O mercado deveria tomar cuidado com a Incógnita Bolsonaro
Na escolha de um candidato, um eleitor leva diversos fatores em consideração. Estes podem ir desde a identificação com as pautas defendidas pelo candidato, até a consideração de que o escolhido seria o “menos pior” do certame.
Entretanto, quando se trata de um tipo de eleitor específico, o investidor, é possível observar que a sua escolha eleitoral tende a ser mais homogênea. Em geral, suas preferências apontam para eleger alguém que seja comprometido com reformas econômicas, de caráter mais liberalizante, que vão ao encontro de temas emergenciais, como a Reforma da Previdência e a melhoria da calamitosa situação fiscal brasileira.
A preferência por candidatos que assumam tais compromissos possui relação com o longo prazo e a necessidade de haver maior segurança em investir num país com maiores chances de crescer de forma sustentável. Para tanto, é necessário firmar bases que abandonem um antigo comportamento da economia brasileira, que tende a se comportar como um o voo de galinha: baixo, curto e escandaloso.
Essas razões representam alguns dos inúmeros motivos que deveriam fazer os investidores pensarem um pouco melhor quanto ao posicionamento liberal de um certo político que desponta como forte candidato para disputar a próxima eleição presidencial do Brasil, o deputado federal Jair Bolsonaro (PSL/RJ).
Como presidenciável, Bolsonaro está buscando um discurso mais simpático a uma sociedade de mercado. Para tanto, vem participando de eventos, aproximando-se de economistas renomados como Paulo Guedes, e fazendo algumas promessas um tanto genéricas acerca de certas medidas liberais. Contudo, há razões para investidores tomarem cuidado com este candidato.
O nacional-desenvolvimentismo de Bolsonaro
O primeiro motivo para haver ceticismo por parte do mercado para com o deputado Jair Bolsonaro é a sua própria trajetória. Mesmo hoje, o parlamentar ainda expõe uma opinião favorável acerca de restrições ao comércio internacional, a despeito de nosso país ser proporcionalmente mais fechado que Cuba em relação ao comércio exterior. Com a maior alíquota alfandegária entre os países emergentes e desenvolvidos, nossas exportações e importações representaram somente 24,6% do PIB em 2016, perante uma média global de 51,3%.
Bolsonaro, é verdade, votou de forma favorável à Reforma Trabalhista, mas, não faz muito tempo, se absteve de votações importantes, como a da Terceirização. Ao longo de sua longa carreira parlamentar, sempre foi favorável à atuação do Estado como empresário, principalmente quando se trata de exploração mineral. Caso emblemático foram suas críticas à privatização da Vale do Rio Doce, além de suas populares falas em defesa de maior participação estatal na exploração do Nióbio e do Grafeno, mesmo que para isso ignore a realidade econômica, como evidências empíricas que sugerem que a eficácia de eventual política protecionista no setor seria bastante mitigada.
Preocupado com o preço dos combustíveis, Bolsonaro afirma que antes de privatizar a Petrobrás, por exemplo, é preciso “pensar 200 vezes”, mesmo em um cenário em que um dos motivos principais para os preços serem altos é justamente a ausência de concorrência no refino do petróleo.
Seu novo viés liberalizante, portanto, é exposto sempre de forma vaga e com ressalvas, flertando com seu passado intervencionista.
O discurso pró-mercado adotado, demonstra ser de conveniência eleitoral, não de convicção sobre o que precisa ser feito. Mais que isso: é tarefa ingrata transformar um nacional-desenvolvimentista convicto em mocinho liberal, como afirmou a economista Monica de Bolle.
O grande trunfo do presidenciável para se tornar um herói liberal, é seu conselheiro econômico e virtual Ministro da Fazenda em seu governo, Paulo Guedes.
Ter no governo pessoas cujas ideias contrastam com as alardeadas pela presidência já aconteceu. Um exemplo ocorreu durante a presidência de Luiz Inácio Lula da Silva, ocasião em que Henrique Meirelles presidiu o Banco Central (Bacen). Ele foi bem sucedido em sua política monetária, bem como o governo na área econômica, até o início de 2006, ocasião da queda do ortodoxo Antonio Palocci da pasta da Fazenda.
