade do setor aos seus melhores dias e fazendo o mercado seguir observando os índices financeiros das companhias do setor no detalhe.
Motivos não faltam para acompanhar a temporada, que apesar da situação macro, promete.