O tóxico legado de 60 anos de petróleo abundante na Nigéria
O supervisor de banco Johnson Banigo evita usar camisas de cores claras para ir ao trabalho porque acabam manchadas pela fuligem escura que cai do céu.
Banigo, de 34 anos, mora e trabalha em Port Harcourt, o centro da indústria de petróleo da Nigéria, onde o céu noturno brilha literalmente com explosões de gás.
Meio século de derramamento de óleo tornou uma região de quase 70 mil quilômetros quadrados de pântanos, riachos e florestas de mangue no sudeste da Nigéria num dos lugares mais poluídos do mundo. A expectativa de vida é de apenas 41 anos.
“Às vezes, me preocupo com o efeito cumulativo que viver nesta cidade tem sobre a saúde”, disse. “Não é apenas a poluição, é preciso se preocupar com o tráfego pesado, o alto custo de vida e a grave insegurança.
Assaltos e tiroteios são frequentes quando vários grupos armados se espalham pela cidade a partir dos riachos vizinhos.”
A importância do petróleo desaparece rapidamente, mas é improvável que a situação desesperadora em Port Harcourt melhore no curto prazo por um simples motivo: dinheiro.
Na última década, o petróleo, que antes representava cerca de 80% de toda a receita do estado nigeriano, respondeu por aproximadamente 50% no ano passado.
Neste ano, com a economia global atingida pelo coronavírus reforçando a tendência de redução do uso de combustíveis fósseis, o governo projeta queda de 80% da receita com petróleo.
Isso cria uma realidade amarga para os residentes no centro da maior indústria de petróleo da África: terão pouca ajuda para limpar a contaminação que privou comunidades inteiras no delta do rio Níger de seus meios de subsistência de pesca e agricultura.
“Durante muitos anos, o governo e empresas de petróleo fizeram promessas de limpeza sem cumpri-las”, disse Pius Waritimi, professor de arte e ativista ambiental no polo de petróleo do sul de Port Harcourt. “Se o petróleo perder sua importância como fonte de receita, é provável que o Delta do Níger seja abandonado à própria sorte.”
Nigerianos do delta agora pedem a juízes britânicos permissão para processar a Royal Dutch Shell em Londres pelos danos ambientais causados pelos derramamentos de óleo. Uma decisão está pendente.
A paz no Delta do Níger sempre foi passageira. Foi integrado à economia mundial pelo tráfico de escravos que durou do século XVI ao século XIX. Líderes locais venderam homens, mulheres e crianças capturados aos portugueses e depois aos britânicos.
Os escravos também foram enviados para o Novo Mundo como mão de obra para minas e plantações no Brasil, no Caribe e nos EUA.
Quando a escravidão foi abolida, foi o petróleo do delta que se tornou ingrediente vital na Revolução Industrial.
Pouco antes de a Nigéria conquistar a independência dos britânicos em 1960, a Shell descobriu seu primeiro campo comercial de petróleo no delta e, dentro de uma década, uma nação incipiente que antes dependia da agricultura se tornou viciada em petrodólares e sucumbiu à corrupção desenfreada.
Embora o governo nigeriano e a Shell tenham assumido compromissos para limpar a área, houve pouco progresso na implementação das principais recomendações do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, disseram a Anistia Internacional e outros grupos de defesa em relatório de 18 de junho.
O Projeto de Remediação da Poluição por Hidrocarbonetos, uma agência governamental criada para executar o plano de limpeza, não está preparada para a tarefa, disseram.
“Ainda não há limpeza, cumprimento de medidas de ‘emergência’, transparência e responsabilidade pelos esforços fracassados, nem por parte das empresas de petróleo nem do governo nigeriano”, disseram os grupos.
A Shell insiste que cumpriu seus próprios compromissos diretos, dizendo em resposta por e-mail que outros aspectos do plano de remediação “precisam de esforços de várias partes interessadas coordenados pelo governo federal da Nigéria”.
A Shell, ExxonMobil, Chevron, Total e Eni operam joint ventures com a estatal Nigerian National Petroleum. A Shell sozinha possui mais de 6 mil quilômetros de oleodutos e mais de mil poços produtores.
No escritório de Port Harcourt do Youths and Environmental Advocacy Centre, as conversas frequentemente focam na importância decrescente do petróleo e no que isso significará para a reconstrução da região.
“Estamos preocupados que um dia o governo declare que não há dinheiro e nos abandone à nossa própria sorte”, disse Fyneface Dumnamene, diretor-executivo do grupo. “Estamos nos esforçando para ver quanto de limpeza pode ocorrer enquanto ainda há dinheiro.”