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Opinião: O risco de ser sócio do governo

23 abr 2017, 17:19 - atualizado em 11 set 2019, 16:40

Por Wagner Parente, Diretor Superintendente da Barral M Jorge

Uma das maiores preocupações dos operadores de mercado brasileiro é o alto nível de interferência do estado na economia. Em se tratando de empresas que tenham participação acionária relevante do governo, o receio é maior ainda. Não deixa de ser uma preocupação que faz sentido, visto a possibilidade de se usar empresas com participação societária governamental para realização de políticas públicas que não necessariamente dão lucro ou que tenham relação com benefícios aos sócios ou ao negócio.

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Talvez a primeira empresa que venha a mente do leitor seja a Petrobrás. De fato, pode-se discutir várias decisões de gestão de empresa, além dos danos advindos da corrupção. No entanto, é inegável também que a queda no preço do barril de petróleo afetou a empresa. Além disso, por não haver outra empresa comparável no Brasil, existe uma grande dificuldade em avaliar como a Petrobras poderia estar se não fosse o governo majoritário. Por isso mesmo, talvez o Banco do Brasil (BB) seja mais interessante para o que aqui se propõe.

Note-se que a despeito do momento econômico desafiador, os outros dois maiores bancos em operação no Brasil – Bradesco e Itaú – se distanciaram muito do BB. Essa conclusão fica nítida quando analisada a evolução do lucro líquido das 3 instituições financeiras. É bem verdade que todos sentiram a conjuntura adversa, mas para o BB foi pior, pois já tinha uma margem líquida menor.

A necessidade de ampliação de crédito com juros menores, para forçar a queda dos juros cobrados por outros bancos, no momento em que a população já estava altamente endividada, sem dúvida foi uma determinação política que prejudicou o balanço do BB.

Em agosto de 2013, o presidente do banco, Aldemir Bendine, deixou os sócios minoritários em polvorosa ao afirmar que “Resgatei um pouco esse papel do Banco do Brasil enquanto agente de desenvolvimento econômico e social.” Quer dizer: ele tem um papel de governo, de fato (1).

Outro índice muito usado para comparar bancos é a Provisão para Devedores Duvidosos (PDD), que nada mais é do que recursos separados para cobrir calotes. Evidente que quanto maior o risco, maior o PDD, o que em princípio é ruim para o acionista. A razão do PDD sobre o lucro líquido dá ideia do quanto o banco está tendo que provisionar para cobrir maus pagadores.

Por esse índice observamos o impacto da decisão mencionada pelo então presidente Bendine: o BB continuou a conceder crédito para pessoas que provavelmente não poderiam pagar por eles. Foi exatamente o oposto que Bradesco e Itaú fizeram.

Se ser sócio do governo tem sido ruim no caso do BB, uma outra empresa que tem participação relevante estatal (via BB, inclusive) tem tido resultado excepcional a despeito da crise econômica do país e das crises contundentes que sofreu nos últimos anos. De fato, a Cielo, que tem o BB como majoritário, foi extremamente questionada por sua decisão de fazer uma parceria com o seu controlador Elo Cartões Participações S.A – joint venture entre Cielo e a Banco do Brasil – em março de 2015.

Pelo acordo, a Cielo passou a ter a gestão dos cartões de crédito e de débito da marca Ourocard, do BB e desembolsou R$ 8,1 bilhões no meio de um dos piores momentos da economia brasileira. As críticas, obviamente, foram de que houve interferência do governo, forçando a operação para que o Banco do Brasil tivesse acesso a esses recursos.

O impacto desta operação foi imediato no endividamento da empresa conforme pode ser visto na relação da dívida líquida pelo resultado operacional da empresa (EBITDA).

O crescimento da dívida assustou tanto em termos relativos (dívida líquida sobre EBITDA), quanto em termos absolutos, a dívida líquida saiu de R$ 3,3 bilhões em 2014 para mais de R$ 12 bilhões em 2015. O resultado foram manchetes como essa da InfoMoney: Mercado não consegue esconder decepção com a “fantástica” Cielo e ação tem queda histórica. A despeito das críticas, a história começou a mudar em 2016.

No mesmo gráfico acima, já se vê a queda do endividamento relativo da empresa em 2016. Além disso, o impacto positivo na geração de caixa foi brutal de 2015 para 2016, conforme pode ser visto no gráfico do Fluxo de Caixa Operacional (FCO). Ainda em 2016, a Cielo apresentou melhora em todas as suas margens (Bruta, EBITDA e líquida) reforçando a ideia que a empresa vem conseguindo extrair ganhos de sinergia e produtividade do investimento. Longe de ser uma decepção, a empresa provou ser, quase literalmente, uma máquina de fazer dinheiro.

É difícil saber se houve ou não interferência governamental na operação. Da mesma forma, se o investimento realizado pela Cielo vai ou não performar, só o futuro vai dizer. É certo, por enquanto, afirmar que o balanço em 2016 demonstra que a decisão foi acertada.

Conclui-se que não existe nada errado em ser sócio minoritário de empresas que tenham grande participação estatal. No entanto, deve-se aceitar que pode-se ganhar ou perder com isso. Também não parece correto generalizar, afirmando que toda empresa controlada pelo governo é ruim. Só nos resta acompanhar as decisões e analisar os resultados.

(1) Entrevista concedida por Bendine ao jornal Estado de São Paulo. Disponível em: http://economia.estadao.com.br/ noticias/geral,o-banco-do-brasil-tem-papel-de-governo-diz-bendine-imp-,1065278