Gente S/A

O que as mães podem ensinar às empresas, antes que bata aquele arrependimento?

12 maio 2024, 9:00 - atualizado em 10 maio 2024, 19:50
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“Letícia me disse uma frase que ficou marcada para sempre em minha memória, mas cujo real teor e profundidade só consegui compreender muitos anos depois”, conta Bruna Charifker Vogel (Piaxabay)

Dia desses, minha filha pediu para lermos juntas o livro Memórias da Emília, de Monteiro Lobato. Não lembrava a última vez que tinha lido algo de Monteiro Lobato e já havia esquecido como ele é genial, perspicaz e divertido (1). A cada quatro ou cinco linhas, eu dava risada – às vezes uma gargalhada, outras um sorrisinho de canto de boca.

No primeiro capítulo, Emília decide escrever suas memórias, mas encontra uma primeira grande dificuldade: como começar?

“Memórias da Marquesa de Rabicó

− Agora escreva: Capítulo Primeiro.

O Visconde escreveu e ficou à espera do resto.

Emília, de testinha franzida, não sabia como começar.

Isso de começar não é fácil. Muito mais simples é acabar. Pinga-se um ponto final e pronto; ou então escreve-se um latinzinho: FINIS. Mas começar é terrível. Emília pensou, pensou, e por fim disse:

− Bote um ponto de interrogação; ou, antes, bote vários pontos de interrogação. Bote seis…

O Visconde abriu a boca.

− Vamos, Visconde. Bote aí seis pontos de interrogação – insistiu a boneca. – Não vê que estou indecisa, interrogando-me a mim mesma?

E foi assim que as “Memórias da Marquesa de Rabicó” principiaram de um modo absolutamente imprevisto:

Capítulo Primeiro

??????”

(Fonte: LOBATO, Monteiro. Memórias da Emília. São Paulo: Ciranda Cultural, 2019.)

Nunca fui boa em física nos tempos de escola – muito menos depois –, mas lembro da primeira lei de Newton: a tendência dos corpos é permanecer em inércia ou sem mudança de velocidade ou direção. Mais ou menos isso.

Ou seja, iniciar uma ação – seja ela um texto, um projeto, uma atividade física ou mesmo uma conversa – muitas vezes é de fato difícil e exige uma energia extra (mental, física e/ou emocional).

Lembrando sempre que dificuldade é algo relativo: o que para mim pode demandar um esforço imenso, para outra pessoa pode ser algo corriqueiro e indolor. Empatia é o nome do jogo, sempre!

Ser mãe numa empresa: “Se arrependimento matasse…”

O trecho acima é parte de um conteúdo que escrevi e publiquei em agosto de 2022 na newsletter de comunicação interna da Empiricus, onde trabalho. E foi justamente essa história que me veio à mente quando decidi escrever a coluna de hoje: como começar um texto de celebração do Dia Das Mães, se eu mesma tenho “mixed feelings” em relação a esta data? Pior ainda, como celebrar qualquer coisa diante do que estamos testemunhando no Rio Grande do Sul?

O que me fez sair da inércia foi a lembrança de outra história, desta vez vivenciada em 2016. Eu estava grávida do meu segundo filho e trabalhava numa instituição pequena que, na época, havia recebido um prêmio internacional e, portanto, estava num momento incrível de crescimento e oportunidades – o que se traduzia, também, em muitas demandas.

Eu, no entanto, não consegui gerir minhas emoções e inseguranças e pedi demissão porque pensei comigo mesma: se grávida eu já estou cansada e acho que não estou dando conta nem do trabalho, nem da minha filha, imagina quando meu filho nascer?

Uma das diretoras da instituição, quando soube do meu pedido de demissão, veio conversar comigo. Ela e eu éramos as únicas mães do escritório. Letícia me disse uma frase que ficou marcada para sempre em minha memória, mas cujo real teor e profundidade só consegui compreender muitos anos depois.

“Bruna, a empresa precisa aprender a lidar com a maternidade e você pode ser a pessoa que vai nos ajudar nessa jornada. Você não quer repensar sua decisão e nos dar essa oportunidade?”

Eu não quis. Se arrependimento matasse…

Enfim, o artigo de hoje é em homenagem a você, Letícia. Saiba que sua visão, sabedoria e sororidade me marcaram para sempre.

_____________________

(1) Sei que há muitas críticas à Lobato, especialmente em relação a conteúdos racistas em sua obra. No entanto, simplesmente bani-la é tão eficaz quanto destruir as pirâmides do Egito, que foram construídas por escravos. Para mim, mais vale utilizar seus textos como fonte de reflexão e debate.

Mãe, socióloga e eterna aprendiz. Por mais de 15 anos, trabalhei com análise, fortalecimento e desenvolvimento de políticas públicas de respeito e promoção de direitos fundamentais no Brasil e nos EUA. Depois de um sabático de 6 anos dedicados à maternidade, fiz transição de carreira para o mercado financeiro, atuando nas áreas de comunicação interna, DEI, employer branding e cultura organizacional. Sou Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo e Mestre em Estudos Latino-Americanos e Caribenhos pela New York University.
bruna.vogel@autor.moneytimes.com.br
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Mãe, socióloga e eterna aprendiz. Por mais de 15 anos, trabalhei com análise, fortalecimento e desenvolvimento de políticas públicas de respeito e promoção de direitos fundamentais no Brasil e nos EUA. Depois de um sabático de 6 anos dedicados à maternidade, fiz transição de carreira para o mercado financeiro, atuando nas áreas de comunicação interna, DEI, employer branding e cultura organizacional. Sou Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo e Mestre em Estudos Latino-Americanos e Caribenhos pela New York University.
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