Paulo Gala: Doses de juros do Fed em conta gotas?
Paulo Gala é doutor em economia pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-EESP) e economista da Fator Administração de Recursos.
Os empregos gerados nos EUA nos últimos anos têm se concentrado em serviços de baixa sofisticação e baixa produtividade, além do boom de gás e petróleo de xisto que chegou ao fim. O pouco de investimento que se observou estava ligado ao setor de energia e a alguma retomada do mercado imobiliário. De um modo geral a recuperação dos EUA tem sido modesta, com quedas na taxa de desemprego graças ao abandono das pessoas da forca de trabalho, mas ainda assim uma recuperação quando comparada ao que ocorre no Japão e Europa.
Os banqueiros centrais sabem que correm grandes riscos com a política de injeção maciça de liquidez e juros muito baixos que tentam criar credito mas acabam criando bolhas. Na Europa e Japão os dilemas não são tão grandes, pois a economia anda devagar e a balança de riscos entre bolhas e desaceleração ainda pende para o lado do medo da recessão. Nos EUA, onde a recuperação caminhou mais, a balança parece estar levemente inclinada para o risco de bolha. Ou seja, na visão do FED, a recuperação existe, não é tão sólida quanto se gostaria, mas pelo menos o desemprego caiu.
O debate sobre a política monetária norte-americana tem sido intenso, não só pelos impactos potenciais das decisões do FED sobre os ativos globais, mas também pela eficácia das ferramentas de política monetárias utilizadas pela instituição para cumprir seu duplo mandato – estabilidade dos preços em um ambiente de pleno emprego.
Alguns diretores do FED defendem a ideia de que a queda da produtividade das economias desenvolvidas pós década de 90, somada a queda da propensão ao consumo das famílias e baixa disposição a investimentos das empresas trouxeram um novo padrão de crescimento (enunciado por L. Summers como o “new normal”), que se traduz em taxas de juros baixas por um período prolongado. Num simpósio de Jackson Hole, um dos mais influentes encontros de bancos centrais do mundo, a presidente do FED, Janet Yellen, trouxe em seu discurso elementos importantes para justificar os passos do FED e fornecer alguma indicação para o futuro.
Fatores de Curto-Prazo: há sólido crescimento dos gastos das famílias e fortalecimento do mercado de trabalho que poderão contribuir para que a inflação se desloque para os 2% (meta do FED). Os investimentos, porém, estão fracos, também em resposta a forte apreciação da moeda norte-americana, o que acaba impactando na queda da produtividade do país. Por outro lado, o baixo preço do petróleo e importações são importantes fontes deflacionárias. Diante desta dicotomia, as próximas atuações do FED dependerão da evolução dos dados.
Fatores de Longo-Prazo: nesta questão, Yellen explicita a noção de que há expressiva queda da taxa neutra de juros norte-americana, fato que sugere que suas teses estão mais próximas daquelas defendidas por diretores como James Bullard do FED st Louis ou John Williams do FED de San Francisco. Ou seja, ainda que os dados de curto-prazo possam indicar um novo aumento de juros por lá, este deve ocorrer de maneira bastante gradual e, ainda, chegando a um patamar de equilíbrio menor do que os patamares observados no pré-crise.
O objetivo do FED parece ser uma alta “lenta, gradual e segura” da taxa de juros, se é que isso é possível, ate os 2% nominais considerados por Yellen, Bullard e J. Williams como o juro neutro hoje para os EUA. Será uma tentativa de temperar os ânimos financeiros nos ativos de risco, sem estragar a modesta recuperação da economia americana. Se tudo correr bem, as bolsas se acalmam e param de subir, o mesmo valendo para os títulos de alto e baixo risco. Se correr mal pode surgir a grande correção que muitos esperam ha anos.
Sob a ótica da economia real, dinâmica de preços e salários e o comportamento do mercado imobiliário não haveria necessidade de subida de juros imediatamente. Ocorre que se o motivo da alta de juros for mais a “estabilidade financeira”, os movimentos de juros do FED ficam mais sujeitos a avaliações do comitê do FOMC sobre esse tema do que as condições econômicas correntes propriamente ditas. Dessa tensão no FED entre frear ou não o ímpeto financeiro dependerá a trajetória dos ativos de risco: 0,25 ponto por ano até chegar aos 2%?