O que falta para a criptoeconomia brasileira evoluir? Regulação ajuda, mas…
A perda de validade da Medida Provisória (MP) 1.303/2025 representou mais do que uma vitória pontual: foi um marco para a consolidação do diálogo institucional e da maturidade regulatória do ecossistema de criptoativos, também chamado tecnicamente de criptoeconomia, no Brasil.
O texto, que previa aumento de tributação sobre criptoativos, gerava distorções relevantes, como a eliminação da isenção mensal de R$ 35 mil e a retenção de imposto na fonte em operações como o staking. A reação coordenada entre setor público e privado mostrou que é possível buscar arrecadação sem comprometer a inovação e a competitividade do setor.
Desde o anúncio da MP, a ABcripto manteve uma interlocução técnica constante com o governo e o Congresso, apresentando dados e argumentos sólidos sobre os efeitos negativos que a medida traria para o mercado formal e para milhões de investidores brasileiros. Esse diálogo foi essencial para demonstrar que a tributação desproporcional não fortalece o Estado apenas desloca a atividade para ambientes informais ou plataformas estrangeiras fora do alcance da regulação nacional.
A derrubada da MP reforça que o caminho mais eficaz é aquele construído com previsibilidade, segurança jurídica e escuta ativa entre governo e setor produtivo.
Mas o debate não termina aqui. A queda da MP abre espaço para que o foco avance sobre pautas estruturantes, como a efetivação da segregação patrimonial das corretoras de criptoativos — uma demanda antiga do mercado e essencial para a proteção do investidor.
O projeto, aprovado pela Câmara dos Deputados em novembro de 2024, determina que os ativos dos clientes devem ser mantidos separados dos recursos próprios das plataformas, prevenindo riscos de insolvência e garantindo maior transparência nas operações.
Proteção à criptoeconomia nacional
A segregação patrimonial é mais do que uma formalidade: é um divisor de águas para a segurança do ecossistema.
Em mercados maduros, essa prática é condição básica para que fundos institucionais e investidores de maior porte atuem com confiança. No Brasil, sua implementação permitirá que o país avance para uma regulação mais sólida e eficiente, reduzindo riscos sistêmicos e ampliando o acesso de novos players. Trata-se de um passo fundamental para consolidar o ciclo de amadurecimento iniciado com a Lei 14.478/2022, que reconheceu oficialmente os prestadores de serviços de ativos virtuais.
Outro avanço decisivo para a evolução da criptoeconomia vem com a regulamentação publicada pelo Banco Central, um marco histórico que define as regras para o funcionamento das empresas do setor.
O conjunto das Resoluções BCB nº 519, 520 e 521, que entram em vigor em 2 de fevereiro de 2026, estabelece critérios claros para autorização, governança, segurança e transparência das prestadoras de serviços de ativos virtuais agora denominadas Sociedades Prestadoras de Serviços de Ativos Virtuais (SPSAVs). Essas empresas poderão atuar como intermediárias, custodiante ou corretoras, integrando o setor de criptoativos ao sistema financeiro nacional.
As normas também enquadram operações com criptoativos, como pagamentos internacionais e transações com stablecoins, dentro das regras do mercado de câmbio e capitais internacionais. O objetivo é garantir maior segurança jurídica, padronização e integração do setor à economia formal.
Esse é um passo essencial para que o Brasil avance de um mercado em consolidação para um ecossistema institucionalizado, capaz de atrair investimentos e ampliar sua relevância global.
O marco é positivo e necessário, mas também traz desafios. O prazo de adequação curto e o capital mínimo exigido — cerca de dez vezes superior ao valor sugerido na consulta pública — geram preocupação entre empresas e investidores. É fundamental que a regulação fortaleça a confiança e a integridade do mercado sem criar barreiras desproporcionais que limitem a competitividade ou afastem novos entrantes.
E não para por aí…
Por outro lado, há avanços importantes.
A ênfase do Banco Central em certificações e comprovações de conformidade, especialmente nas áreas de prevenção à lavagem de dinheiro (PLD/FT) e segurança operacional, é um sinal de maturidade regulatória. A ABcripto já atua nesse sentido, com iniciativas como o Selo ABcripto de Conformidade em Custódia e PLD/FT e a ferramenta Contra Golpe, voltada à prevenção de fraudes e à proteção do investidor — esforços que reforçam o compromisso do setor com a ética e a transparência.
O Brasil tem uma oportunidade única de consolidar-se como referência global em regulação responsável, capaz de proteger investidores, estimular a inovação e impulsionar a economia digital. Hoje, o país já conta com cerca de 38 milhões de CPFs cadastrados em exchanges registradas na Receita Federal, o que demonstra o alcance social e econômico da criptoeconomia. O desafio agora é transformar essa base sólida em um ambiente ainda mais seguro, competitivo e sustentável.
A agenda regulatória deve ser contínua e colaborativa, garantindo que a evolução tecnológica venha acompanhada de supervisão efetiva e diálogo institucional. O sucesso dessa construção depende da atuação conjunta entre Estado, empresas, entidades de classe e investidores, todos comprometidos com o mesmo objetivo: consolidar um mercado íntegro, confiável e inovador.
A criptoeconomia brasileira já provou sua capacidade de se organizar, propor soluções e dialogar com as instituições. O que falta para ela evoluir de forma definitiva é a consolidação
de uma regulação moderna, estável e proporcional — que valorize quem cumpre regras, estimule a inovação e mantenha o Brasil na vanguarda global da transformação financeira.