Meirelles teve autonomia para trabalhar. Em sua gestão o Bacen tomou decisões difíceis, como em 2003 ao parar de vender reservas internacionais em busca de estabilização dos mercados, sem comunicar previamente o Ministério da Fazenda. Segundo Meirelles, Lula jamais ameaçou a autonomia do Bacen sob sua gestão. Independência do Bacen que Bolsonaro hoje diz apoiar, mas sempre foi contrário.
Outro episódio, bem diferente, ocorreu com Joaquim Levy, como Ministro da Fazenda, no início do segundo mandato de Dilma Rousseff. Durante o breve período em que esteve no cargo, menos de 1 ano Levy teve seu trabalho engessado. A presidência não o apoiou, o que comprometeu o convencimento de sua própria base no Congresso em relação à necessidade do ajuste fiscal proposto. Assim, nada foi para frente. O Brasil perdeu rating de investimento, a recessão se agravou e tivemos a maior crise da história do país. Ao contrário de Meirelles, Levy não teve autonomia para trabalhar.
A despeito das capacidades e competências de Paulo Guedes, não se sabe até que ponto vai sua influência sobre as reais intenções de política econômica de Bolsonaro. O sinal de alerta foi ligado quando, mesmo com ele já assessorando o parlamentar, este foi irredutível em apoiar a Reforma da Previdência, essencial para evitar um colapso fiscal.
Bolsonaro manteve o discurso de “essa reforma aí não” – uma fala equivocada e irresponsável. Além de endossar uma narrativa contrária ao governo, o deputado foi inerte durante toda a tramitação da reforma no Congresso e não indicou emendas ao projeto, que foi alterado seguidas vezes desde sua apresentação original em Brasília. Como se sabe, mesmo que Jair apresentasse um plano de reforma da previdência mais robusta, sugerida por Guedes com base na implementação de um modelo de capitalização individual, isso não faria a reforma proposta pelo Governo Temer inapta.
Embora o modelo proposto por Guedes seja um sistema muito mais adequado, sustentável e socialmente justo, instituí-lo atualmente é uma proposta inviável e com muitos obstáculos. Como afirma o consultor legislativo Pedro Nery, “regimes de repartição fortes que podem migrar para capitalização com tranquilidade, não os falidos como o brasileiro”. Para se ter ideia da dificuldade, o México adotou o modelo de capitalização individual para os trabalhadores privados em 1997. Duas décadas após e eles ainda estão em transição, fazendo haver forte pressão fiscal sobre os compromissos firmados anteriormente. Trata-se do conflito com os direitos adquiridos. Certamente Guedes sabe disso, provavelmente aconselhou Jair – e o presidenciável não o ouviu. Mesmo com várias concessões que minaram o impacto fiscal da reforma proposta pelo governo Temer sua aprovação não foi possível. A dificuldade prática de se instituir uma reforma previdenciária muito mais robusta como a aludida por Bolsonaro tende a inviabilizá-la caso realmente seja proposta em um momento em que não há tempo a ser desperdiçado dada a situação das contas públicas.
Além disso, ainda não se sabe até que ponto Bolsonaro estará disposto a levar adiante reformas, a princípio, impopulares. Como parlamentar, admitiu que já se absteve de votar em relação a projetos relevantes por medo de críticas. Sua possível postura na presidência, ainda é um enigma.
Outro indicativo de que o deputado nem sempre ouve Guedes, ocorreu quando este sugeriu um eventual governo composto por apenas 8 ministérios. Bolsonaro bateu o pé em 15. Não deixa de ser um avanço termos 15 ministérios em vez dos quase 40 de outrora, mas – novamente – Jair não é Guedes. Não 100%.
Bolsonaro, que diz não entender de economia, dá todos os indicativos de que não abraçará todo o discurso de seu conselheiro – só o que lhe convém e quando convém. O que será da conveniência de Bolsonaro? Guedes pode ser o novo Meirelles, mas também pode ser o novo Levy. É um risco que investidores, simplesmente, não deveriam correr.
