Paul Malicki: Maior parte dos entregadores está desprotegida pelas seguradoras
Conversei com Felipe Cunha, cofundador da insurtech TôGarantido, focada em trabalhadores de “gig economy” — forma de trabalho baseada em empregos temporários ou atividades freelancer. Antes de fundar a TôGarantido, Felipe desempenhou diversas funções no mercado de capitais e na administração pública.
PM: Você foi um dos pioneiros das insurtechs no Brasil. O que mudou no mercado de seguros desde 2015, quando a TôGarantido foi fundada? O setor ainda tem potencial de crescimento?
FC: O setor evoluiu a passos largos nos últimos sete anos. Na verdade, quando fundamos a empresa, ninguém usava o termo “insurtech”. O mercado era dominado por grandes seguradoras, muitas vezes despreparadas para vender online. Seus sistemas legados não tinham APIs abertas e as integrações praticamente não existiam.
Desde então, observamos muitos avanços significativos em termos de marcos legais. O ano de 2020 foi particularmente impactante graças à implantação do Sandbox pela Superintendência de Seguros Privados (sandbox, ou “caixa de areia” em inglês, é um ambiente experimental constituído com condições especiais, permitindo as empresas atuarem, por até três anos, com menor custo regulatório e menos barreiras para inovar – autor). Isso permitiu que as startups abrissem seguradoras em um ambiente controlado e oferecessem seus próprios produtos. A pandemia então acelerou a digitalização e mudou completamente o mercado.
A implementação da regulação que permite uma segmentação enquanto à necessidade de capital regulatório, também permitiu uma maior inovação com a entrada de players mais inovadores no setor de seguros. As empresas podem atuar de acordo com os riscos presentes e os tipos de apólices de seguro que podem ser comercializadas. Antes, a barreira de entrada era muito alta, de R$ 15 milhões. Agora, startups com capital de até R$ 1 milhão podem iniciar suas operações e comprovar seu modelo de negócios.
PM: Hoje você trabalha principalmente com clientes do setor de entregas, mas essa não era exatamente a sua ideia inicial, correto?
FC: Venho do mercado de seguros; a minha família sempre atuou nele. Foi fácil perceber que as empresas que mais distribuíram planos de seguro de massa foram os conglomerados de telecomunicações e empresas de energia, oferecendo seguro em cima de seus produtos existentes. Inicialmente queria digitalizar o setor e garantir uma distribuição mais ampla de produtos de seguros com melhor preço para consumidores de média e baixa renda.
Atacamos um mercado consumidor, ou B2C, o que nos fez gastar muito em termos de recursos de marketing na época em que a inclusão digital ainda era muito baixa. Não havia confiança para comprar um produto tão sério online por parte dos consumidores.
Foi assim que transformamos nosso modelo de negócios no que é hoje. Construímos parcerias estreitas com grandes marketplaces e plataformas digitais e oferecemos nosso produto através deles (os chamados B2B2C – business-to-business-to-consumer). Atualmente, nosso foco é o segmento de delivery, com um processo 100% online e automatizado. Os trabalhadores da gig economy podem comprar seguro para sua moto, smartphone ou fazer um seguro contra acidentes pessoais. A taxa de conversão aumentou muito!
O próximo passo é replicar o modelo de bancassurance (parceria entre um banco e uma seguradora) digital. Estamos prestes a anunciar a primeira grande parceria neste segmento, utilizando a mesma tecnologia.
PM: Existe algo que você poderia aprender trabalhando em estreita colaboração com grandes marketplaces digitais? Alguma troca de know-how?
FC: Sim, definitivamente. Para começar, podemos nos beneficiar de um maior engajamento que nossos parceiros possuem dentro das suas próprias bases de clientes. Isso abre as portas para mais dados e mais aprendizados em termos de comunicação. Como somos empresas de tecnologia, falamos a mesma língua, então há uma forte troca de know-how dentro dessa área funcional.
Com mais dados, podemos avaliar melhor os riscos de seguro, oferecendo planos de seguro mais acessíveis. Refiro-me a fatores sociodemográficos, além de sinistralidade, que por si constitui o único foco das seguradoras tradicionais.
PM: Qual é a porcentagem média de entregadores que não possuem plano de seguro?
FC: Eu estimo que mais de 50% dos entregadores não possuem nem seguro de vida, nem seguro de moto. Internamente, cerca de 85% da base de usuários da TôGarantido contrata um seguro pela primeira vez. Esse ano, o mercado de seguros no Brasil já faturou R$ 393 bilhões, mas o potencial é muito maior.
PM: Quão grande? Quais são as diferenças entre Brasil e mercados, como os EUA ou a Europa?
FC: O mercado brasileiro é altamente sub-penetrado em comparação com as economias desenvolvidas. O setor de seguros corresponde a mais de 4% do PIB em comparação com 7-8% na Europa e até 11-12% nos EUA e Canadá. A média global é de cerca de 7,2%. O mercado americano é 3x maior que o Brasil e há uma forte cultura de compra de seguros. Agora precisamos estabelecê-la em nível local.
PM: As insurtechs vão substituir as seguradoras tradicionais?
FC: Isso é improvável. Um produto mais complexo, como a previdência, sempre atrairá clientes para seguradoras tradicionais. Outros podem ser facilmente comprados online.
Há clientes que gostam de digital e inovação. Eles preferem comprar online e não frequentam canais tradicionais de compra de seguro. Assim, enxergo muitas parcerias complementares, já que uma startup pode agregar vários produtos de seguro. O espaço para crescimento é significativo, especialmente para a bancassurance digital.
PM: Isso significa que o modelo do futuro é um marketplace?
FC: Não necessariamente. Apostamos muito mais num modelo de “insurance as a service”, no qual nos apoiamos na distribuição digital de grandes plataformas. Atualmente, o mercado de seguros é altamente comoditizado. Se você colocar vários players oferecendo exatamente o mesmo produto, você acaba criando uma confusão na cabeça do usuário, sem oferecer grandes vantagens competitivas. Isso dificulta a criação de um produto mais completo que ofereça mais do que apenas um preço. O modelo futuro é baseado em parcerias estratégicas, uma de cada segmento. Quanto mais completa e customizada for a oferta que uma plataforma digital puder oferecer, menores serão os custos para o usuário final.
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