O papel do ajuste fiscal no controle da inflação
As contas públicas raramente são usadas como ferramenta de controle da inflação no Brasil. Este papel costuma recair quase que exclusivamente sobre os juros, definidos pelo Banco Central. Não à toa, quando os governos gastam excessivamente, os juros precisam ficar acima do normal para compensar.
Recentemente, o governo tem feito o esforço de reduzir o tamanho do déficit público, o que poderia contribuir para conter as pressões de inflação e abrir espaço para juros menores. No entanto, além da magnitude do ajuste ser insuficiente, a forma com que esse ajuste tem sido feito pode acabar por agravar a alta nos preços.
No ano passado, o déficit nas contas foi expressivo, de R$ 230 bilhões, ou 2,1% do PIB. Mesmo tirando alguns gastos excepcionais, o resultado ainda chama a atenção, totalizando R$ 117 bilhões ou 1,1% do PIB. Para este ano, as projeções são um pouco melhores. O governo espera atingir um déficit primário de aproximadamente R$ 70 bilhões.
O ajuste nas contas é bem-vindo, mas ainda insuficiente para alimentar expectativas de estabilização da dívida pública nos próximos anos. Além disso, a maior parte desse ajuste tem sido realizado taxando setores poupadores ou com baixa propensão a consumir, particularmente empresas privadas, e elevando transferências de renda a setores com elevada propensão ao consumo, como famílias de baixa renda, por exemplo.
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Foram aprovadas várias as medidas de aumento de receita que reduzem a poupança privada, a maioria envolvendo a tributação de empresas e de produtos financeiros. Além dessas, a taxação de importados ajuda a encarecer os produtos nacionais, que agora enfrentam menos competição.
Não é pouca coisa. Todas as medidas somadas equivalem a aproximadamente R$ 130 bilhões no ano, uma despoupança de empresas e investidores privados para financiar um aumento de gastos correntes.
No âmbito das despesas, as que mais cresceram foram aquelas que atingem um público com alta propensão ao consumo. Destacam-se os aumentos dos gastos com previdência, BPC, créditos extraordinários direcionados ao desastre no RS e regras de aumento real do salário mínimo.
Além do impacto do aumento de gastos sobre a atividade econômica e o mercado de trabalho, essas transferências têm sido tão significativas que não só contribuíram para um forte aumento do consumo como também permitiram um expressivo aumento da poupança das famílias neste ano.
Alguns números ilustram bem este quadro. No acumulado até julho, ante o mesmo período do ano passado, a renda bruta das famílias, que inclui também programas sociais, cresceu 8,5% já descontada a inflação. As vendas no varejo cresceram cerca de 5,0%, bem acima do PIB, e a poupança das famílias está no maior patamar histórico, exceto pelo período da pandemia. Todos esses números seriam muito positivos se não fossem sinais de que a economia, há tempos, tem operado muito acima da sua capacidade.
A inflação continua com muita dificuldade para caminhar para o centro da meta. Com razão, o Banco Central precisou voltar a subir juros. A inflação de serviços, reflexo das condições de emprego e renda, segue rodando acima de 5,0% ao ano em diversas medidas. Já a inflação de bens, que estava bastante contida após o salto de preços na pandemia, tem voltado a subir.
Como é recorrente na história do país, essa conta recairá sobre os juros. A atual política fiscal é insuficiente para a estabilização da dívida, eleva a percepção de risco do país e encarece os ativos financeiros, como os juros. É também ineficiente para a inflação, já que tem se tributado setores poupadores e transferido os recursos para setores consumidores.
Com um setor público fortemente deficitário, a necessidade de poupar recai sobre o setor privado, que é cada vez menos incentivado a fazê-lo, obrigando o Banco Central a manter os juros nas alturas. Os efeitos negativos sobre o crescimento econômico são apenas questão de tempo.