Bolsonaro: um articulador político que deixa MUITO a desejar
Apenas para melhor argumentar. Mesmo que se ignore a trajetória passada de Bolsonaro e que se realize um esforço imaginativo de que este tenha abraçado completamente as ideias de Paulo Guedes, não havendo uma reedição da situação de Joaquim Levy no início do segundo governo Dilma, ainda assim deve-se ter cuidado com o presidenciável.
Esse cenário, não muito plausível, pouco serve se o presidente em questão deixa a desejar como articulador político. Como é o caso de Bolsonaro, a tendência é que este não consiga aprovar muita coisa (sendo otimista) no Congresso. Apesar do discurso, ninguém consegue governar se personalizando sobre o parlamento. Dilma tentou e o resultado foi prejudicar o emergencial ajuste fiscal proposto, o que avariou ainda mais nossa saúde fiscal.
Não é à toa que Bolsonaro demorou mais de 2 décadas para aprovar algo no Congresso. Vale ressaltar que das mais de 170 proposições que realizou desde 1991, apenas duas foram aprovadas: uma isenção tributária sobre bens de informática e a autorização do uso fosfoetanolamina – legislação suspensa por decisão do STF no mês seguinte.
Como parlamentar o presidenciável mal apresenta emendas a projetos, jamais presidiu comissões, tampouco é escalado como relator de projetos de lei relevantes. É um parlamentar sem relevância dentro da Casa, mesmo estando lá há 7 mandatos. Bolsonaro se mostrou ao longo de todo esse período um péssimo articulador político.
Nessas horas uma boa base partidária pode ajudar bastante, mas o candidato projeta-se ao Palácio do Planalto a partir do PSL, um partido pequeno. Apesar de pouco representativo no congresso, muitos dos seus colegas de sua nova agremiação partidária não gostaram de sua vinda, fazendo com que Jair tenha de enfrentar um ambiente hostil interno.
Logo, há três elementos objetivos: historicamente Bolsonaro demonstrou não saber articular politicamente no Congresso, seu partido é pequeno e mesmo dentro dele não conta com apoio integral de seus pares.
Para se defender das críticas, a assessoria do presidenciável afirma que atualmente ele possui o apoio de 44 deputados e que até o início da campanha pretende chegar a 100. Difícil de acreditar, considerando se tratar do mesmo parlamento que não lhe deu nem 5 votos para a presidência da Câmara dos Deputados há apenas um ano. Só dá para confiar nesta informação quando for possível contar o apoio que aparecer publicamente, algo que pode variar de acordo com o jogo eleitoral.
Conclusões
Após a recessão de 2014-16 e seu consequente desemprego, o Brasil vive um momento de crise do intervencionismo, e a tendência é a aprovação de algumas reformas liberalizantes. Sem aprovar a Reforma da Previdência, o próximo presidente terá muitas dificuldades de governar perante o colapso fiscal e o aumento da dívida pública. Descumprir a Regra de Ouro e o Teto Constitucional, pode vir a se tornar a realidade do Brasil num futuro muito mais próximo do que se imagina.
Nesse cenário, o mercado deveria buscar um candidato que transmita segurança e previsibilidade, e, principalmente, alguém que, em vez de ficar apenas em termos GENÉRICOS, tenha capacidade para defender de maneira CONCRETA e VEEMENTE a necessidade de reformas. E mais: alguém que, uma vez eleito, consiga aprová-las.
Bolsonaro é um candidato que, no passado não muito distante, foi contrário a ideias favoráveis ao mercado e, mesmo atualmente, vacila em fazê-las, logo representa uma enorme matriz de risco. O candidato pode se destacar junto ao eleitorado em pautas importantes, como segurança pública e corrupção, mas ainda representa uma imensa incógnita para qualquer investidor racional.
Luan Sperandio
É graduando em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e faz MBA em Liderança e Desenvolvimento Humano na Fucape Business School. Atualmente é Vice-presidente da Federação Capixaba de Jovens Empreendedores e editor do laboratório de políticas públicas Instituto Mercado Popular, além de escrever semanalmente para o Instituto Liberal. Pesquisador do Ideias Radicais, seus artigos já foram publicados em veículos como Veja, Spotniks, Gazeta do Povo, Instituto Mises Brasil e Poder 360.