Política

PEC dos Precatórios institucionaliza pedalada fiscal e pode afugentar investidor, diz Maílson

12 ago 2021, 10:24 - atualizado em 12 ago 2021, 10:24
Congresso
Encaminhada nesta semana ao Congresso, a PEC propõe dividir em dez parcelas o pagamento dos precatórios de mais de 66 milhões de reais (Imagem: REUTERS/Ueslei Marcelino)

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) encaminhada ao Congresso pelo governo para alterar as regras de pagamento dos precatórios fragiliza o arcabouço fiscal do país e corre ainda o risco de alimentar desconfianças entre investidores sobre a disposição do país de honrar seus compromissos, afirma o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega.

Para o economista, sócio da consultoria Tendências, as regras de parcelamento dos precatórios, com a previsão de que parte dos pagamentos seja feita fora da regra do teto de gastos e sem passar pelo Orçamento, institucionaliza a chamada “pedalada fiscal” prorrogação artificial de despesas obrigatórias.

“É surreal. Isso é, na linguagem dos anos recentes, pedalada, é esconder uma despesa do conhecimento público”, diz Maílson.

“É bom lembrar que (a ex-presidente) Dilma Rousseff perdeu o mandato por uma pedalada fiscal. Agora o governo Bolsonaro propõe a pedalada fiscal formal, vai constar na Constituição.”

Ele ressalta também que a equipe econômica comete um equívoco grave ao tratar os precatórios como um compromisso de “segunda categoria”, propondo unilateralmente a prorrogação dos pagamentos dessas obrigações, que são requisições de pagamentos expedidas pela Justiça após o governo ser derrotado em processos judiciais.

“Na verdade ela tem uma categoria exatamente igual à da dívida pública, é um crédito líquido e certo, reconhecido por sentença judicial”, diz Maílson.

“Dirá o investidor estrangeiro, por exemplo, ‘se eles dizem que não pagam o valor integral dos precatórios, será que daqui a pouco eles vão fazer isso com a NTN de 30 anos? Porque o ministro é o mesmo'”, acrescenta, em referência ao ministro da Economia, Paulo Guedes.

Encaminhada nesta semana ao Congresso, a PEC propõe dividir em dez parcelas o pagamento dos precatórios de mais de 66 milhões de reais.

O texto também impõe uma limitação provisória dos pagamentos anuais de precatórios a 2,6% da receita corrente líquida, o que também sujeitará precatórios entre 66 mil reais e 66 milhões de reais a eventual parcelamento.

A PEC cria, ainda, um fundo alimentado por receitas de dividendos, concessões e outros ativos, que seriam direcionadas ao pagamento de dívida pública e à “antecipação” de parcelas dos precatórios parcelados. Esses recursos não seriam contabilizados no Orçamento nem entrariam na regra do teto de gastos, que limita o crescimento global das despesas à variação da inflação.

Com as medidas, o governo ganha espaço fiscal para realizar outras despesas, incluindo o reajuste no programa Bolsa Família rebatizado de Auxílio Brasil já anunciado pelo presidente Jair Bolsonaro.

Maílson afirma que, se no ano passado o mercado reagiu bem à exclusão do teto de gastos de despesas relacionadas ao enfrentamento da pandemia, isso pode ser diferente desta vez. “Agora o calote está sendo dado para viabilizar a eleição do Bolsonaro”, diz.

O ex-ministro também critica a “ausência total de transparência” em se ter receitas e gastos públicos transitando por fora do Orçamento, e portanto à margem do escrutínio da sociedade e do Congresso, destacando que isso viola o princípio da legitimidade do Orçamento.

“Tenho esperança que o Congresso rejeite essa PEC. Se não, é muito provável que caia no Judiciário”, resume Maílson, lembrando que o Supremo Tribunal Federal já derrubou outras iniciativas de alteração nas regras dos pagamentos dos precatórios.

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Ruptura

Por trás do imbróglio dos precatórios, cujo crescimento, ainda que previsível, de fato contribui para comprimir o espaço para outras despesas relevantes, está a dificuldade de o governo equacionar seu Orçamento sob as regras do teto de gastos, diz Maílson.

Ele destaca que a regra, introduzida em 2017 para valer por um período de 20 anos, tornou o Orçamento do país, que já era rígido, ainda mais inflexível.

Com o crescimento constante das despesas públicas obrigatórias, como com benefícios previdenciários, a margem para outros gastos, incluindo investimentos, fica menor a cada ano.

“Falta propor um debate sério sobre essa situação porque nós estamos caminhando para um impasse que vai redundar na ruptura do teto, com todas as consequências que isso acarreta, e pode ser uma ruptura de forma caótica e muito grave para o país”, diz o economista.