Onda de desastres naturais coloca o mercado de seguros em alerta; entenda
Os fortes temporais que castigaram 475 municípios do Rio Grande do Sul deixando um rastro de 2,4 milhões de pessoas afetadas, segundo a Defesa Civil, deverá ser o maior sinistro causado por um único evento climático, na história do país.
Essa é a previsão da Confederação Nacional das Seguradoras (CNSeg) que já divulgou o primeiro balanço dos prejuízos.
No entanto, o que está acontecendo no estado gaúcho não é uma tragédia isolada. Ela faz parte dos desastres naturais e globais derivados dos efeitos climáticos que, nos últimos quatros anos, registraram máximas históricas e impactaram o setor de seguros com prejuízos da ordem de US$ 100 bilhões no mundo, segundo a pesquisa Allianz Barometer 2024, realizada com 3.069 especialistas de 92 países.
Somente as tempestades severas provocaram perdas de US$ 60 bilhões. No recorte brasileiro desse estudo, as mudanças climáticas são apontadas como o principal risco para a economia do país.
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O Swiss Re Institute também publicou um estudo reforçando o potencial de risco dos acidentes naturais como o aumento médio de 7% de tempestades, nos últimos 30 anos. Em 2023, no entanto, a alta foi de 90%, se comparada à média dos últimos cinco anos.
Diante desse cenário trágico, como prevenir e mitigar os riscos dos desastres naturais derivados dos efeitos climáticos?
O fenômeno El Niño, que causa mudanças constantes nas condições oceânicas e atmosféricas do Pacífico Equatorial, provocando ondas de calor, tempestades, desmoronamentos e inundações, trouxe novos desafios para as companhias de seguro que enfrentam aumento de sinistros, a cada ano.
O Brasil precisa se preparar para o “novo normal” climático
A CNSeg divulgou o primeiro levantamento parcial dos danos da tragédia no Rio Grande do Sul, 27 dias após o início dos temporais, e apontou perdas de aproximadamente R$ 1,6 bilhão em sinistros.
“O valor final será muito maior considerando a intensidade dos temporais e o longo período de duração”, estima Dyogo Oliveira, presidente da CNSeg.
Para Oliveira, os desastres naturais são uma realidade que continuarão se repetindo e, a cada ano, de forma mais intensa: “O Brasil precisa se preparar para lidar com esse fenômeno com treinamento da população que também deve ter acesso a locais seguros em caso de um desastre natural, com planos de contingência, sistemas eficientes de prevenção de desastres e obras resilientes às enchentes”, avalia.
O executivo menciona ainda que a infraestrutura deve ser repensada de acordo com essa nova realidade climática que trouxe ao Rio Grande do Sul eventos extremos nos últimos cinco anos, intercalando períodos de seca e de inundações.
A reconstrução das obras destruídas deve reconsiderar, por exemplo, a altura das pontes, dos aterros e das estradas, além da construção de abrigos, formação de esquadrão de resgate, estoque de alimentos e de medicamentos.
O projeto do Seguro Social de Catástrofe, apresentado pela CNSeg na Câmara dos Deputados, foi mencionado pelo executivo como um instrumento que pode ser parte da solução nos casos de catástrofes naturais. “As vítimas de inundações em geral integram o grupo mais vulnerável e não é justo que elas assumam sozinhas esses prejuízos. Com o Seguro Social, os gaúchos já teriam recebido a indenização em duas semanas”, afirma.
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Seguros: Uma tragédia em números
O levantamento da CNSeg traz uma visão parcial das perdas classificadas de acordo com os tipos de proteção. A “fotografia” desse período se baseou no número de avisos de sinistros que foram comunicados pelos clientes às seguradoras.
Nesta primeira parcial divulgada pela entidade, o sinistro de automóveis foi de longe o que trouxe maiores prejuízos, somando o total de R$ 558 milhões.
Além dos autos, as indenizações de maiores valores foram para Grandes Riscos (R$ 507 milhões), Outros (empresarial, transportes, riscos, vida, máquina, equipamentos e patrimonial — R$ 322 milhões), Residencial + Habitacional (R$ 239 milhões) e Agrícola (R$ 47 milhões) que juntos somaram o total de R$ 1,6 bilhão.
Já o levantamento do volume dos avisos de sinistro em números absolutos inverte essa ordem colocando o seguro Residencial + Habitacional, por exemplo, como o que gerou mais comunicados às operadoras, até o momento. Esse ramo representa 11.396, do total de 23.441 avisos registrados no período. Na sequência aparecem Auto, com 8.216 avisos, Outros com 2.450, Agro, 993, enquanto Grandes Riscos somaram 386 solicitações.
Qual seguro escolher?
Agro
O setor agropecuário que aparece em 4º lugar em número absoluto de avisos ainda vai crescer bastante quando as águas da chuva baixarem completamente, porque essa é uma atividade econômica bastante vulnerável à questão climática, já que a produção depende das condições ligadas ao sol, à chuva e outros elementos naturais.
