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Os Segredos das Criptomoedas: A Criptoinquisição da Receita Federal

08 maio 2019, 13:55 - atualizado em 08 maio 2019, 14:04

Helena Margarido é a colunista de Criptomoedas do Money Times – Escreve também para a Inversa PublicaçõesSiga a Helena no Twitter

Independente de quanto você conheça sobre criptomoedas ou de qual seja sua opinião a respeito, já deve ter ouvido falar que um dos grandes problemas para adoção em massa é a falta de regulação. Também, pudera: se nem fenômenos mundiais mais antigos como a internet têm algumas questões reguladas, como esperar que algo tão novo e disruptivo como criptoativos já esteja contemplado em uma das (literalmente) milhares de leis brasileiras?

É fato: as leis não acompanham o ritmo das inovações tecnológicas em nenhum país. Entretanto, a partir do momento em que elas se tornam minimamente relevantes, a tal “regulamentação específica” passa a ser uma demanda de empresas do setor para reduzir as incertezas de se manter um negócio dedicado àquela atividade. Foi assim com a indústria de software nos anos 90 e com o mercado dos chamados “facilitadores de pagamentos” (Paypal, PagSeguro, etc.) em 2013. Agora é a vez dos criptoativos.

A esse respeito, em 31/10/2018, a Receita Federal publicou a Consulta Pública 06/2018[i], na qual propôs um modelo para obrigar que aqueles que compram, vendem ou intermedeiam transações de criptomoedas informem ao governo dados completos sobre praticamente todas as transações realizadas e de seus respectivos clientes. A motivação, contudo, é bem menos “edificante” se comparada à que resultou no framework normativo de outros mercados tecnológicos e tem como premissa uma das maiores falácias atribuídas aos criptoativos.

Explico: você provavelmente já deve ter ouvido falar que “bitcoin é moeda de hackers, traficantes e criminosos que atuam na internet” (ou algo que o valha). Portanto, é comum que pessoas associem esse tipo de tecnologia a atividades ilegais.

Valendo-se disso, a Receita Federal do Brasil (RFB) decidiu editar uma norma para “viabilizar a verificação da conformidade tributária, além de aumentar os insumos na luta pelo combate à lavagem de dinheiro e corrupção, produzindo, também, um aumento da percepção de risco em relação a contribuintes com intenção de evasão fiscal” (sic).

Em outras palavras, para a RFB, transações com criptoativos têm alguma ilegalidade intrínseca e o único jeito proteger os cidadãos de bem é obrigando que praticamente todas as transações com criptomoedas sejam informadas ao fisco. Pouco importa que propinas sejam pagas com malas de dinheiro vivo quase como regra, que 80% das notas de dinheiro tenham traço de cocaína[ii] ou que o dinheiro, ao contrário da grande maioria das criptos, não tenha “carimbo”: para o leão brasileiro, quem opta por transacionar criptomoedas só pode estar querendo esconder algo.

Com o intuito de desmistificar e esclarecer um pouco deste pré-conceito, várias corretoras de criptomoedas (conhecidas como exchanges) e associações do mercado enviaram comentários à proposta inicial feita pela Receita à época. Afinal, a regulação proposta obrigaria as empresas do ainda micro “criptomercado” brasileiro a uma estrutura de compliance que nem bancos com departamentos inteiros dedicados têm que cumprir.

Para a Receita Federal, as transações com criptoativos têm alguma ilegalidade intrínseca (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

Eis que, nesta data, a Receita Federal publicou a Instrução Normativa nº 1.888/2019[iii], com regras ainda mais duras do que aquelas propostas inicialmente. Por meio dela, a partir de agosto deste ano, todas as transações com criptoativos realizadas em exchanges no Brasil deverão ser reportadas mensalmente ao fisco, devendo também serem informadas transações feitas em exchanges no exterior ou fora de exchanges caso o volume mensal das operações ultrapasse os R$ 30.000,00 (trinta mil reais).

Além disso, as exchanges no Brasil ficam obrigadas a informar saldos em reais e criptomoedas de seus usuários, bem como custo de aquisição, considerando a data-base de 31 de dezembro de cada ano, similar ao informe de rendimentos fornecido pelos bancos comerciais.

O “incentivo” para cumprir a nova regra é claro: multas consideráveis pelo atraso, inexatidão ou não fornecimento das informações, que podem chegar a até 3% do valor de cada transação.

Contudo, em que pese a rigidez, até tal ponto a nova regra não trouxe nenhuma novidade à sistemática de fiscalização utilizada pela Receita. Todavia, quase ao fim da norma, saltou aos olhos aquela que considero a maior alteração (e aberração) feita em relação texto original proposto e comentado pelos atuais players do mercado:

“Art. 10. (…) ficará sujeita às seguintes multas (…):

III – pelo não cumprimento à intimação da RFB para cumprir obrigação acessória ou para prestar esclarecimentos nos prazos estipulados pela autoridade fiscal, o valor de R$ 500,00 (quinhentos reais) por mês-calendário” (Grifo nosso).

Resumindo: quem transaciona criptoativos vai ter que se explicar, por bem ou por mal, sob pena de que lhe seja aplicada a pior das penitências do nosso sistema capitalista: multa de R$ 500 por mês. Que se inicie à caça às bruxas e que sejam queimados na fogueira aqueles que se atreverem a buscar alternativas ao imaculado dinheiro em papel: são todos presumidamente hereges até que se prove o contrário.

Após cerca de 8 anos trabalhando com o mercado de startups, me pergunto com frequência como manter pessoas e projetos no país, contribuindo para o nosso crescimento econômico e cultural. Não há solução “de prateleira” e talvez seja justamente essa uma das maiores dificuldades em se criar um ambiente que fomente a inovação e o empreendedorismo no Brasil. Contudo, normas como esse “Cripto-AI5” transvestido de Instrução Normativa da Receita Federal certamente são um ótimo exemplo do que não fazer para se atingir tal objetivo.

[i] Em https://receita.economia.gov.br/sobre/consultas-publicas-e-editoriais/consulta-publica/arquivos-e-imagens/consulta-publica-rfb-no-06-2018.pdf

[ii] Em https://edition.cnn.com/2017/06/26/health/atm-dirty-cash-partner/index.html

[iii] Em http://www.in.gov.br/web/dou/-/instruÇÃo-normativa-nº-1.888-de-3-de-maio-de-2019-87070039

 

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