Economia

País vive bifurcação entre teto e desarranjo, diz Vescovi

26 ago 2020, 19:15 - atualizado em 26 ago 2020, 19:15
A ex-secretária do Tesouro afirma, em entrevista, que o teto de gastos, mecanismo que ajudou a formular, está sob risco, o que pode levar a uma alta dos juros antes do esperado (Imagem: Wilson Dias/Agência Brasil)

O Brasil está diante de uma “bifurcação”, na qual um caminho sustenta o teto fiscal e o combina com uma reestruturação da assistência social, enquanto o outro acaba gerando uma desorganização macroeconômica, diz Ana Paula Vescovi, economista-chefe do Santander (SANB11).

A ex-secretária do Tesouro afirma, em entrevista, que o teto de gastos, mecanismo que ajudou a formular, está sob risco, o que pode levar a uma alta dos juros antes do esperado.

Segundo ela, não é possível ter uma política social efetiva para os mais pobres que não seja fiscalmente responsável. “O risco parte dessa crença de que o que já deu errado no passado, que foi ativar gastos públicos, possa vir a funcionar desta vez.”

Para Vescovi, é possível combinar os dois pilares, o de um programa social mais abrangente e o de respeito ao teto.

Se o compromisso com a responsabilidade fiscal for rompido, os mais vulneráveis serão mais afetados pelo crescimento mais lento do PIB ou pela desancoragem das expectativas de inflação e a consequente alta dos juros. Haveria uma enorme dispersão nas expectativas sobre a evolução da dívida pública, o que poderia levar a um cenário de dominância fiscal.

No entanto, a economista do Santander acredita que há uma percepção política clara de que o Brasil precisou elevar temporariamente os gastos para combater a pandemia, mas agora é preciso retomar a direção apontada pelo próprio Congresso de modernizar a economia.

Ainda que o teto de gastos seja cumprido até 2026, final de seu primeiro ciclo, a relação dívida/PIB tende a passar dos 100% em 2027, estima ela, cuja projeção para 2020 está em 95%.

Raiz quadrada

No cenário base do Santander, o Brasil consegue dar sustentabilidade à dívida pública por meio de reformas e avançar para uma recuperação gradual da economia em forma de raiz quadrada (Imagem: Money Times/Gustavo Kahil)

No cenário base do Santander, o Brasil consegue dar sustentabilidade à dívida pública por meio de reformas e avançar para uma recuperação gradual da economia, não em forma de V ou qualquer outra letra do alfabeto, mas em forma de raiz quadrada.

“Um mergulho no segundo trimestre, não tanto quanto se esperava, recuperação mais forte no terceiro trimestre e a partir daí uma recuperação mais lenta, mais gradual.”

Tal cenário já tem por premissa uma vacina contra o coronavírus em 2021. Com um cenário de sustentação da regra do teto, o BC só retomaria alta dos juros no início de 2022.

Tesouro

O Tesouro Nacional tem total condição de assegurar a rolagem da dívida pública no quadro atual de volatilidade, encurtando prazos, fazendo gestão de liquidez e aproveitando por mais algum tempo taxas de juros relativamente baixas, afirma Vescovi. Mas não tem todo o tempo do mundo, e é preciso endereçar as reformas, as medidas de controle dos gastos públicos e uma consolidação fiscal crível para melhorar as expectativas de evolução da dívida pública.

Para o Tesouro, ficou clara a importância de ter um colchão de liquidez, assim como para o BC a importância de ter um colchão de reservas internacionais, diz a economista. “Esse é o ponto forte da política brasileira nesse momento.”