Além das inundações de 2023 e 2024, os produtores rurais do Rio Grande do Sul sofreram também com outro evento extremo que foi a seca, no período de 2020 a 2022. Essa recorrência de extremos climáticos durante cinco anos consecutivos provocou quebras de safra, perda de equipamentos e prejuízos aos produtores rurais que geraram um aumento exponencial de indenizações do seguro rural.
O aumento exponencial do custo do Proagro – Programa de Garantia da Atividade Agropecuária do governo, por exemplo, de R$ 1,7 bilhão por ano (2021), para R$ 10 bilhões (2023) é uma referência do impacto das mudanças climáticas. Os dados são de levantamento da Climate Policy Initiative (CPI), em parceria com a PUC-Rio.
A disparada dos custos do Proagro forçou o governo a fazer um “pente fino” para investigar possíveis irregularidades no programa criado para subsidiar os produtores rurais.
Para atender o pequeno produtor rural, as operadoras oferecem o Microsseguro Rural que garante a proteção financeira em casos de temporais, enchentes, geadas, ciclones e incêndios. Pela importância do agronegócio no Rio Grande do Sul, o Microsseguro Rural é um produto importante do portfólio das seguradoras.
O estado, além de enfrentar de forma mais intensa os efeitos dos eventos climáticos, ainda sofre com as consequências de uma ocupação populacional que se deu predominantemente às margens de rios e com a forte presença de muitas barragens.
As perdas para o agro são ainda mais significativas quando se considera o baixo percentual de adesão ao seguro. A nível nacional, apenas 6% dos proprietários rurais costumam fazer seguro.
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A tragédia natural que há cinco anos vem se repetindo no estado gaúcho, com alternâncias de extremos com seca e inundações, é semelhante à realidade de produtores rurais americanos que também enfrentam os extremos climáticos. Esse fenômeno de extremos foi abordada pela escritora americana Monica Sanders no artigo “Cultivando a Mudança: Repensando o seguro agrícola para um futuro sustentável” e traz questões também pertinentes à crise climática brasileira.
A autora afirma que o modelo tradicional de seguro agrícola em vários países ainda falha devido à falta do pilar da sustentabilidade. Segundo a especialista, o setor deveria incentivar boas práticas agrícolas que contemplassem métodos de preservação do solo e da biodiversidade para reduzir prejuízos causados por inundações e períodos de seca.
Isso incluiria, por exemplo, o cultivo de espécies resistentes à seca, técnicas regenerativas do solo, preservação da vegetação nativa e economia de água. A adoção dessas medidas pelos agricultores poderia mitigar os efeitos dos eventos climáticos extremos.
Auto
Responsável pela maior fatia de apólices, a proteção de automóveis oferece o Seguro Compreensivo ou Total que é a única modalidade que inclui cobertura para enchentes, além de chuvas de granizo, ventos fortes e queda de árvore. Essa é a categoria mais cara desse ramo, mas a única que garante proteção para os desastres naturais.
Residencial / Habitacional
O seguro Residencial básico que é o mais difundido não atende a cobertura de enchente. Para contratar essa cobertura, o cliente deve buscar uma cobertura específica. A apólice básica só protege contra incêndios. Esse modelo contratual faz com que a cobertura residencial e empresarial para alagamentos seja muito baixa.
No caso do Rio Grande do Sul, a previsão é que a maioria das casas não tenha esse tipo de seguro que no Brasil não é tão comum. Os temporais desse último mês foram atípicos e alagaram regiões que, em outras enchentes, não tinham sido impactadas.
Outro fator que leva o cliente a subestimar o nível de exposição ao risco do seu imóvel e contribuir para a baixa adesão ao seguro residencial, que inclua cobertura de enchente, é o próprio desconhecimento do segurado em relação aos itens previstos na apólice que está adquirindo.
Para proteção do imóvel, existe ainda o Seguro Habitacional que inclui os sinistros decorrentes de desastres naturais, como alagamentos e desmoronamentos, para contratos de bens financiados. Regulamentado por lei e parte do contrato de financiamento do imóvel, esse seguro foi criado para garantir o cumprimento do pagamento até a quitação do imóvel e vigora exclusivamente durante o período do financiamento.
Seguro Social de Catástrofe
Um projeto lei está sendo avaliado na Comissão Especial sobre Prevenção a Desastres e Calamidades Naturais, na Câmara dos Deputados, com o objetivo de garantir mais proteção aos segurados e reduzir a “lacuna de proteção”, no caso de desastres naturais.
Proposto pela CNseg, o Seguro Social de Catástrofe ou Seguro Paramétrico visa proteger imóveis residenciais urbanos e rurais e pessoas com indenização emergencial de R$ 15 mil por habitação, a serem pagos logo após a decretação do estado de calamidade ou de emergência, pelo órgão público competente.
O Seguro Social de Catástrofe pode ser acionado em caso de calamidade pública, que será determinado pelo órgão público de acordo com índice pluviométrico mínimo.
