Economia

Os legados de Atkinson, Arrow e Baumol

11 mar 2018, 7:34 - atualizado em 10 mar 2018, 22:37

Por Terraço Econômico

No primeiro semestre de 2017, a ciência econômica sofreu importantes perdas. Três dos mais respeitados e influentes economistas nos deixaram: Anthony Atkinson, Kenneth Arrow e William Baumol. Logo no primeiro dia do ano, Atkinson faleceu aos 72 anos. Arrow faleceu aos 95, em 21 de fevereiro. Por fim, Baumol, também aos 95, no dia 4 de maio.

Felizmente, suas contribuições à ciência econômica irão se perpetuar. Não obstante, no Brasil, esses autores detêm pouca repercussão. A título de exemplo, na grande mídia brasileira, a morte de Atkinson foi lembrada apenas pelo jornal Valor Econômico e Baumol nem sequer foi lembrado. Arrow, talvez por ter sido o único entre eles a ganhar o Prêmio Nobel de Economia, foi lembrado em mais veículos. Além disso, há pouco contato com os autores, sobretudo, em estudos de graduação. Este artigo propõe-se a apresentar brevemente as principais contribuições e os legados de cada um dos três.

Para o britânico Anthony Atkinson, fundamentalmente, a ciência econômica deveria servir para melhorar a vida das pessoas. Com rigor analítica e zelo por dados empíricos, ele foi um dos pioneiros e protagonistas dos estudos sobre desigualdade, tema historicamente ignorado por boa parte dos economistas mainstream. Possivelmente por isso não tenha ganhado o Prêmio Nobel. Em 1970, propôs um índice de desigualdade, que passou a ser conhecido como Atkinson index. Em 2015 (traduzido para o português no mesmo ano), publicou seu último livro Inequality: What Can Be Done?, no qual sugere uma série de políticas públicas concretas que poderiam alterar significativamente a distribuição de renda. Atkinson foi professor e mentor de Thomas Piketty, autor de um dos livros mais debatidos nos últimos anos, que trata justamente de desigualdade.

Aliás, com Piketty e outros, organizou a maior base de dados sobre a evolução histórica da desigualdade, a World Wealth and Income Database. O legado de Atkinson vai além das contribuições aos estudos da desigualdade. Além de professor na London School of Economics e em outras grandes universidades, Atkinson foi fundador e editor (com Joseph Stiglitz) por 25 anos do Journal of Public Economics, uma das publicações mais importantes em economia do setor público. A parceria com Stiglitz deu-se também na autoria de um dos principais livros-texto da área, Lectures in Public Economics. Colaborou também com outro eminente economista, Michio Morishima, ao criar o Suntory Toyota International Centre for Economics and Related Disciplines, que tornou-se um dos mais respeitados centros de pesquisa econômica. Além disso, foi presidente de prestigiosas instituições como a Royal Economic Society, Econometric Society, European Economic Association e International Economic Association.

Se o esforço intelectual de Atkinson se concentrou principalmente nos temas da desigualdade e economia do setor público, o estadounidense Kenneth Arrow escreveu sobre quase tudo na economia. Boa parte dessas contribuições revolucionaram a ciência econômica.

Foi Arrow que desenvolveu os dois primeiros teoremas fundamentais do bem-estar econômico e a teoria do equilíbrio geral, demonstradas em qualquer livro-texto de microeconomia e que lhe renderam, junto ao economista britânico John Hicks, o Prêmio Nobel de Economia em 1972 aos 51 anos, o mais jovem até agora. Arrow também inaugurou o campo da escolha social com seu teorema da impossibilidade, no qual provou que não é possível agregar as preferências individuais e obter uma racionalidade coletiva. Foi também um dos precursores (com seu artigo de 1962 sobre learning by doing) para a teoria do crescimento econômico endógeno (desenvolvida no final da década de 1980 e início da década de 1990 por Paul Romer e outros), que é uma das bases da macroeconomia de longo prazo.

No campo da organização industrial, contrariou Schumpeter e sugeriu que uma empresa monopolista tem menos estímulos a inovar do que uma empresa em condições competitivas e, além disso, que mesmo em um mercado competitivo os investimentos em P&D são menores do que deveriam ser do ponto de vista social, o que abriria espaço para o financiamento governamental da pesquisa básica.

Entre tantos outros trabalhos, cabe citar ainda a contribuição seminal que iniciou o campo de estudo da economia da saúde, no qual Arrow expôs os danos da informação assimétrica no mercado de saúde. Como professor em Harvard e Stanford, Arrow orientou uma série de grandes nomes da economia, entre eles cinco ganhadores do Nobel. Se já não bastasse todo o esforço empregado na área acadêmica, Arrow também participou ativamente do debate público. Por exemplo, entre os economistas, foi um dos que mais advertiu para os perigos da mudança climática.

