Eletropaulo

Desejo pela Eletropaulo é a melhor novela de 2018

26 abr 2018, 12:54 - atualizado em 26 abr 2018, 13:16
Desde o início do mês, os papéis da Eletropaulo acumulam valorização de aproximadamente 80%

A disputa pela Eletropaulo (ELPL3) vem ganhando conotações de um melodrama mexicano, com trocas de acusações, em um tiroteio que faz a alegria dos acionistas da companhia paulista. Os protagonistas da novela são a espanhola Iberdrola, controladora da Neoenergia no Brasil, e a italiana Enel, que vêm desde o início de abril elevando as suas ofertas a partir da primeira feita pela Energisa (ENGI11) por R$ 19,38.

Quem dá mais?

Nesta quarta-feira (25) à noite, em horário nobre, a italiana Enel ampliou a sua oferta de R$ 28 por ação para R$ 32 (R$ 5,35 bilhões), além de reafirmar um aporte de R$ 1,5 bilhão. A empresa também aproveitou para alfinetar a concorrente: “o aumento confirma a intenção em continuar participando de um processo competitivo, transparente e justo para aquisição do controle por meio de ofertas públicas concorrentes”. A resposta veio apenas três horas depois.

Perto das 23h, a Neonergia elevou a sua oferta de aquisição de R$ 29,40 para R$ 32,10 por ação (R$ 5,37 bilhões) e disparou: “Após o lançamento da OPA concorrente é lícito à companhia aumentar o preço de sua oferta por qualquer valor e tantas vezes quantas julgar conveniente”, disse a empresa em sua nota. Foi o último movimento de ontem, mas não o capítulo final do drama.

Logo cedo, nesta quinta-feira (26), a Eletropaulo atendeu aos pedidos da Enel e cancelou a sua oferta de distribuição primária de ações, a fim de garantir a “evolução da competitividade entre as ofertas públicas para aquisição de ações”. A italiana tinha condicionado uma nova oferta ao cancelamento. E foi isso o que aconteceu. A Enel ampliou mais uma vez a sua proposta de R$ 32,10 para R$ 32,20.

“Sem lógica”

Foi a gota d’água para a espanhola Iberdrola, que passou a reclamar do fair play da Enel. A companhia distribuiu à imprensa nesta manhã um comunicado sobre a decisão de encaminhar à Comissão Europeia uma carta para alertar para práticas adotadas pela estatal italiana tanto na Europa quanto no Brasil. Ela acusa o endosso do Governo Italiano às tais práticas e cita o caso da Eletropaulo.

“Neste processo, você está vendo claramente que a Enel não respeita as regras de processos competitivos promovidas por empresas privadas e está aproveitando-se de sua condição de empresa pública italiana para tentar influenciar o Conselho da empresa que organiza o processo e o Regulador Brasileiro e intimidar os concorrentes na oferta com declarações de imprensa completamente injustas”, revela o documento.

Ela cita algumas declarações feitas à imprensa a respeito de sua capacidade financeira para cobrir qualquer oferta pela Eletropaulo, “sem importar-se com a lógica financeira e empresarial dos níveis do lance”. De fato, em declaração ao Valor Econômico, a companhia disse ter separado entre R$ 5,5 e R$ 6 bilhões para vencer as concorrentes.

Capítulo final

Não se sabe ainda sobre a capacidade da Neoenergia em levar essa disputa adiante com novas ofertas e os novos capítulos desta história eletrizante devem agitar o mercado até o capítulo final agendado pela CVM para 18 de maio, quando a operação será consumada em um leilão na B3. Desde o início do mês, os papéis da Eletropaulo acumulam valorização de aproximadamente 80%.


Veja a carta da Iberdrola:

Iberdrola leva para a Comissão Europeia sua convicção de que a ENEL não atua de acordo com critérios de mercado e adota decisões alheias a toda lógica de negócios, escondendo-se em sua condição de empresa pública e quase monopolista em seus mercados internos, com o resultado de não competir em igualdade de condições.

