O impacto do tarifaço do governo Trump sobre o agronegócio brasileiro

Desde que o governo dos Estados Unidos, liderado por Donald Trump, anunciou o chamado “Dia da Libertação”, em 2 de abril — impondo uma série de novas tarifas de importação contra mais de 180 países —, o mundo entrou em um período de grande incerteza e especulação sobre os impactos e os desdobramentos desse episódio controverso e histórico na economia global.
No Brasil, o efeito foi relativamente menor em comparação a outros países. A tarifa de 10% sobre a entrada de produtos nos EUA — uma das mais baixas — reflete o equilíbrio da balança comercial entre os dois países: em 2024, as exportações brasileiras para os EUA somaram US$ 40,3 bilhões (12% do total), enquanto as importações atingiram US$ 40,6 bilhões (15,5% das compras externas).
Nesse contexto, a expectativa é que o impacto na balança comercial brasileira seja praticamente neutro, equilibrando perdas e ganhos. O agronegócio, entretanto, desponta como um dos setores mais beneficiados. Do total de US$ 164 bilhões exportados pelo setor em 2024, 30,2% tiveram como destino a China, 14,2% a União Europeia e 7,4% os Estados Unidos.
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Diante das atuais condições da “nova guerra comercial” — ainda marcada por incertezas e longe de um equilíbrio estável —, o agronegócio brasileiro pode aproveitar uma janela de oportunidade, especialmente ao ocupar parte relevante das exportações americanas para a China. Entre os dois países, as barreiras tarifárias se tornaram praticamente intransponíveis, com alíquotas de 145% sobre produtos chineses nos EUA e 125% no sentido inverso.
O maior impacto tende a ocorrer nas exportações brasileiras de soja, que devem substituir uma fatia expressiva das vendas dos EUA para a China — cerca de 22 milhões de toneladas em 2024, o que representa mais de 20% do volume importado pelo país asiático.
Para contextualizar, a China produz aproximadamente 21 milhões de toneladas de soja por ano e importa mais de 100 milhões de toneladas, destinadas principalmente à alimentação do maior rebanho suíno do mundo, com mais de 40 milhões de matrizes.
Em 2024, o Brasil exportou 69 milhões de toneladas de soja para a China — cerca de 70% das importações chinesas do grão —, e tem capacidade de preencher boa parte da lacuna deixada pelos EUA. A projeção para a safra de 2025 é de um aumento superior a 20 milhões de toneladas em relação à safra anterior, chegando a 165 milhões de toneladas, um crescimento de 13% no ano.
Esse cenário é atrativo para os produtores, considerando a manutenção das atuais taxas de câmbio e o preço da commodity no mercado internacional (US$ 10,40 por bushel, equivalente a cerca de US$ 380 por tonelada). Isso representaria um aumento de mais de US$ 7 bilhões na receita anual, mesmo diante da possibilidade de desaceleração da demanda chinesa em 2025, com crescimento do PIB abaixo dos 5% registrados em 2024.
O protagonismo do Brasil no comércio internacional de soja é evidente: o país concentra 42% da produção global, contra 31% dos EUA, 7% da Argentina e 3% da China. Quase 100 milhões de toneladas da produção nacional já são destinadas à exportação, com canais comerciais e logísticos bem estruturados.
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Para o milho, o cenário é diferente. EUA e China são os dois maiores produtores globais (378 milhões de toneladas e 295 milhões, respectivamente, em 2024), seguidos pelo Brasil, com 126 milhões de toneladas. A China é praticamente autossuficiente, importando apenas 11 milhões de toneladas, sendo 48% do Brasil e 44% dos EUA. Apesar de o mercado ser menor em comparação ao da soja, há espaço para o Brasil ampliar sua participação.
Nas exportações brasileiras para os EUA, destaca-se o café. Os Estados Unidos são o principal destino do produto brasileiro, representando 16% do volume exportado, o equivalente a US$ 1,9 bilhão em 2024. Mesmo com a elevação da tarifa de importação para 10%, a alíquota segue inferior à aplicada a outros grandes exportadores, como Suíça (31%) e Vietnã (46%). Por isso, não se espera uma mudança significativa no perfil das exportações.
Com o avanço do protecionismo e o isolamento do mercado norte-americano, a tendência é que outras relações comerciais se fortaleçam como alternativa. Negociações entre União Europeia e Mercosul, por exemplo, já estão em andamento e podem resultar na redução de tarifas de importação sobre mais de 90% dos produtos comercializados entre os blocos.
Ainda assim, não se espera que o atual “tarifaço” se sustente por muito tempo nesses patamares. Uma nova configuração do comércio global deve se desenhar nos próximos meses. O ponto positivo, especialmente para o Brasil, é que a competitividade do agronegócio nacional o torna mais resiliente diante da turbulência internacional, consolidando ainda mais seu protagonismo, em um cenário de menor participação dos EUA no comércio global, ao menos no curto prazo.