Paulo Gala: Economia 101 – os equívocos da teoria neoclássica
Sempre gostei da teoria neoclássica como uma primeira aproximação para se entender o funcionamento de uma economia. O problema é que para realmente compreender o mundo como é precisamos de teorias muito mais potentes e sofisticadas. Deixo aqui 6 exemplos do que estou falando.
O primeiro é a economia de coelhos (de trigo ou de peixes). Se você poupa mais coelhos ao invés de comê-los eles se reproduzirão e você terá mais coelhos no futuro. Na economia real máquinas e fábricas não são coelhos. Quando as pessoas poupam os recursos não gastos vão parar no banco. Se ninguém tomar emprestado esses recursos para construir máquinas e fábricas não haverá investimentos. O aumento de poupança não reduz a taxa de juros, que é o preço da liquidez. Keynes mostrou tudo isso com clareza lá em 1936!
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O segundo exemplo que gosto é da teoria das vantagens comparativas. Basta se especializar no que vc é bom (em Termos absolutos ou relativos) e os “ganhos de comércio” trarão benefícios enormes! Se vc é bom em lavar louça coloque foco nisso. Não tente fazer outras coisas! SQN! Krugman e os economistas estruturalistas mostraram que se especializar em atividades com retornos crescentes de escala faz toda diferença. A abertura comercial não vai integrar automaticamente e beneficamente nossa economia nas “cadeias globais de valor” trazendo bem estar ao país.
Terceiro exemplo: tratar economia internacional em termos de poupanças: Alemanha, China e Japão “poupam muito” e por isso tem superavit em conta corrente! Errado! Esses superávits decorrem de uma estrutura produtiva altamente complexa e sofisticada que abastece o mundo inteiro de bens manufaturados e gera enormes lucros (“=poupança”)! De novo aqui os economistas estruturalistas mostram milhares de evidências empíricas.
O quarto exemplo tem a ver com características idiossincráticas de determinados setores. A industria, por exemplo, é um setor especial, por que? A resposta é simples: a atividade industrial tem mais espaço para inovação, automação e economias de escala e escopo. Mais do que os serviços pessoais e a agricultura. Os serviços sofisticados ou empresariais também apresentam mais oportunidades de escala e inovações tecnológicas.
Os ganhos relevantes de produtividade de uma economia vem desses dois setores: indústria + serviços empresariais. Não é uma questão de ser contra ou a favor da indústria. Trata-se de uma “lei econômica” como muito bem identificou Adam Smith em 1776. Atividades com maior divisão do trabalho apresentam maior possibilidade de economias de escala e de aumentos de produtividade. É uma propriedade física do processo produtivo. Podemos gostar ou não da lei da gravidade, mas que ela existe, existe. Ninguém vai se jogar de um prédio por não gostar da lei da gravidade!
Para ser justo aqui vale destacar aqui que alguns economistas neoclassicos notaveis trataram com rigor essa questao dos efeitos dos retornos crescentes na economia: Stigler, Lionel Robbins, Armen Alchian, Paul Romer, por exemplo.
Quinto exemplo: educação. Se um país investe em educação empresas sofisticadas vão brotar, o capital humano vai aumentar e a renda vai subir! Não! Sem indústria, sem setor produtivo bom não adianta nada investir em educação: o resultado imediato será perda de cérebros para o exterior (brain drain) ou super qualificação para tarefas não produtivas e precárias (motoristas de uber). A educação sozinha não dá nada!
Sexto exemplo: impressão de moeda gera inflação. Basta olhar o Japão desde 1990. Eua, Europa, Reino Unido, Suíça, entre outros desde 2008: bases monetárias explodindo e nada de inflação. Tudo empoçado em liquidez em caixa de empresas, bancos, etc! Nunca se imprimiu tanto dinheiro nos EUA, a inflação por lá está no nível mais baixo de décadas; aliás grande preocupação do FED. Acreditar que impressão monetária gera necessariamente inflação significa ignorar os canais de crédito, confiança, demanda por liquidez e demanda por ativos. No caso americano a liquidez criada está levando a bolhas de ativos ou entesouramento de liquidez; ou seja, pouca ativação do sistema econômico.