O novo Chanceler e o risco de trocar 6 por meia dúzia
No fatídico outubro de 2018, lamentei nesse espaço a falta propostas e priorização da agenda de política externa e comércio exterior por parte dos Presidenciáveis. Durante a campanha presidencial ou mesmo em programas de governo dos diferentes candidatos saltou aos olhos a falta de detalhamento de ideias para o posicionamento do Brasil em relação ao mundo – ao comércio global, à economia internacional e às discussões políticas travadas além mar, mas de tamanha relevância para o país.
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Foi, portanto, com entusiasmo que acompanhei os primeiros sinais que traziam a agenda internacional ao primeiro plano já nas discussões iniciais do governo recém eleito de Jair Bolsonaro. A priorização dada a abertura comercial e ao papel do Brasil na economia global na formação do Ministério da Economia surpreendeu positivamente e foi refletida na estruturação do novo órgão.
Sob a batuta do Ministro Paulo Guedes, foi criada uma Secretaria Especial dedicada ao tema (Comércio Exterior e Assuntos Internacionais), com o objetivo de liderar agendas de cunho internacional, cuja a até então coordenação por diferentes Ministérios (como MDIC, Fazenda e Planejamento) tinha como principal marca o constante e por vezes conflituoso desencontro, e a consequente ineficácia. Era comum observar esforços hercúleos de um Ministério na direção da abertura de certos setores da economia à participação internacional, por exemplo, para apenas deparar-se com o aumento de subsídios aos atores domésticos determinados pelo Ministério vizinho.
Gostaria muito de dizer que é na mesma linha que leio os primeiros sinais do novo Ministro de Relações Exteriores – Ernesto Araujo. Porém, acredito que dizê-lo seria tanto desonestidade quanto ingenuidade de minha parte. Com carreira até então discreta no serviço diplomático brasileiro, Araujo não poupou esforços para se mostrar-se presente desde sua indicação como Chanceler, sempre destacando seu foco principal no novo governo: o de libertar a política externa brasileira e o Itamaraty das amarras ideológicas que até então fadavam o Brasil à mediocridade e até mesmo ao “apequenamento” global.
Devo admitir que Araujo vai direto a um ponto essencial ao defender uma renovação no jeito de fazer política externa no Brasil, que em minha opinião há muito faria bem um “shaking up”. Como defendi em outubro, a estratégia brasileira no campo internacional dos últimos 15 anos provou-se no mínimo ineficaz econômica e politicamente. Ao focar no posicionamento econômico diplomático sul-sul e o alinhamento comercial regional via Mercosul, o Brasil assistiu à fragmentação política e econômica entre seus parceiros regionais (a exemplo do crescente número de acordos comerciais bilaterais firmados entre países latino americanos e o resto do mundo, e a criação da Aliança do Pacífico), à aproximação com países de pequena relevância comercial (como Cuba e Israel) e à efetiva redução da participação do comércio internacional em sua economia – indo de 24% do PIB em 2004 para 18% do PIB em 2017, comparado a 48,2% no Chile e 33,5% na China, por exemplo.
Porém, é perigosa a associação do Ministro de tais feitos à falta de defesa de interesses nacionais na política externa, ou à ausência de alinhamento com valores e ideais. Em seu discurso de posse, ao mesmo tempo em que defendeu o maior envolvimento do Brasil em fóruns globais como o G20 e a OMC, o novo Chanceler afirmou categoricamente que “Não estamos aqui para trabalhar a ordem global. Aqui é o Brasil ”.
Indo além, ao criticar o fluido conceito de globalismo – segundo o qual, grosso modo, a estrutura global caracterizada por instituições como FMI, Banco Mundial e ONU, além de acordos internacionais como o Acordo de Paris na área climática, tem como objetivo destruir identidades nacionais em prol de uma sociedade global com valores morais e éticos duvidosos – o Ministro defende que o Brasil passará a fazer negócios pautado em ideais e valores.
Admito não saber ao certo o que isso significa, e temer que seja apenas trocar, como diria o ditado, “6 por meia dúzia”. O principal equívoco da estratégia de política externa brasileira nos últimos anos não foi o foco na ideologia errada. E sim, a ausência da formulação de uma agenda internacional consistente e integrada, capaz de identificar de maneira clara e pragmática os principais objetivos comerciais, econômicos e políticos que o Brasil se propõe alcançar. Foi por carecer desses elementos fundamentais, e não pela seleção de alinhamentos automáticos errados, que a política externa brasileira, que deveria traduzir os interesses do país na arena internacional,passou a agir mais como âncora do que como bússola.
Em um mundo marcado por crescentes incertezas e reviravoltas, como o crescimento do protecionismo e nacionalismo que o Chanceler parece perigosamente admirar, há também espaço para novas oportunidades. Espaço para novas alianças e parcerias que vão além do âmbito político, de fato estabelecendo as novas regras do jogo, especialmente para países como o Brasil, que ainda não encontraram (portanto, não definiram) seu lugar ao Sol. E uma bússola bem equilibrada – sem pender automaticamente para nenhum falso norte – será ferramenta essencial para tal. Esperamos que o novo Ministro tenha consciência disso.