O Mecanismo da Lava Jato e os historiadores do Netflix
Apesar de o Facebook estar sob a lupa global a respeito de sua capacidade de manipulação, não só pela própria rede social, mas por anunciantes com a posse ilegal de informações pessoais de usuários, boa parte dos usuários insiste em acreditar que o debate que lhe é dirigido na linha do tempo é reflexo da média do que milhões de brasileiros pensam, e não só o mero resultado do algoritmo acerca das suas próprias escolhas e curtidas.
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Isso ficou explícito nesta segunda-feira (26), primeiro dia útil após o lançamento da série “O Mecanismo” no Netflix, cuja curta sinopse disponível no streaming mais acompanhado no Brasil explica: “Uma investigação sobre suspeitas de corrupção envolvendo estatais e empreiteiras se torna um dos maiores escândalos políticos do Brasil. Inspirada em fatos reais”.
A grita geral no Facebook é de que a frase atribuída ao personagem que representa o ex-presidente Lula, “estancar a sangria”, foi deturpada e tirada de Romero Jucá como uma espécie golpe narrativo, e de que isso seria motivo suficiente para, por exemplo, motivar um movimento de boicote ao Netflix. Esta segunda-feira fica mais emblemática para a Lava Jato ao unir, também, o julgamento do recurso de Lula no Tribunal Regional Federal da 4ª Região e a entrevista do juiz Sérgio Moro ao Roda Vida da TV Cultura.
Por ser a Lava Jato já uma instituição brasileira, que criada em 2014 entrou no imaginário pop brasileiro, ela gera no cidadão a sensação de direito de opinião sobre os seus rumos, tais quais o visto na Seleção Brasileira. A ex-presidente Dilma Rousseff não perdeu tempo: “Na vida real, Lula jamais deu tais declarações. O senador Romero Jucá, líder do golpe, afirmou isso numa conversa com o delator Sérgio Machado, que o gravou e a quem esclarecia sobre o caráter estratégico do meu impeachment”.
O cineasta José Padilha, que dirigiu a série, deu a sua opinião sobre a polêmica em uma entrevista ao site Observatório do Cinema: “De fato, esse é um debate boboca, mas que revela algo: se a principal reclamação é o uso desta expressão, pode-se imaginar que o público petista está achando difícil negar todo o resto. Nada a dizer quanto aos roubos e desvios de verba públicas praticados por Higino e Tames com os empreiteiros…? Hummm… Interessante”.
Ao Roda Viva, Moro também foi questionado acerca da série: “Acho que essas produções culturais têm um valor, talvez nem tanto quanto construção histórica, mas são importantes para informar e, de fato, o que ambas revelam [ele também se referia ao filme “Polícia Federal: A Lei é Para Todos”] é que a corrupção é um ponto muito grave para nós (…) Não dá para se preocupar com os detalhes”.
Ou seja, quem acha que a realidade do debate brasileiro é a que se acompanha no Facebook ou que a verdade histórica do mundo e do Brasil se encontra em séries de ficção do Netflix, deve mesmo sair do Facebook, cancelar o Netflix, pois precisa voltar a sair para a rua na busca da realidade não-virtual.