“O setor privado precisa ter participação na conservação da natureza”: especialistas defendem relevância econômica do meio ambiente
Há décadas, os cientistas alertam para os riscos e impactos da crise climática. Hoje, mais do que nunca, cada vez mais evidências corroboram que ela está em curso. No Brasil, por exemplo, as notícias relacionadas a estiagens, enchentes, inundações e incêndios florestais tornaram-se corriqueiras.
Além de serem uma tragédia social e ambiental, os fenômenos climáticos têm também grandes impactos econômicos.
Apesar disso, os investimentos para proteção ambiental são de menos de 0,2% do PIB, de acordo com dados do The Little Book of Invest in Nature.
Segundo o gerente de economia da biodiversidade da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, Guilherme Karam, esse número deveria ser pelo menos seis vezes maior para que as metas globais sejam atingidas. E, para isso, é necessário recursos do setor privado.
“Não é possível chegar nessa cifra só olhando para investimentos públicos e filantrópicos. Não seria suficiente. A necessidade das empresas jogarem junto para atingir metas, que no final das contas vão fazer com que suas atividades sigam possíveis, é a melhor estratégia”, disse em entrevista ao programa Money Minds, do Money Times.
Karam avalia que, por muitos anos, a temática ambiental foi tratada de forma separada da econômica, como se fosse um impeditivo para o desenvolvimento da sociedade. Hoje, ele acredita que essa visão vem sendo superada.
“Os negócios e as cadeias produtivas dependem dos recursos naturais, dos serviços ecossistêmicos que a natureza oferece gratuitamente, como água em quantidade e qualidade e os polinizadores das culturas agrícolas. Tudo isso é fornecido gratuitamente pela natureza e faz com que o negócio seja possível. Existe uma relação de dependência e, por isso, o setor privado precisa ter uma participação na conservação da natureza”, afirmou.
Além da questão de sobrevivência do próprio negócio pela relação de dependência com a natureza, Karam enfatiza que as empresas que se posicionam desta forma se colocam para o mercado de maneira “muito mais positiva”.
“São empresas de vanguarda, que já estão saindo na frente. Tem uma questão reputacional, de comunicação, de imagem. Existem consumidores no Brasil que já olham para isso de forma bem direta. Querem entender como é a cadeia de valor da empresa, de onde vem o produto consumido, quais os aspectos de sustentabilidade por trás disso”, disse.
Na mesma linha, a gerente de projetos da Fundação Grupo Boticário, Juliana Baladelli Ribeiro, avalia que essas empresas “deixam um legado para a sociedade”.
“Não podemos mais fazer investimentos que não estejam levando em consideração essa lente [climática]”, defende.
Como o investidor pessoa física pode ajudar os investimentos voltados para o meio ambiente?
Guilherme Karam afirma que novas ferramentas para os investidores que se interessam pela temática ambiental estão surgindo e possibilitando a “democratização” dos investimentos.
“Estamos vivendo um bom momento. O que falta é ganhar escala e isso passar a ser o ‘mainstream’ da história, não um tipo nichado de investimento que representa um pouco do total.”
Dentre as opções para os investidores, Karam cita as carteiras de investimentos lideradas por empresas como a Sitawi e a Trê Investimentos que fazem uma curadoria de negócios que geram impacto ambiental positivo.
“É um empréstimo coletivo. Coloco o recurso ali, com condições de retorno combinadas que estão bem equivalentes às condições de renda fixa que encontramos no mercado financeiro convencional”, explicou.
Além disso, existem diversos fundos voltados para a temática ESG disponibilizados por diferentes instituições financeiras.
Como atua a Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza?
A Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza surgiu em 1990 com o propósito de conservar a biodiversidade brasileira, “com o olhar dos benefícios sociais e econômicos que essa ação entrega”, explica Karam.
Uma das estratégias da Fundação tem como pano de fundo contribuir para uma menor vulnerabilidade da sociedade às mudanças climáticas, utilizando a própria natureza para isso.
“É o que chamamos de Solução Baseada na Natureza ou adaptação baseada em ecossistemas. Temos dois focos principais: a segurança hídrica, com um trabalho para conservar mananciais dos quais regiões metropolitanas dependem, conservando e recuperando por meio de parcerias colaborativas com diversas instituições, hoje materializada no movimento Viva Água.
Também temos uma outra estratégia voltada para a resiliência costeiro-marinha. Ou seja, como podemos apoiar municípios brasileiros, costeiros, a serem menos vulneráveis a eventos climáticos extremos, usando sempre a recuperação das áreas naturais que deveriam estar presentes como estratégia de redução de impacto”, explicou.
A gerente de projetos da Fundação do Grupo Boticário, Juliana Baladelli Ribeiro, estava na COP29, realizada no Azerbaijão entre os dias 11 e 23 de novembro.
Lá, ela apresentou o programa Solução Natureza que terá em uma das frentes de atuação uma incubadora de projetos voltados para a resiliência climática.
Trata-se da continuação de um projeto que surgiu há dois anos em parceria com o WRI Brasil, em que foi organizado um acelerador de Soluções Baseadas na Natureza para cidades.
Foram selecionados 10 projetos que receberam apoio técnico e mentoria e foram apresentados para potenciais investidores. “Dos 10 projetos que ajudamos a acelerar, 4 conseguiram financiamento no valor de mais de R$ 55 milhões”, celebrou Juliana.
“Os bancos, os principais financiadores de desenvolvimento urbano estão apostando nessas ações, têm interesse em conhecer esses projetos. O que buscamos é encontrar espaço e fechar esse gap para que cidades com bons projetos encontrem financiadores com recursos”, finalizou.
Para conferir a entrevista completa com os membros da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza no programa Money Minds, clique no player abaixo: