Países famintos de olho em pote de ouro de serviços digitais
Quando a Indonésia buscava novas maneiras de financiar gastos do governo para aliviar o impacto do coronavírus no mês passado, o quarto país mais populoso do mundo teve como alvo um motor da economia que ainda funcionava: a Internet.
“Decidimos tributar empresas digitais com um imposto sobre transações eletrônicas, porque suas vendas aumentaram em meio ao surto de Covid-19”, disse a ministra das Finanças, Sri Mulyani Indrawati, em conferência de imprensa. Citando serviços como Zoom e Netflix, ela disse que “suas atividades econômicas são enormes”.
E quem poderia culpá-la. Autoridades fiscais globais preocupadas com déficits orçamentários buscam qualquer forma de comércio e consumo que possam tributar. Cobiçada muito antes da pandemia, a receita digital se torna um alvo ainda mais provável.
Mas não será tão simples. Tais medidas podem provocar uma reação do presidente dos EUA, Donald Trump, porque muitos dos serviços mais populares de comércio eletrônico – como redes sociais, streaming de vídeo e varejo on-line – são oferecidos por empresas americanas, e ele quer esses novos impostos para ajudar as contas do próprio país.
Enquanto a pandemia afeta em cheios setores tradicionais, as medidas de confinamento têm beneficiado empresas como Facebook, Apple, Amazon, Amazon.com, Netflix, Alphabet e Microsoft. Juntas, essas empresas geraram cerca de US$ 234 bilhões em receita no primeiro trimestre, aumento de 14% em relação ao ano anterior.
Segundo relatório divulgado na semana passada pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, as vendas globais de comércio eletrônico totalizaram quase US$ 26 trilhões em 2018, o equivalente a aproximadamente 30% do PIB global.
Esses ganhos tendem a chamar a atenção de autoridades preocupadas com o rombo das contas públicas.
“Existem muitas pressões financeiras por causa dos resgates”, disse Stuart Harbinson, ex-funcionário sênior da Organização Mundial do Comércio e consultor sênior em comércio internacional da agência de comunicações Hume Brophy, com sede em Bruxelas. “Precisam de receita.”
Iniciativa europeia
Seis países da Europa – Áustria, França, Hungria, Itália, Turquia e Reino Unido – já anunciaram planos para um imposto sobre serviços digitais e pelo menos seis outros – República Tcheca, Eslováquia, Espanha, Letônia, Noruega e Eslovênia – discutiram sua implementação.
“Os gigantes digitais serão os principais beneficiários desta crise, portanto, tributá-los nunca foi tão necessário”, disse o ministro das Finanças da França, Bruno Le Maire, em entrevista à Bloomberg.
A crise de saúde chegou em um momento já delicado, com um projeto global em andamento para desenvolver um acordo para um imposto digital multilateral sob a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, com sede em Paris.
Embora os negociadores da OCDE tenham prometido firmar um acordo abrangente neste ano, alguns grupos empresariais, como o Conselho Americano para Negócios Internacionais, pediram uma pausa das negociações durante a pandemia.
Os grupos citam limitações de viagens e outras restrições como principais obstáculos para forjar um acordo em 2020, algo que até mesmo autoridades da OCDE reconhecem.
“É extremamente difícil negociar sem conhecer as pessoas fisicamente”, disse Pascal Saint-Amans, diretor do Centro de Política e Administração Tributária da OCDE.