Parecer do MPF aponta ilegalidade em prazo extra à produção de carros mais poluentes
A decisão do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) de conceder mais três meses para as montadoras finalizarem carros cuja produção não seria mais aceita com a entrada em vigor, neste ano, dos novos limites de poluição veicular foi considerada ilegal por procuradores que acompanham processos ligados à qualidade do ar no Ministério Público Federal (MPF).
Publicada em 30 de dezembro, a instrução normativa do Ibama abriu exceção a carros que estavam em linha de produção, mas que, em função da falta de peças na indústria, não tiveram montagem concluída até o último dia de 2021, prazo final previsto originalmente pelo Proconve, o programa que visa reduzir a poluição lançada à atmosfera pelos automóveis.
Com a autorização, as montadoras agora podem terminar de produzir esses automóveis até 31 de março, sendo que a venda deles está liberada até o fim de junho – antes, o prazo de comercialização do chamado “estoque de passagem” terminava no último dia do mês que vem.
Para procuradores que fazem parte da câmara de meio ambiente do MPF, o presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, invadiu, em decisão considerada arbitrária, a competência do Conama, o conselho responsável por deliberar sobre padrões e normas relativos ao controle das emissões de poluentes, incluindo seus prazos.
Além disso, o presidente da autarquia, no entendimento dos procuradores, teria incorrido em desvio de finalidade por promover, na prática, uma alteração do calendário do Proconve ao invés de se limitar a editar medidas complementares e executar o programa.
Eles observam que o Ibama não pode afrouxar regras que já foram objeto de deliberação pelo Conama, um colegiado composto por representantes tanto dos setores público e privado quanto de organizações ambientalistas.
Assinada pelos procuradores regionais da República José Leonidas Bellem de Lima, coordenador do grupo de trabalho de qualidade do ar, e Fátima Aparecida de Souza Borghi, representante do MPF no Conama, a representação foi encaminhada à primeira instância do Ministério Público em São Paulo, que tem competência para tomar eventuais medidas judiciais e extrajudiciais contra a flexibilização de prazos do Proconve.
Na manifestação, os procuradores defendem que o MPF peça na Justiça a anulação do ato administrativo do Ibama.
Além das considerações de que a autarquia extrapolou em suas competências, eles apontam erros técnicos da medida, que, conforme observam os procuradores, não poderia ser editada por meio de instrução normativa, como aconteceu, mas sim por portaria, dado o principio de hierarquia das normas.
Na manifestação, os procuradores fazem ainda críticas às montadoras ao considerarem que a escassez de componentes eletrônicos, maior gargalo de produção da indústria automotiva, não pode ser considerada um obstáculo intransponível ao cumprimento dos prazos do Proconve.
Isso porque, entendem os procuradores, a irregularidade no abastecimento de peças se arrastava desde o primeiro semestre do ano passado, de modo que os fabricantes tiveram tempo suficiente para ajustar o fluxo de produção para não chegarem ao dia 31 de dezembro com grande quantidade de veículos inacabados.
Além disso, acrescentam os representantes do MPF, as montadoras poderiam antecipar o fim da produção dos carros da etapa anterior do Proconve, chamada de L6. “Tivessem elas agido precavidamente, antecipando em apenas alguns meses as providências necessárias, não teriam ficado sujeitas à data-limite para a fabricação de veículos L6”, asseveram os procuradores.
Segundo número divulgado pela Anfavea, a entidade que representa as montadoras, cerca de 20 mil carros ficaram para ser concluídos fora do prazo original. Procurada pelo Broadcast, sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado, a Anfavea disse que, por enquanto, não vai se manifestar sobre o documento do MPF.
O Ibama não deu retorno aos contatos da reportagem.
“É inconteste que a venda adicional de veículos da fase antiga do Proconve trará significativo aumento da poluição do ar ocasionada pela circulação desses automóveis pelo prazo em que eles circularem em nossas vias”, escreveram os procuradores, que cobram a responsabilização dos responsáveis pelo “acréscimo de deterioração ambiental”, dentre os quais o Ibama, a União, já que o ministério da Economia se posicionou favoravelmente ao adiamento dos prazos em ofício encaminhado à autarquia ambiental, e as fabricantes de veículos.