O marketing de João Doria falhou?
Restavam poucos minutos para o fim da manhã desta segunda-feira (23) quando um post emblemático de João Doria, ex-governador de São Paulo e então pré-candidato à presidência do Brasil, foi publicado em todas suas redes sociais: “pronunciamento, hoje, 23/05, 12h, transmissão ao vivo nas redes @jdoriajr.”
Confira pronunciamento ao vivo às 12h no meu Facebook, Instagram e Twitter ?? pic.twitter.com/mhRN5Dn6M0
— João Doria (@jdoriajr) May 23, 2022
A publicação chamou atenção por conta do contexto político: sem decolar nas pesquisas e sem sequer o apoio de seu partido, o primeiro que deveria lhe endossar — sobretudo após as polêmicas prévias de 2021, o que Doria iria anunciar?
A forma escolhida não poderia ser mais sui generis de Doria: o político, acostumado a lives e pronunciamentos contínuos durante o auge dos tempos pandêmicos, à aplicação da primeira dose da vacina e afeito aos holofotes desde quando assumiu a prefeitura de São Paulo, não deixaria de anunciar seu próximo movimento dessa forma.
Poucos minutos após o início de sua fala, Doria anunciou a retirada de sua candidatura.
Apresentador do “Show Business” por mais de 20 anos e de duas temporadas de “Aprendiz”, Doria não tinha problemas em se comunicar. Essa facilidade, inclusive, o projetou à prefeitura de São Paulo logo no primeiro turno — algo que nem Marta, Serra ou Maluf haviam conseguido.
Dois anos depois, Doria se elegeu governador, elegeu Bruno Covas como prefeito em 2020 e desbancou Eduardo Leite nas prévias de 2021. Foram quatro vitórias seguidas. Seu marketing político falhou desta vez?
Não sou mais Doria. Agora sou João
O eleitor do estado de São Paulo é muito mais conservador que o eleitor do Brasil. A homogeneidade de como o estado mais rico do país escolhe seus governadores passa longe de como o brasileiro elege seus presidentes. E Doria sabia disso.
Ainda que tenha viabilizado a Coronavac no Brasil e apressado o Governo Federal pela compra de vacinas, Doria saiu muito mais prejudicado que consagrado da pandemia.
O fechamento do comércio e o aumento de impostos em plena pandemia fizeram com que seu nome estampasse as capas de jornais. E, por seu nome, entenda-se “Doria”.
Com o nome desgastado, Doria virou João, o quarto nome mais popular do Brasil segundo censo IBGE de 2010.
Ao se posicionar como João, Doria buscava se aproximar de quem sua imagem não poderia estar mais afastada: João, assim como José ou Maria, representam o povo brasileiro, sobretudo a parcela mais humilde da população.
É o garçom, o mecânico, o vendedor, o gari, o sapateiro. Era a forma correta de um político que declarou R$ 190 milhões de patrimônio em 2018 de se aproximar da camada mais simples da população.
João publicou fotos com cachorros (o mercado pet brasileiro é o segundo maior do mundo), João recorreu ao humor (adotando o apelido de ‘calça apertada’, dado pelos bolsonaristas) e foi aos rincões do Brasil, locais muito diferentes dos que estava habituado a frequentar.
João Nordestino?
Até poucos dias atrás, Doria se posicionava em suas redes sociais como ‘paulistano com sangue nordestino’.
Doria é paulistano, mas seu pai, também João, era baiano. Doria fez sua vida em São Paulo, seus negócios são sediados em São Paulo, suas primeiras atividades políticas foram em São Paulo (como o posto de secretário do turismo na gestão municipal de Mário Covas).
Lula é líder disparado em qualquer pesquisa registrada no TSE e sua liderança é ainda mais forte no Nordeste. Seu poder de transferência de votos também é gigante: Fernando Haddad, então desconhecido por parte da sociedade, chegou a ter 77% dos votos no Piauí.
Estava mais que comprovado que Doria precisava se posicionar como um nome ligado ao Nordeste e à agenda de demandas que a região possui — e que hoje vê em Lula como seu principal representante.
A viagem recente para a Bahia, em que fez questão de transmitir em suas redes sociais, apenas rechaçou o compromisso de entrar em um território em que carregava o ônus do anonimato somado à falta de carisma e traquejo — qualidades que sobram tanto para Lula como até mesmo para Bolsonaro.
De cashmere e palácios para camiseta e ar livre
As inserções de João Doria, que começaram a ser veiculadas há poucas semanas, mostravam um Doria totalmente diferente do que o público estava acostumado. O cashmere, as jaquetas de nylon e os ternos cederam espaço a uma camiseta branca e básica, daquelas que se encontra em qualquer loja de departamento.
O lugar também mudou. Doria, que chegou a reformar algumas alas do Palácio dos Bandeirantes com consultoria de Joia Bergamo, uma prestigiada arquiteta com a sede de seu escritório no refinado bairro de Alto de Pinheiros, se apresentou em um local muito mais humilde: uma praça um tanto mal cuidada, com corrimão descascado e folhas espalhadas — como dezenas existentes em São Paulo.
Essa era a forma de se mostrar mais simples e acessível.
Política
Se houvesse um checklist de marketing político, Doria teria gabaritado.
Cumpriu tudo o que se espera de um político que busca ascensão. Até mesmo o fato de ter governado São Paulo: desde a fundação do PSDB, o único candidato à presidência do partido que não tinha raízes paulistas foi Aécio Neves, em 2014 — que permitiu a analogia tucana à política Café com Leite, que predominou a República Velha.
Os principais problemas de Doria foram de postura política. O abandono à prefeitura de São Paulo pouco mais de um ano após o início do mandato, somado à traição a Geraldo Alckmin, seu fiador político e finalizada com a debandada da base de apoio de Jair Bolsonaro fizeram com que ficasse conhecido como um político de conveniências.
Crítico efusivo de Lula e Bolsonaro, Doria conseguia unanimidade: em um país dividido entre duas candidaturas, ele conseguia ser odiado por ambos eleitorados.
Por fim, a coleção de inimigos dentro de seu partido — Andrea Matarazzo, hoje no PSD; o falecido Alberto Goldman e o indesejado, mas ainda poderoso Aécio Neves — só ratificam que a falta de diálogo dentro do ninho custaram caro.
O problema não foi do marketing.
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