“O modelo do Seguro Social de Catástrofe ou Seguro Paramétrico foi pensado para dar celeridade às indenizações que poderão ser pagas via Pix imediatamente após a delimitação da área do desastre”, afirma Oliveira.
O desenho previsto no projeto lei prevê ainda que o valor da indenização seja para uso livre, de acordo com as necessidades de cada segurado para poder se restabelecer e voltar às suas atividades normais. O projeto lei prevê ainda que essa proposta seja subsidiada por meio da cobrança de R$ 3,00, na conta mensal de energia elétrica dos usuários.
Os eventos naturais, cada vez mais intensos e recorrentes, reforçam a necessidade urgente de prover a população com mais acesso à proteção, seja com medidas de prevenção aos riscos naturais, quanto com contratos de seguros.
Enchentes no Rio Grande do Sul: Como fica a economia brasileira?
Os números apurados dessa tragédia no Rio Grande do Sul servem como um alerta para a vulnerabilidade geográfica das ocupações e alto risco climático no estado.
O mercado de seguros do estado é relevante, representando cerca de 8% do mercado brasileiro, enquanto o PIB gaúcho foi de 6%, em 2023.
No jargão do setor, os números apesar de significativos confirmam que ainda existe uma “lacuna de proteção” a ser superada. A expressão se refere à discrepância entre o percentual do patrimônio que está protegido e o que não está assegurado.
Na avaliação de Oliveira, o evento extremo nas dimensões do que aconteceu no Rio Grande do Sul é um acidente extraordinário que não vai impactar o preço dos contratos e nem comprometer os planos e custos das operadoras no estado.
“A indústria de seguros está provisionada com reservas financeiras, resseguros, liquidez, solidez e funcionalidade para superar tanto as perdas atuais quanto as futuras desta tragédia,” afirma.
Lições de aprendizado climático
Enquanto no Brasil, os extremos climáticos vêm castigando os estados do Sul de forma mais intensa desde a seca de 2022, em outros países a tragédia se assemelha com incidência de tempestades, ciclones, incêndios florestais e nevascas reincidentes.
No mundo, as perdas econômicas com essas catástrofes ocasionadas pelos eventos climáticos foram de US$ 269 bilhões em 2023, dos quais US$ 260 bilhões foram gerados por desastres naturais e US$$ 9 bilhões pela ação humana.
Desse volume de perdas (total de US$ 269 bi), US$ 108 bilhões estavam segurados e do total que contava com proteção, US$ 100 bilhões correspondiam a sinistros causados pela emergência climática e US$ 8 bilhões pela ação humana. Os dados são do estudo do Swiss Re Institute.
Para o consultor de seguros Francisco Galiza, a dimensão das perdas tanto humanas quanto materiais que são contabilizadas a cada tragédia provoca também uma quebra de paradigma e possível aumento da consciência ecológica das pessoas.
“Entender que as tempestades e inundações são consequências das mudanças climáticas é um aprendizado importante e estímulo em direção à economia de baixo carbono”, conclui.
O especialista chama a atenção ainda para o impacto dos eventos climáticos no Brasil e no mundo, nos próximos anos. “Tempestades, ciclones, nevascas, tudo isso continuará sendo o grande problema que a humanidade enfrentará no futuro”, avalia.
O estudo The Global Risks, realizado pela Mapfre, e apresentado no último Fórum Econômico Mundial (Davos), confirma como a questão ambiental e os eventos climáticos estarão cada vez mais relacionados no futuro.
“O dado que mais me surpreendeu nesse estudo foi que dos cinco maiores riscos, para os próximos 10 anos, quatro deles estão relacionados ao meio ambiente”, afirma Galiza. Os cinco principais riscos são eventos climáticos, mudanças no equilíbrio da Terra, redução da biodiversidade, escassez de recursos naturais e desinformação.
No Brasil, enchentes e desmoronamentos sobretudo no litoral mostram que a previsão do estudo The Global Risks já vem se confirmando por aqui. Em janeiro de 2011, a cidade de Angra dos Reis, na região serrana do Rio de Janeiro, sofreu o acidente natural com maior número de vítimas, matando 918 pessoas e deixando 100 desaparecidos e mais de 35 mil pessoas desalojados.
Outros eventos climáticos extremos vêm ocorrendo como o temporal em São Sebastião, no litoral Norte paulista, em 2023, além das inundações que castigam os estados do Sul desde 2022. Enquanto as regiões Norte e Centro-Oeste sofreram com a estiagem que, nos últimos dois anos, afetaram a produção agrícola e comprometerem o abastecimento de grãos no país.
Especialistas ainda se debruçam sobre questões como teria sido possível mitigar os riscos dessa tragédia no Rio Grande do Sul? Houve negligência do poder público, quais medidas preventivas poderiam ter sido tomadas para reduzir o número de vítimas e o prejuízo?
Claro que o momento ainda é de acolher as vítimas, restabelecer os serviços básicos de infraestrutura e planejar a reconstrução do estado. Mas entender a dinâmica dos eventos extremos, gerenciar os riscos e estabelecer protocolos de prevenção e segurança podem ser parte da solução.