O que é a lei antidesmatamento da UE e como ela afeta o Brasil e o agro na prática?
O Parlamento Europeu adotou em 19 de abril o texto final da “lei antidesmatamento“, que visa proibir a comercialização e importação de produtos do agro (gado, café, óleo de palma, madeira, borracha, soja e cacau) oriundos de desmatamento ocorridos após 2020.
De acordo com a União Europeia (UE), a medida tem o objetivo de preservar florestas, a biodiversidade e combater as mudanças climáticas.
No entanto, alguns países, com destaque para o Brasil, têm se posicionado contra a lei proposta pela UE.
Na semana passada, 17 países em desenvolvimento, incluindo o Brasil, encaminharam uma carta às autoridades do Parlamento Europeu manifestando preocupações quanto à lei.
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Segundo os países produtores, a imposição desconsidera “legislações nacionais e mecanismos de certificação dos países produtores em desenvolvimento, assim como os esforços no combate ao desmatamento e os compromissos assumidos em foros multilaterais”.
O que a lei antidesmatamento da UE implica ao agro do Brasil?
Na visão de Leonardo Munhoz, doutor em Direito Ambiental e pesquisador do Observatório de Bioeconomia da Fundação Getúlio Vargas, as medidas exigidas pela UE deve gerar insegurança ao produtores, já que a lei quer garantir não apenas que a produção seja ambientalmente correta, mas também atestar que as propriedades não contem com conflitos ambientais e socioeconômicos.
“Para cumprir com a exigência, será necessário ser mais do que apenas ‘verde’. A princípio, a futura norma exige critérios complexos de análise, os quais terão custos ainda indefinidos e até um possível fator de subjetividade. Nisso, é provável que pequenos proprietários sentirão mais os efeitos da exigência externa, enquanto grandes proprietários têm maior estrutura. Dessa forma, o pequeno terá acesso dificultado ao mercado externo e à sua organização. No entanto, por parte de cooperativas, ganha relevância neste cenário”, explica Munhoz.
O pesquisador da FGV destaca que a agenda ambiental no comércio pode camuflar alguma espécie de protecionismo ou interesse. Dessa forma, apesar de ter sido criada para reduzir a degradação florestal, a lei trata de uma imposição unilateral.
“Essa imposição fere a soberania do ordenamento nacional de outros países e da gestão do seu território, sem estar de acordo com os princípios, normas e precedentes do Direito Internacional e do Comércio. Resta agora aguardar a publicação e detalhamento da norma por parte da UE, dos Estados Membros e, como os países exportadores, inclusive o Brasil, vão se adaptar a essas exigências, diz.
Desmatamento no Brasil e impactos para agricultura familiar
Com base nos dados do Relatório anual do Mapbiomas, 99% da área desmatada no Brasil em 2021 apresentam indícios de irregularidade, que são caracterizados pela supressão da vegetação em áreas protegidas por lei (terras indígenas e unidades de conservação), áreas de reserva legal e áreas sob embargo, além de áreas de plano de manejo florestal sustentável.
Dessa forma, na prática, pode-se dizer que quase a totalidade do desmatamento no Brasil é ilegal (somente 1,4% do desmatamento foi legal em 2021).
“Portanto, a maioria dos produtores em conformidade com o Código Florestal brasileiro não deve temer barreiras da norma europeia, tendo a oportunidade de demonstrar a sua contribuição para a preservação e recuperação das florestas – se distanciando do estereótipo equivocado de desmatador, bem como o Código Florestal de se tornar um selo verde no que se refere a produção sustentável de produtos agropecuários no mundo. Nisso, o combate ao desmatamento ilegal se torna ponto-chave na defesa das exportações brasileiras”, explica.
Por outro lado, um ponto de preocupação que surge com a exigência ambiental, segundo Munhoz, fica para os reflexos na agricultura familiar e pequenos produtores, já que que devido seu baixo impacto ambiental, podem realizar com maior frequência a conversão florestal.
De acordo com o censo agropecuário de 2017, a agricultura familiar corresponde a 77,6% dos estabelecimentos agropecuários do Brasil (3,69 milhões de propriedades), com uma área de 80,9 milhões de hectares – 23% da área do território rural.
Por fim, a lei antidesmatamento entrará em vigor 18 meses após a publicação do Parlamento Europeu, estando prevista assim para outubro de 2024.