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Operadores e hedge funds ganham bilhões com rali das commodities

29 jun 2021, 10:45 - atualizado em 29 jun 2021, 10:45
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Os preços despencaram, muitos investidores institucionais saíram e vários fundos de hedge especializados fecharam (Imagem: Reuters/Nacho Doce)

Doug King montou seu fundo de hedge nos primeiros dias do superciclo das commodities em 2004. O momento era perfeito: a forte demanda chinesa elevava o preço de diversas matérias-primas para níveis recordes. No auge, o Merchant Commodity Fund de King administrava cerca de US$ 2 bilhões.

Mas o boom terminou abruptamente depois da crise financeira global de 2008 e do início da revolução do gás de xisto nos Estados Unidos.

Os preços despencaram, muitos investidores institucionais saíram e vários fundos de hedge especializados fecharam.

Uma década depois, King tem um dos melhores anos de sua carreira: o forte e amplo rali das commodities impulsionou seu fundo de hedge em quase 50% este ano, com produtos do aço à soja na maior cotação dos últimos anos.

As matérias-primas estão de volta e, de fundos de pensão a operadores nos mercados físicos de commodities, todos estão ganhando dinheiro.

A questão agora é saber se a retomada seria uma recuperação temporária da pandemia ou sinais de uma mudança de longo prazo na estrutura da economia global. King não tem dúvidas.

“Enfrentamos um choque estrutural de inflação”, disse King. “Há muita demanda reprimida e todo mundo quer tudo neste exato momento.”

Pela primeira vez desde os anos anteriores à crise, antes de 2008, o boom das commodities preocupa bancos centrais devido ao efeito na inflação. O rali também terá impacto político.

Com o petróleo de volta a US$ 75 o barril, Arábia Saudita e Rússia estão de volta à liderança do mercado global de energia: uma recuperação impressionante depois dos preços negativos há pouco mais de um ano.

O boom também é um resultado indesejável para governos que enfrentam a crise climática: o aumento dos preços das commodities tornará a transição mais cara.

A China, que depende da importação de matérias-primas para operar milhões de fábricas e canteiros de obras, está tão nervosa que o governo tentou pressionar por uma queda dos preços, ameaçando reprimir especuladores e liberar estoques estratégicos.

Funcionou até certo ponto – o cobre devolveu todo o ganho este ano – mas os preços em todo o complexo permanecem fortes: o minério de ferro ainda está perto de um recorde, os preços do aço nos EUA triplicaram este ano, o carvão subiu para o maior nível em 13 anos e as cotações do gás natural estão em alta.

Com o petróleo de volta a US$ 75 o barril, Arábia Saudita e Rússia estão de volta à liderança do mercado global de energia (Imagem: REUTERS/Angus Mordant)

Mesmo após a recente desaceleração, o índice Bloomberg Commodities Spot, um indicador de 22 preços de matérias-primas, ainda mostra ganho de 78% desde a mínima de março de 2020, no início da pandemia.

E a cotação do petróleo continua em alta com o fim dos lockdowns e menor oferta da aliança Opep+. Os preços do barril tipo Brent acumulam alta de 45% este ano, o que levou operadores e bancos de Wall Street a voltarem a projetar o barril acima de US$ 100 pela primeira vez desde 2014.

Com a alta dos preços, também aumentou o interesse de Wall Street. A conferência anual de investidores Robin Hood, que todos os anos reúne pesos-pesados de fundos de hedge como Paul Tudor Jones, Stanley F. Druckenmiller e Ray Dalio, realizou um painel sobre commodities no início de junho, a primeira vez em pelo menos cinco anos que a conferência decidiu debater o mercado de matérias-primas.

O veterano Jeff Currie, que comanda a pesquisa de commodities do Goldman Sachs, aposta em um “bull market” de longo prazo para todas as commodities apesar da recente onda vendedora em metais e grãos, e diz que há espaço para muito mais investimentos no mercado.

“As commodities voltaram a estar na moda”, disse Currie, mas até agora a empolgação com os preços nas alturas ainda não atraiu os fluxos que o setor recebeu durante o boom de 2004-2011.

Para investidores e operadores dos mercados físicos que já apostaram em commodities de olho na recuperação pós-pandemia, o rali resultou em ganhos.

A Cargill, maior trading de commodities agrícolas do mundo, ganhou mais dinheiro nos primeiros nove meses do ano fiscal do que em qualquer ano inteiro de sua história, com a receita líquida acima de US$ 4 bilhões.

E na Trafigura, segunda maior operadora petróleo independente do mundo, o lucro líquido acima de US $ 2 bilhões nos seis meses até o final de março foi quase equivalente ao seu melhor ano recorde registrado anteriormente.

Para consumidores, no entanto, a expansão das commodities remete às pressões inflacionárias do passado. Por enquanto, as empresas têm absorvido a maior parte do impacto, levando a inflação das fábricas em alguns países como a China ao nível mais alto em mais de uma década. Porém, mais cedo ou mais tarde, os consumidores também pagarão o preço.