O que esperar da Rússia de Putin, após a provável vitória na Ucrânia?
Em menos de 48 horas, Vladmir Putin não apenas autorizou a invasão da Ucrânia pela Rússia como também está muito perto de tomar a capital do país, Kiev. Ainda que a tensão entre os países se estendesse há meses, o presidente russo deu início a uma guerra — a principal desde a Guerra Fria, dizem os especialistas — de uma hora para outra.
Para o professor de relações internacionais Leonardo Trevisan, da ESPM, o mundo está assistindo a uma das intervenções militares mais rápidas, pontuais, e indiscutivelmente eficientes da história recente: os russos conseguiram, em questão de horas, imobilizar as forças armadas ucranianas.
“Trata-se de uma guerra, mas é uma guerra com alvos bem definidos. Como isso já tem um roteiro pré-estabelecido, é possível especular quais serão os próximos passos”.
Trevisan avalia que, com o cerco fechado, sobra pouca coisa para servir como “moeda de troca” por parte da Ucrânia. É muito difícil que, a essa altura, a situação possa se reverter de alguma forma. O professor afirma que o que poderia ser suficiente há duas semanas, hoje não é mais, como por exemplo, a não-entrada da Ucrânia na Otan.
“A partir do momento em que a Otan declarou que não enviaria soldados, a partir do momento em que o Biden deixou isso claro, a sorte da Ucrânia está por ela mesma. Isso é definitivo. Portanto, nós vamos repetir a máxima de Tucídides [historiador da Grécia Antiga]: cuidado com as guerras, porque os fortes fazem o que querem e os fracos recebem o que merecem”.
Rússia deve derrubar Zelensky do poder na Ucrânia
Para o professor Rodrigo Gallo, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), é improvável que o território da Ucrânia seja anexado à Rússia porque o custo político embutido na decisão seria muito alto.
Ele acredita na manutenção do reconhecimento da independência das províncias separatistas, legitimada por Moscou, ainda que a comunidade internacional questione a decisão.
Sobre o restante do território russo, Gallo forma consenso com o restante dos especialistas da área: o cenário mais provável é a dissolução do governo de Zelensky. O presidente ucraniano chegou a dizer a líderes europeus, durante reunião, que aquela poderia ser a última vez em que os presentes “o veriam vivo”.
“Digo isso com base em eventos similares que vimos no sistema internacional em outras ocasiões. A invasão norte-americana do Iraque, após o 11 de Setembro, resultou em algo muito semelhante. Saddam Hussein foi deposto e se buscou um governo de coalizão, que tentasse amenizar alguns problemas internos e buscasse se alinhar ao Ocidente”, explica Gallo.
Hussein Kalout, conselheiro consultivo internacional do Núcleo América do Sul do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) e professor em Harvard, também diz que, além de menos custoso, instalar um governo pró-Moscou seria o “melhor cenário” para a Rússia.
“Em termos internacionais, seria o menos traumático e menos custoso, porque a Rússia poderia, sempre, argumentar que a Ucrânia continua independente e com governo próprio, ainda que pró-Rússia. É a opção mais eficaz”, diz Kalout.
O professor Vinícius Guilherme Rodrigues, da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) e Fundação Getulio Vargas (FGV), acha muito difícil que o presidente ucraniano possa ser “salvo” de alguma forma.
“Seria surpreendente, porque tudo indica que deve acontecer [sua queda]; foi muito rápido. O que pode acontecer é um período de instabilidade, de resistência [sob um novo governo], ainda que tenha acordo. Se ele sair vivo dessa, pode ser que seja preso. Putin pode até aceitar uma rendição, mas não um governo de Zelensky que se colocou contra a Rússia e buscou aproximação com o Ocidente”, comenta Rodrigues.
Mais invasões da Rússia à vista?
A dúvida que não quer calar nos últimos dias é se a Ucrânia pode ser a primeira de mais invasões que estão por vir, e se Putin pode mirar outros países que antes foram repúblicas soviéticas.
Ainda hoje, por exemplo, durante coletiva de imprensa, Maria Vladimirovna Zakharova, representante oficial do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia, declarou que Suécia e Finlândia podem enfrentar “sérias consequências políticas e militares se entrarem para a Otan.
Rodrigues diz que a fala da porta-voz russa é “chocante”, que mostra que o presidente russo estaria “com a faca nos dentes”. “A própria Rússia já invadiu a Finlândia durante a Segunda Guerra. Já houve a incorporação do país por parte dos russos. [Isso] É algo muito mais preocupante para a Otan do que a invasão da Ucrânia, por exemplo. Então não é uma preocupação descartada. Mas [é diferente porque] se você tem uma guerra entre Estados Unidos/Otan e Rússia, você tem uma guerra mundial”.
Os especialistas ponderam, no entanto, que é improvável que isso aconteça. Para Gallo, da FESPSP, o caso da Ucrânia é “muito particular”, e ele não acredita que haverá uma escalada de violência tão grande que possa resultar em mais invasões. Alguns fatores pesam no caso do país do leste europeu, que vão desde a tentativa de impedir que Otan abrace o país até narrativa de “desnazificação do território”.
“Claro que existe um temor da Rússia de que a Otan abrace outras ex-repúblicas soviéticas, que criaria incômodos para a agenda russa de segurança, mas eu acredito que, passado esse momento de invasão, com as novas peças se assentando no tabuleiro mundial, as tensões comecem a se acomodar novamente”, avalia Gallo.
O professor da FESPSP prossegue, dizendo que, “provavelmente, se houvesse negociações para evitar futuras situações como esta, talvez a Otan cedesse em algumas de suas questões de expansão territorial. Acho que tudo caminha para esta direção. Mas tudo depende, também, das contra-ações do Ocidente, das sanções que serão aplicadas”.
Trevisan, da ESPM, avalia que isso também não aconteceria, justamente porque algumas das ex-repúblicas soviéticas integram a Otan, ou seja, possuem o respaldo da aliança. Uma invasão teria uma resposta militar imediata, sobretudo dos Estados Unidos. No entanto, ele prevê que um possível acordo selado por Putin contemple justamente o acesso que esses países podem ter a alguns armamentos.
“[A invasão] levantará uma discussão sobre segurança europeia. O que isso significa: que tipo de armamento será entregue a países que foram repúblicas soviéticas [e hoje integram a Otan]? Acho que isso vai estar em um possível acordo [da Rússia]. Países muito fronteiriços com a Rússia, como Polônia, Eslováquia e Hungria não vão poder receber esse tipo de armamento da Otan, ainda que sejam parte do grupo. Essa deve ser uma moeda de troca a fim de garantir o grau de neutralidade da Ucrânia”.
Nova ordem mundial?
Sanções foram impostas, a comunidade internacional condenou a invasão, e ainda assim, Putin se manteve firme. O que os especialistas apontam é que o russo sai fortalecido do conflito — já Biden sai enfraquecido. Para Trevisan, da ESPM, é indiscutível que o mundo vive hoje um “redesenho e uma nova ordem mundial”.
Kalout, do Cebri, também lembra que a Rússia foi subestimada sobre o seu papel no cenário internacional. “A Rússia pode não ser uma potência econômica, mas é importante militarmente e pode se colocar no cenário global, quando seus interesses estão em jogo. O Ocidente e Biden não podem cometer o mesmo erro de Obama, que acreditava que a Rússia não era mais uma potência mundial, e sim regional”.
Colaborou Márcio Juliboni.