Paulo Gala: O trauma de 2015 e 2016 no Brasil
Paulo Gala é economista e diretor geral da Fator Administração de Recursos
O Brasil passou por grande trauma entre 2015 e 2016 com queda do PIB acumulada em mais de 8%, talvez a nossa pior crise dos últimos 50 anos. Muitas são as explicações para tamanho tombo; a melhor delas para mim tem o seguinte enredo.O país passou por forte expansão de crédito e alavancagem entre 2003 e 2013. O consumo, salários e preços se expandiram muito. A economia chegou no pleno emprego, o déficit em conta corrente bateu 4% do PIB com a moeda brasileira valendo bem mais do que deveria valer. As políticas fiscal e monetária seguiam expansionistas desde 2009.
Na tentativa de prolongar um ciclo de expansão de crédito e consumo já insustentável o governo Dilma desonerou bens de consumo e represou preços públicos para tentar manter na inflação na meta, não funcionou. O país não voltou a crescer e a inflação ficou no teto da meta. Após a reeleição a equipe econômica aplicou um cavalo de pau no país, soltando preços públicos de maneira abrupta, contraindo gastos públicos e levando a selic de 7,25%, ainda antes da eleição, a 14,25%.
O golpe monetário numa economia que vinha de um ciclo de aumento de endividamento de mais de 10 anos foi fatal para empresas e consumidores. A explosão dos preços administrados, aliada a uma explosão de incerteza e grande desvalorização cambia levaram o IPCA a 10%. O derretimento do preço internacional das commodities em 2015 agravou esse movimento. A implosão da arrecadação tributária somada à rigidez de gastos trouxe enorme déficit público primário, que aliás já começava a dar sinais de vida ainda em 2014 com a política de desoneração tributária. O caos político de 2015 e 2016 só agravou uma situação que já estava para lá de dramática. O Brasil perdeu o grau de investimento, os ativos derreteram e o resto é história.
Essa breve explicação do trauma nos acometeu é importante para entender o que ocorre hoje é o que virá nos próximos anos. Ainda em 2016 o trauma começou a ser revertido, ainda que de maneira lenta. Os quatros indicadores chave desse momento dramático foram inflação a 10%, câmbio a R$ 4, déficit primário acima de R$ 150 bilhões e PIB caindo 4%. O que tem ocorrido desde então?
A exata reversão desse movimento traumático. A inflação cedeu por conta de enorme recessão e desemprego, auxiliada pela apreciação cambial que surgiu com a sobre de dólares e lenta recuperação do país. Só em importações passamos a “economizar” US$ 100 bilhões por ano graças a atividade deprimida. A atividade econômica começou a se recuperar no início de 2017 com a retomada da confiança de consumidores e empresários. A arrecadação começou a dar sinais de melhora junto com a atividade e a política fiscal contracionista do governo temer contribuiu para uma melhor perspectiva de contas públicas mesmo sem reforma da previdência.
O banco central derrubou a Selic, ainda que de maneira lenta, de 14,25% a 7%; a inflação despencou por conta da recessão, apreciação cambial e queda de preços de alimentos. Em 2018 temos chance de crescer 3%, com inflação abaixo 4% e câmbio comportado na casa dos 3,20. A contas públicas seguirão melhorando graças principalmente ao aumento da atividade.
Nosso CDS acompanhou toda essa trajetória saindo de 150 em 2013 para bater 500 em 2015 e agora voltar abaixo dos 150. A bolsa caiu a 39.000 quando o câmbio foi a R$4,25 e os juros longos bateram 17%. As NTNBs longas foram a juros reais de 8%. Desde o pico do stress com a perda do grau de investimento em 2015 o rally tem sido intenso. Bolsa voltou às máximas, juros nominais e reais se aproximando das mínimas. O câmbio chegou a flertar com R$3,00. O Brasil volta aos poucos ao normal, o trauma passou.
Quando todo o processo tiver finalmente se desenrolado nossos preços de ativos estarão ainda maiores e recuperaremos o grau de investimento. A reforma da previdência necessária pode adiantar ou atrasar esse processo, mas vira em alguma forma de qualquer maneira. Essa recuperação cíclica é o que é. Não resolve nossos problemas de pobreza produtiva estrutural e desindustrialização. Para nos desenvolvermos de fato precisamos de muito mais do que controlar as contas públicas. A boa notícia é pelo menos estamos já próximos de uma normalidade, ainda que medíocre.