O estadounidense William Baumol foi um dos maiores e talvez o mais prolífico economista. Tendo produzido praticamente até sua morte, Baumol publicou mais 500 artigos e 40 livros. Da mesma forma que Arrow, dedicou-se a uma grande variedade de tópicos da economia. Sua teoria dos mercados contestáveis trouxe importante contribuição ao campo da organização industrial, com implicações diretas à teoria e prática da política de concorrência.

Em economia monetária, desenvolveu uma teoria de demanda de moeda para transações que, somada ao trabalho de James Tobin, ficou famosa como o modelo Baumol-Tobin. Fez importantes pesquisas também nas áreas de empreendedorismo e inovação, economia do meio ambiente, macroeconomia, taxação e externalidades, entre outras. Contudo, provavelmente sua mais importante contribuição (a “doença dos custos de Baumol”) seja sua explicação para o aumento dos salários em atividades que não possuem ganhos de produtividade, como, por exemplo, em serviços médicos e educacionais. Foi professor em Princeton por quase 70 anos e presidente da influente American Economic Association.

Atkinson, Arrow e Baumol tinham muitas das características que Keynes outrora definiu para um grande economista. Lidavam tranquilamente com a matemática. Consideravam a história econômica como de grande valia. Mesmo que não tenham sido políticos, influenciaram políticas públicas. Foram amantes da sabedoria. Juntaram rigor analítico com a facilidade em expressar ideias. Analisaram o micro para explicar o macro. Indagaram-se sobre quase tudo à volta e, assim, deixaram relevantes contribuições.

Franklin Zummach
Graduado em Ciências Econômicas pela Universidade de Blumenau (FURB), com intercâmbio na Berlin School of Economics and Law

REFERÊNCIAS

DURLAUF, Stefan. Kenneth Arrow and the golden age of economic theory. VOX CEPR’s Policy Portal, 08 abr. 2017. Disponível em: <http://voxeu.org/article/ideas-kenneth-arrow>. Acesso em: 14 ago. 2017.

FOLHA DE SP. Kenneth Arrow definiu condições para o funcionamento da ‘mão invisível’. São Paulo, 22 fev. 2017a. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/02/1860961-kenneth-arrow-definiu-condicoes-para-o-funcionamento-da-mao-invisivel.shtml>. Acesso em: 14 ago. 2017.

FOLHA DE SP. Como o Nobel Kenneth Arrow revolucionou a teoria econômica. São Paulo, 30 abr. 2017b. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2017/04/1879642-kenneth-arrow-e-a-revolucao-de-um-nobel-na-economia.shtml>. Acesso em: 04 maio 2017.

THE ECONOMIST. Anthony Atkinson, a British economist and expert on inequality, died on january 1st. Londres, 05 jan. 2017a. Disponível em: <https://www.economist.com/news/finance-and-economics/21713852-intellectual-warrior-fight-against-poverty-anthony-atkinson-british>. Acesso em: 11 ago. 2017.

THE ECONOMIST. William Baumol, a great economist, died on May 4th. Londres, 11 maio 2017b. Disponível em: <https://www.economist.com/news/finance-and-economics/21721906-prolific-writer-and-originator-idea-cost-disease-he-was-95-william>. Acesso em: 14 ago. 2017.

THE GUARDIAN. Sir Tony Atkinson obituary. Londres, 10 jan. 2017. Disponível em: <https://www.theguardian.com/society/2017/jan/10/sir-tony-atkinson-obituary>. Acesso em: 11 ago. 2017.

THE NEW YORK TIMES. New York, 10 maio 2017. William J. Baumol, 95, ‘one of the great economists of his generation,’ dies. Disponível em: <https://www.nytimes.com/2017/05/10/business/economy/william-baumol-dead-economist-coined-cost-disease.html>. Acesso em 15 ago. 2017.

VALOR ECONÔMICO. Morre economista célebre por estudos sobre a desigualdade social. São Paulo, 02 jan. 2017.  Disponível em: <http://www.valor.com.br/cultura/4823318/morre-economista-celebre-por-estudos-sobre-desigualdade-social>. Acesso em: 11 ago. 2017.

*Artigo originalmente publicado no Boletim Informativo de Economia do Curso de Ciências Econômicas da Universidade de Blumenau (FURB). Escrito com base em vários obituários dedicados aos três economistas. As fontes são citadas nas Referências.

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