Opinião

Pedro Cerize: Saúde física x financeira

05 jan 2019, 12:20 - atualizado em 05 jan 2019, 12:20

Por Pedro Cerize, da Newsletter Gritty Investor da Inversa

Ao longo dos anos, acompanho de perto a dinâmica diária dos movimentos da Bolsa. Sempre me causava espanto a quantidade de besteiras e teorias absolutamente infundadas sobre o que estava acontecendo no mercado de ações. Aquele era um tema que eu conhecia e podia avaliar.

Uma dúvida que sempre me assustava era: será que o que estou lendo sobre outros temas também contém tanta imprecisão? Isso só acentuou meu ceticismo sobre tudo o que eu leio e ouço dos supostos “especialistas”.

Quando comecei a correr, inicialmente procurei algumas assessorias esportivas em busca de orientação. Encontrei naqueles profissionais uma semelhança enorme com o tradicional corretor de ações. A maioria das pessoas considera o corretor uma pessoa capacitada a dar conselhos sobre como investir. Eu aprendi desde muito cedo, como corretor, que o papel do corretor é fazer o cliente operar, não ganhar dinheiro.

Decidi continuar treinando sozinho e comprei vários livros sobre treinamento para maratonas. De certa forma, fui um autodidata e meu próprio técnico nessa fase. Só mais tarde, já no triathlon, fui entender a verdadeira importância de um técnico.

Entre os autores principais sobre o tema, havia um médico sul-africano chamado Tim Noakes, que escreveu o que eu considero a obra mais completa sobre corrida: “The Lore of Running”.

Foi dele também uma teoria inédita sobre o que limita o desempenho humano: o cérebro. Através do que ele chamou de “governador central”, ele controla a capacidade fisiológica do esforço impedindo que o atleta se mate (literalmente) durante a atividade física.

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No seu livro “Waterlogged”, quebrou o mito criado pela indústria de isotônicos de que devemos nos hidratar abundantemente durante a corrida. Ele sempre se embasa em experimentos científicos controlados e observação prática de atletas vencedores. Até então, Dr. Noakes era respeitado na comunidade acadêmica mundial e uma referência em seu país.

Mas, por volta de 2010, Noakes começou a falar mais frequentemente sobre os benefícios de uma dieta LCHF (baixo carboidrato e alta gordura). Isso ia contra o que ele mesmo tinha prescrito nas suas recomendações para alimentação em sua obra mais famosa, “The Lore of Running”.

Ele passou a pregar que, mesmo sem evidências científicas, a comunidade médica aceitou uma relação de causalidade entre o colesterol e doenças cardiovasculares (CVD). Todos nós crescemos ouvindo que gordura é ruim. Que uma dieta saudável é uma dieta com pouquíssima gordura. E que essa gordura deve ser na maior parte de origem vegetal. Na esteira dessa teoria, toda indústria de alimento se ajustou, criando infinitos produtos “light”, “low fat”,etc. A indústria farmacêutica fez sua parte com a multibilionária linha de estatinas, especificamente desenvolvidas para reduzir o colesterol.

Apesar de essa verdade ter sido universalmente aceita, o que se observou foi um aumento exponencial da população obesa. Casos de diabetes tipo 2 dispararam e a mortalidade por CVD não diminuiu, apesar da ampla redução do tabagismo. Noakes atacou frontalmente o status quo médico e acadêmico.

A partir desse ponto, a relação começou a se deteriorar com a comunidade acadêmica. No entanto, milhares de seguidores, agora observando suas recomendações de alimentação, reportavam grandes melhoras na saúde, perda de peso e em alguns casos a reversão de diabetes tipo 2.

E uma dessas seguidoras um dia perguntou a ele pelo Twitter se haveria algum risco ao bebê caso ela amamentasse mantendo uma dieta LCHF. Ele respondeu que não via risco nenhum para a criança. Esse foi o estopim de um pedido, no órgão de regulação médica, de suspensão dos direitos de clinicar por conduta antiética ao colocar em risco a saúde de uma criança, ao indicar uma dieta sem confirmações científicas de eficiência ou segurança.

