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Pedro Serra: A “nova” capitalização da Eletrobras

10 jun 2021, 20:43 - atualizado em 10 jun 2021, 21:56
Eletrobras
Atualmente, a participação do governo na Eletrobras é superior a 60% e, com a proposta atual, cairia para menos de 50% (Imagem: REUTERS/Pilar Olivares)

A ideia de uma privatização ou capitalização da Eletrobras (ELET3) não é exatamente nova. A tentativa atual, terceira do governo Bolsonaro, muito se apoia no texto formulado ainda durante o governo Temer.

A proposta consiste na emissão secundária de ações, na qual a União não participaria, observando sua fatia na companhia ser diluída.

Nas duas primeiras tentativas, em janeiro de 2018 e em novembro de 2019, a intenção era apreciar as mudanças via Projeto de Lei, diferentemente dos planos atuais, que contemplam a capitalização da companhia via Medida Provisória 1.031/2021.

Atualmente, a participação do governo na Eletrobras é superior a 60% e, com a proposta atual, cairia para menos de 50%, transformando a companhia numa corporation, categoria que conta com uma estrutura hierarquizada, com acionistas, diretores e conselheiros, além de possuir identidade legal e tributária independente de seus donos ou gestores.

Com os recursos angariados no leilão e após o término dos estudos por parte do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), a Eletrobras pagaria anualmente ao tesouro valores a fim de descotizar gradualmente 14 de suas usinas que vendem energia a preços fixos há quase 10 anos, por conta da MP 579, além de renovar concessões, como a de Tucuruí.

Levando em conta os preços médios atuais de mercado, a descotização permitiria que a maior companhia elétrica do país mais do que dobrasse o preço de comercialização de um terço de seu portfólio energético.

Este segue disponibilizado ao mercado com preço baixo e comumente apresenta prejuízo, uma vez que seus custos de operacionalização são maiores que o da tarifa atribuída ao MW/h gerado.

O plano de capitalização da Eletrobras prevê ainda a criação de uma nova companhia estatal, que ficaria encarregada da gerência da EletroNuclear e de Itaipu Binacional.

A Medida Provisória também garante poderes de veto ao governo quanto à constituição de participação efetiva superior a 10% por parte de outros acionistas na estrutura societária da Eletrobrás capitalizada.

A empresa continuaria observando o governo como o seu acionista mais importante.

As mudanças na MP

Como abordamos acima, o texto atual é convergente com algumas ideias que, inclusive, já chegaram a ser debatidas na Comissão Especial da Câmara, em 2018. A MP atual prevê o financiamento do desenvolvimento de projetos circulares ao setor elétrico na Amazônia Legal e no Nordeste como, por exemplo, na região do Rio São Francisco e em Furnas.

Com a relatoria de Elmar Nascimento (DEM-BA), o texto aprovado na Câmara com ampla maioria dos deputados incluiu ainda a obrigação da contratação de 6 gigawatts oriundos de energia térmica a gás natural, sendo 5 gigawatts de térmicas nas regiões Norte e Centro-Oeste e 1 gigawatt de usinas no Nordeste.

Há também a prorrogação por mais de 20 anos de contratos do ProInfa (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica) e a contratação de 2 gigawatts em PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas), via leilões regulados.

As adições dividem opiniões, que se configuram desde a defesa do texto original da MP até sua caducidade. Grande parte da divergência é oriunda da contratação de PCHs e térmicas, que dialogaria com a necessidade de investimentos em gasodutos e estruturas que o país ainda não possui e que, cujo custo, seria arcado futuramente pelo contribuinte via tarifas.

O direcionamento dos recursos da CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) para a redução da conta apenas para o mercado cativo, criaria um peso tarifário não isonômico aos usuários do mercado livre, como industriais e grandes nomes do terceiro setor, outro ponto contraditório da proposta atual.

“Acreditamos ainda que o evento capitalização, por si só, não adiciona valor para a Eletrobras”, disseram (Imagem: Unsplash/Matthew Henry)

Impactos no setor

Além do tempo, corre contra a aprovação da proposta o cenário hídrico atual, cujos desdobramentos podem elevar o tom dos debates no Senado e contribuir para a transformação da proposta vigente.

As consultas públicas executadas no Senado mostram a disposição de alguns grupos econômicos, que incluem associações do setor elétrico, em propor modificações no texto.

Caso isso ocorra, o texto final teria que ser votado até 22 de junho na Câmara para que a medida provisória siga para a sanção presidencial em tempo. Acreditamos que a proposta possa ser alvo de adições pelo Senado, e o grau dessas mudanças medirá a possibilidade dela ser deferida em tempo hábil pela Câmara.

Por se tratar de um evento binário, a imposição de uma probabilidade de 50% da apreciação do texto não configura, por ora, condição suficiente para alterarmos nossa visão neutra perante o papel.

Acreditamos ainda que o evento capitalização, por si só, não adiciona valor para a Eletrobras.

O processo mais benéfico, sua descotização, viria acompanhado de pagamento de bônus e amarras, como a golden share, ação preferencial que garante à União o poder de veto em questões estratégicas e que impedem maior apreciação de suas ações.

Dada a relevância da apreciação do tema ao Executivo e a existência de diminuto tempo para o debate das suas alíneas, é possível que as adições a serem realizadas no Senado desconfigurem a proposta atual fazendo ser necessário a realização de novos cálculos para o conhecimento dos desdobramentos de sua aprovação.

“A expectativa, quanto à diminuição de participação do governo na estrutura societária da Eletrobras, deve diminuir o custo médio ponderado de capital da empresa”, apontam (Imagem: Agência Brasil)

Mesmo assim, capitalizar ainda é melhor

Temos o entendimento ainda que o processo de capitalização da Eletrobras é importante no que tange ao desenvolvimento do setor elétrico do país.

Este pode aumentar a capacidade de geração de valor agregado por parte da companhia, que embora tenha evoluído financeira e operacionalmente ao longo dos últimos cinco anos, está atrasada perante os pares do setor.

Dada sua relevância dentro da matriz de geração e transmissão nacional, torna-se imprescindível a evolução de seus padrões de operação para acompanhar o ritmo de crescimento que todos almejam que nosso país conquiste ao longo dos próximos anos.

A expectativa, quanto à diminuição de participação do governo na estrutura societária da Eletrobras, deve diminuir o custo médio ponderado de capital da empresa.

Fato que já vem sendo verificado ao longo das últimas semanas. O preço da ação na Bolsa já subiu mais de 18,5% só nos últimos 30 dias.

Acreditamos que ainda é preciso esperar as definições do Senado e a disposição da Câmara em apreciar tais possíveis mudanças.

Como toda boa novela, a capitalização da Eletrobras não deve se encerrar após o seu pressuposto capítulo final, o sim de senadores e congressistas.

O resultado do estudo do BNDES, fundamental para termos uma ciência mais simétrica do valor a ser angariado no follow on da companhia, só deverá ficar pronto às margens de 2022. Até lá, muita energia ainda será empregada no processo.

*Colaboração: Ilan Arbetman é analista do Research da Ativa Investimentos e atua no mercado financeiro desde 2013. É economista formado pela Universidade Federal Fluminense, tem MBA em Finanças pelo IBMEC e mestrado em Economia Empresarial e Finanças pela Fundação Getúlio Vargas. Possui as certificações CGA, CFP®️, CNPI-P e CEA.