O que fez o dólar disparar e fechar no maior valor em mais de um mês?
O dólar avançou acentuadamente frente ao real nesta quinta-feira, com investidores retomando movimento de busca por proteção em meio a riscos de que o Banco Central concorde com uma revisão das metas de inflação do Brasil após críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e aliados à condução da política monetária.
A moeda norte-americana à vista teve alta de 1,48%, a 5,2736 reais na venda, maior patamar para encerramento desde 5 de janeiro (5,3527) e ficando acima de suas médias móveis lineares de 50, 100 e 200 dias.
Os ativos brasileiros sofreram piora expressiva no final da manhã depois de a agência Bloomberg informar, citando fontes, que a equipe econômica do governo estuda antecipar uma revisão das metas de inflação do país na tentativa de acalmar as tensões entre o Banco Central e Lula.
Antes disso, coluna do site Metrópoles havia afirmado que o presidente do BC, Roberto Campos Neto, sinalizou a integrantes do governo que defenderá uma alteração na meta de inflação de 2023 para 3,5%, contra os atuais 3,25%.
O BC não respondeu imediatamente a pedido de comentário da Reuters. O Ministério da Fazenda afirmou que não antecipa pautas nem temas que serão discutidos no Conselho Monetário Nacional.
De acordo com participantes do mercado, caso os boatos se confirmem e os objetivos de inflação do país sejam elevados com a conivência de Campos Neto, isso seria interpretado como o Banco Central cedendo a pressões políticas, o que abalaria a credibilidade da independência da autarquia e afastaria investidores estrangeiros do mercado local.
“A notícia de que o próprio Campos Neto poderia aceitar mudar essa meta (de inflação) poderia mostrar uma fraqueza da autonomia do BC em meio a essa pressão política, e isso naturalmente aumenta o risco do país e a falta de confiança do investimento estrangeiro”, disse Felipe Izac, sócio da Nexgen Capital.
“Se a gente começar a ver o BC cedendo às vontades do governo, isso vai ser muito prejudicial para o real.”
O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, disse nesta quarta-feira desconhecer discussão sobre mudança de meta de inflação, mas a declaração não teve qualquer efeito sobre a valorização do dólar frente ao real.
Agravando ainda mais as preocupações de investidores, o líder do governo na Câmara dos Deputados, José Guimarães (PT-CE), fez coro nesta quinta-feira às críticas recentes de Lula ao atual patamar da taxa de juros, de 13,75% ao ano, e disse considerar uma “boa ideia” chamar o Campos Neto para debater o tema no Congresso.
“Acredito que o principal fator de atenção do mercado segue sem dúvida sendo a artilharia de Lula contra o BC, fogo amigo esse que já está sendo propagado pelo próprio Congresso também”, disse à Reuters Fernando Bergallo, diretor de operações da FB Capital. “Novamente, estamos deixando de ‘surfar’ em uma onda positiva no exterior, de inclinação a risco, por conta de fatores locais.”
No exterior, o índice que compara o dólar a uma cesta de seis pares fortes caía 0,23% nesta tarde, em meio à percepção de que as autoridades do Federal Reserve não endureceram muito seus discursos sobre a política monetária na esteira de fortes dados de emprego norte-americanos da semana passada.