O dilema do blockchain: falou muito, mas fez pouco
Um relatório de McKinsey, empresa de consultoria empresarial, fala sobre os fatores relevantes da adoção da tecnologia de blockchain nos negócios. O relatório explora os motivos para a lenta taxa de adesão e o enorme potencial ainda não utilizado dessa tecnologia inovadora.
O potencial da tecnologia de blockchain é inegável. Uma breve pesquisa on-line vai revelar um número de análises que detalham como a tecnologia de blockchain pode ser usada em várias indústrias.
Um dos documentos mais antigos que compila as várias instâncias em que a tecnologia de blockchain pode ser utilizada é da Ledra Capital, em seu artigo de 2014 intitulado “The Mega-Master Blockchain List”.
Algumas áreas de possível adesão, como o setor financeiro, parecem óbvias e foram as primeiras que vieram à mente, já que é fácil fazer a ligação entre as criptomoedas e o setor financeiro.
No entanto, pesquisadores e acionistas conseguiram fazer ligações com setores aparentemente não relacionados, como a cadeia de fornecimento, procedência de obras e até preocupações ambientais como as emissões de carbono.
Nos anos seguintes à compilação da Ledra Capital, vários bancos, empresas de pesquisa e tecnologia publicaram seus próprios relatórios do potencial do blockchain.
Refletindo o maior escrutínio que a tecnologia estava lidando, muitos dos relatórios seguintes eram mais aprofundados, indo além de especulações simples, e muitos deles vinham com conceitos de prova (proof-of-concept), bem como planos de ação.
Simultaneamente, houve uma entrada de consórcio por conta do desenvolvimento de produtos de blockchain para indústrias específicas. Um exemplo desses é o R3 Consortium, que quer criar uma plataforma baseada em blockchain para a indústria financeira.
Uma abordagem desacelerada
Com o crescente desenvolvimento do mercado de criptoativos, o interesse na tecnologia subjacente ao setor também cresceu.
Um dos maiores sinais de que o mercado estava acreditando no potencial significativo da tecnologia de blockchain era a quantidade de investimento financeiro sendo direcionada ao desenvolvimento da tecnologia.
McKinsey explica:
“Financiamento em capital de risco para startups de blockchain atingiu US$ 1 bilhão em 2017.
A IBM investiu mais de US$ 200 milhões em uma solução de compartilhamento de dados alimentada por blockchain para a Internet das Coisas (IoT), e Google vem trabalhando com blockchains desde 2016. A indústria financeiras gasta cerca de US$ 1,7 bilhões anuais em experimentos”.
No entanto, seguindo a empolgação inicial sobre o potencial da tecnologia, veio um olhar menos inocente sobre a tecnologia.
Comparando a velocidade em que os casos de uso e os conceitos de prova estavam sendo formulados com a velocidade em que a tecnologia de blockchain estava sendo adotada mostra uma grande disparidade.
Enquanto é verdade que a tecnologia de blockchain tem o potencial de fornecer suporte subjacente de uma forma que possa vir a revolucionar muitos setores, esse potencial parece que vai se realizar lentamente.
Falou muito e fez pouco
O relatório McKinsey apresenta vários desafios que impedem a adesão dessa tecnologia revolucionária. O primeiro deles é a falta de produtos. Há pouca cobertura contínua da mídia sobre a tecnologia e os grandes investimentos, caso algum dos produtos baseados em blockchain já existentes estivessem “à solta”.
“O ponto principal é que, apesar dos bilhões de dólares investidos, e várias manchetes, a evidência para um uso dimensionável e prático para blockchain é algo escasso.”
Se considerarmos a teoria do ciclo de vida popular da perspectiva teórica econômica, é óbvio que a tecnologia de blockchain está no primeiro estágio. Isso pode explicar a lentidão mostrada pela tecnologia e qualquer dos produtos baseados nela que estão em desenvolvimento.
O que é diferente para a tecnologia de tecnologia, quando comparada a outros possíveis setores de investimento, como biotech e até mesmo inteligência artificial, é a cobertura intensa da mídia, que foi exacerbada após o modelo financeiro de ICO, a proliferação das plataformas de criptoativos e o tsunami resultante de especulação que surgiram no setor em 2017.
Essa combinação de fatores resultou em expectativas por projetos de blockchain, tanto na questão de ROI (Retorno sobre Investimento) quanto pelo ritmo de entrega de produtos que o setor não esperava ter que entregar.
Outra descoberta importante do relatório de McKinsey é o surgimento de soluções concorrentes. Os maximalistas do bitcoin vão vender o blockchain como a maior e melhor solução para uma variedade de ineficiências operacionais.
No entanto, a realidade é que existe um número de tecnologias que pode competir com a tecnologia de blockchain em alguns setores. Isso é evidente principalmente no setor financeiro.
McKinsey explica: “Várias fintechs estão tumultuando a cadeia de valor. De aproximadamente US$ 12 bilhões investidos em fintechs norte-americanas ano passado, 60% foi direcionado para pagamentos e empréstimos.
Enquanto isso, a iniciativa de inovação de pagamentos globais (GPI, na sigla em inglês) da SWIFT está dando atenção aos pontos críticos iniciais de maior velocidade de transação e aumento na transparência, criada com colaboração bancária.”
Além disso, usar soluções baseadas em blockchain pode exigir um nível significativo de interação com os sistemas tradicionais de uma empresa. No setor financeiro, isso pode ser algo perigoso já que representa propriedades monetárias significativas.
Também há considerações jurídicas a serem levadas em conta quando se fala de instituições financeiras e os sistemas utilizados. Muitas instituições financeiras têm desconfiança em adotar a tecnologia porque pode reduzir ou remover completamente grandes partes de seus fluxos de receita já existentes.
As instituições financeiras enfrentam o paradoxo da coopetição, em que vários não querem dispor de uma quantidade significativa de tempo, dinheiro e recursos humanos em uma tecnologia que vai beneficiar seus competidores diretos.
Então é esse o setor financeiro, supostamente o caso de uso de blockchain mais óbvio e o provérbio da “alternativa mais fácil”, mas, até agora, não resultou em nenhum deles.
Navalha de Occam
Se não é o setor financeiro, então qual? Fazendo referência à Navalha de Occam, princípio que afirma que é possível que a solução mais simples seja a correta ou a melhor, McKinsey acredita que a tecnologia de blockchain tem melhor aplicação em outras áreas além da indústria financeira.
O relatório conclui: “uma perspectiva emergente é que a aplicação de blockchain pode ser mais valiosa quando democratizar o acesso de dado, permitir a colaboração e resolver pontos críticos específicos.
Com certeza, traz benefícios, pois transfere governança das empresas para os consumidores, compartilhando ‘provas’ de procedência de cadeias de fornecimento de forma mais vertical, além de fornecer transparência e automação.
Nossa suspeita é que será um desses tipos de casos de uso em vez daqueles dos serviços financeiros, que irão, futuramente, demonstrar maior valor.”
Se considerássemos os produtos baseados em blockchain que estão tendo progresso além da etapa teórica, esses são os setores que se destacam. Experimentos em gestão de cadeia de fornecimento, identidade digital, além do compartilhamento de registros públicos tiveram mais sucesso.
Pode-se dizer que, nessas situações, as abordagens baseadas em blockchain são a solução mais simples.