Opinião

Para que servem as reservas internacionais?

13 nov 2018, 14:05 - atualizado em 13 nov 2018, 14:05

Por João Ricardo Costa Filho, Professor do Ibmec-SP, do Mestrado Profissional da EESP-FGV e da FAAP

Após a conturbada eleição deste ano, as preocupações se voltam para a composição do governo e, com ela, os possíveis direcionamentos da política pública e econômica. Com a expectativa de uma inflação ao redor da meta e contas externas próximas ao equilíbrio combinando com uma alta taxa de desemprego e um baixo nível de crescimento econômico, as escolhas de política econômica estão longe de serem fáceis, especialmente porque têm que lidar com o imbróglio fiscal que se faz urgente. Em meio à correria da montagem da nova equipe, um assunto tem sido debatido: o que fazer com as reservas internacionais. Para lidar com isso, vamos dar um passo atrás: para que elas servem?

Alguns aspectos da economia monetária internacional e da dinâmica doméstica de cada economia estão diretamente relacionados ao papel das reservas internacionais. O resultado do estudo que combinou o esforço de 32 economistas e foi editado por Machlup e Malkiel em 1964 consolidou o entendimento, sumarizando-o em três funções básicas: ajuste, liquidez e confiança. A importância relativa de cada uma dessas funções varia em função da arquitetura financeira de cada país.

Por ajuste entende-se a dinâmica de acomodação do balanço de pagamentos. A persistência de desequilíbrios internacionais de um país pode suscitar a utilização das reservas internacionais para acomodação de choques. Se o país incorrer em um superávit no Balanço de Pagamentos, espera-se que as reservas internacionais aumentem, ao passo que se o Balanço de Pagamentos for deficitário, as reservas devem diminuir. Por exemplo, se um país, por algum motivo, tiver uma saída de capital, as reservas internacionais podem ser acionadas para compensar o novo déficit no balanço de pagamentos, tudo mais constante. O regime cambial tem influência direta nessa dinâmica. A função de ajuste sob um regime de câmbio flutuante é muito menor do que a de um país sob um regime de câmbio fixo.

O papel relacionado à confiança ocorre no âmbito da participação do governo no mercado de câmbio. Quanto maior o volume de divisas, maior a capacidade de atuação do governo. Embora não seja claro que o Banco Central possa causar uma reversão da tendência da taxa de câmbio (a evidência aponta na direção contrária), parece factível que ele seja capaz de suavizar o movimento, reduzindo a volatilidade. No caso extremo, os países que operam sob um regime de câmbio fixo têm o governo atuando diretamente para estabelecer o nível pré-determinado da taxa de câmbio. Assim, as reservas internacionais constituem um instrumento importante para manutenção do regime.

Além de instrumento de intervenção, as reservas internacionais também possuem um caráter sinalizador importante (relacionado, inclusive, com o terceiro pilar, o da liquidez). Ataques especulativos dificilmente acontecem aos países que possuem um montante significativo de reservas, ao passo que um baixo nível desse escasso recurso pode precipitar o ataque.

É sempre bom lembrar que a falta de um emprestador de última estância, no que tange as moedas internacionais, gera a possibilidade de crises cambiais, sem que o país tenha necessariamente deterioração dos fundamentos. Esse caráter autorrealizável das crises cambiais pede cautela. O seguro é caro, mas, no melhor cenário, gostamos mesmo é de não o utilizar.

Naturalmente, a literatura evoluiu para entender outros aspectos, como o nível ótimo e a sua composição (afinal, as reservas podem ser armazenadas em diferentes tipos de moedas internacionais). Diversas metodologias tentam capturar a necessidade de moeda estrangeira de uma economia e, quando elas são aplicadas aos dados da economia brasileira, frequentemente conclui-se que temos mais reservas do que o nível ótimo. Será?

De qualquer forma, mesmo que concluamos que há espaço para diminuição das reservas, faz-se importante prepararmos o caminho. Sem uma importante alteração na dinâmica fiscal, sem a remoção de barreiras comerciais (tarifárias e, especialmente, não-tarifárias), dentre outras empreitadas, podemos ficar reféns de ataques cambiais, mesmo com um regime flexível da taxa de câmbio. Recentemente, a Argentina nos mostrou que isso é uma possibilidade.