Dr. Noakes há muitos anos já não clinicava mais. Mesmo assim, fez desse processo uma grande discussão pública sobre o assunto.

Ao contrário do que diziam seus acusadores, todas as suas recomendações estavam baseadas em amplos estudos acadêmicos demonstrando não só a segurança, mas a eficiência da dieta que ele propunha.

Depois de alguns anos de batalha jurídica, Noakes prevaleceu. Provou aos seus julgadores que estava embasado cientificamente e que nunca colocou em risco a saúde de ninguém que seguiu seus conselhos. A história foi contada em um livro chamado “Lore of Nutrition”. Nesse livro ele conta a história de como tomou contato com essa nova linha de pensamento.

Foi lendo “The Art and Science of Low Carbohydrate Living”, dos médicos Jeff Volek e Stephen Phinney, que ele teve conhecimento das pesquisas de longa data já realizadas a respeito do tema. Mas foi justamente toda publicidade do caso que trouxe mais audiência para teorias que iam frontalmente contra o que se tinha como verdades absolutas.

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Depois de ler Phinney&Volek decidi fazer em mim mesmo o experimento. Antes de fazer a dieta, coletei exames de sangue que deveriam ficar negativamente influenciados se eu passasse a ingerir uma dieta primordialmente composta de gorduras. Não estou falando de gorduras ditas “saudáveis”. Estou falando de muito queijo, bacon e manteiga.

Com a prática esportiva, preciso ingerir de 3 a 4 mil calorias por dia para não perder peso. Desse total, 70 a 80 por cento vêm de gordura, nas mais diversas formas. A adaptação não é muito fácil, principalmente nas duas primeiras semanas, e a performance nos treinos cai muito nos primeiros meses. Mas o que é surpreendente é a ausência de fome.

No passado, com minha dieta muito focada em carboidratos saudáveis, eu estava sempre com fome. Qualquer diminuição de treinos era percebida imediatamente na balança. Durante treinos longos de pedal, tinha de usar gel ou bebidas energéticas para não quebrar no final. Atualmente pedalo de 3 a 4 horas somente com água. Perdi 4 quilos com facilidade e já estou no peso ideal de prova, mesmo estando longe do pico de volume de treinos. Tudo isso consumindo uma dieta que é quase que o oposto da sugerida para alguém na minha condição.

Depois de 3 meses repeti os exames. Resultado: caiu o colesterol ruim, aumentou dramaticamente o colesterol bom. Caíram a glicemia, a insulina e os marcadores inflamatórios (PCR). Mostrei meus exames à minha irmã, que é endocrinologista. Ela disse que nunca viu alguém com um nível de colesterol bom HDL (117) tão alto. Em tese, ou eu sou uma anomalia estatística, ou a teoria atualmente aceita está errada. O tempo dirá.

Não recomendo que você mude sua dieta hoje sem estudar bem como funciona a dieta cetogênica (LCHF). Ela não admite erros nem meio termo na conduta. Seja sempre cético e estude bem antes de fazer qualquer mudança relevante.

Se você sempre teve dinheiro na renda fixa, não mude tudo para renda variável sem se preparar. Acho que estudo precede sempre a ação. Estude antes de agir.

Se não podemos ter confiança cega nem numa atividade que deveria se guiar unicamente pela ciência (medicina), por que temos a tendência de acreditar que economistas ou analistas financeiros lidando com fenômenos muito menos previsíveis têm a capacidade de acertar o diagnóstico sobre o futuro?

Por isso, minha sugestão é que ao procurar conselhos financeiros você seja bastante cético. Isso se aplica inclusive aos meus conselhos. Há duas coisas sobre as quais não podemos nos descuidar: de nossa saúde física e da nossa saúde financeira.

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