 25 de abril de 2018

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A Iberdrola vem constatando há algum tempo que um dos seus principais concorrentes diretos em vários mercados europeus e internacionais, a empresa pública italiana ENEL, não atua de acordo com critérios de mercado e adota decisões alheias a qualquer lógica de negócio. Protegendo-se em sua condição de empresa pública e quase monopolista em seus mercados domésticos, não compete em termos iguais; desfruta de uma situação factual e regulatória na Itália de privilégio que garante um menor custo de capital, uma imunidade e alguns aluguéis de monopólio que lhe permite decisões de investimento e posicionamentos em aspectos reguladores chave em outros mercados e países que não estão dentro do alcance de seus concorrentes.

Obviamente, não se trata de questionar o direito que tem o Estado Italiano de manter uma participação de controle sobre o operador nos mercados elétricos na Itália, mas é essencial que, para alcançar o mercado único da eletricidade, que a Comissão Europeia atue como guardião ciumento dos Tratados e garanta que nenhum Estado-Membro adote ou mantenha, em relação às empresas públicas, qualquer medida contrária às regras dos Tratados, especialmente as da concorrência e que cumpra escrupulosamente as obrigações decorrentes das diretivas comunitárias em matéria de energia. Caso contrário, existe um sério risco de distorção do level playing field nos mercados em que a empresa pública atua ou decide entrar.

E é precisamente isso que está acontecendo com a ENEL e na Itália em danos claros à Iberdrola em vários dos mercados onde ambas as empresas competem. Há indícios claros de que a ENEL está adotando decisões de investimento e posições fora dos critérios de mercado, que não poderiam se manter se não fosse uma empresa pública que desfruta de uma situação privilegiada derivada do apoio que recebe do Estado em uma pluralidade de áreas.

– A irracionalidade de suas decisões foi demonstrada por ocasião do fechamento da usina nuclear de Garoña, na qual a ENDESA manteve posição favorável à continuidade da operação, impedindo o fechamento, embora tenha sido credenciada por relatórios contundentes que a exploração era economicamente inviável, o que causou perdas recorrentes para a sociedade que teve que cobrir com aumentos de capital.

– Outro exemplo evidente é a maneira de atuar da ENEL no processo competitivo em andamento para adquirir a empresa de distribuição de energia elétrica brasileira Eletropaulo, na qual concorre principalmente com uma empresa brasileira, a Neoenergia (em que Iberdrola detém uma participação). Neste processo, você está vendo claramente que ENEL não respeita as regras de processos competitivos promovidas por empresas privadas e está aproveitando-se de sua condição de empresa pública italiana para tentar influenciar o Conselho da empresa que organiza o processo e o Regulador Brasileiro e intimidar os concorrentes na oferta com declarações de imprensa completamente injustas. Nestas declarações está destacando a sua capacidade financeira para melhorar qualquer oferta de operadores privados, sem importar-se com a lógica financeira e empresarial dos níveis do lance, um comportamento somente ao alcance de uma empresa pública que se sabe com o incondicional apoio do Estado acionista de controle. A partir deste posicionamento e com esta soberbia, a ENEL está implantando uma campanha de informação falaciosa, tanto na mídia, como com o regulador, liderada pelo presidente da ENEL Itália.

Devido à importância da questão e ao impacto que já está tendo, Iberdrola está decidida a reagir contra esta situação e, como primeiro passo, considerou necessário e urgente abrir o debate a nível comunitário sobre os riscos que comporta não atender aos privilégios de que disfrutam algumas empresas públicas em mercados como o elétrico e sobre a necessidade de pôr fim a esta situação de desigualdade, exigindo o respeito escrupuloso das obrigações impostas pelo Tratado aos Estados e às suas empresas públicas que operam nos mercados da UE.

Preservar o level playing field é essencial em todas as áreas e mercados. E é particularmente importante fazê-lo nos mercados elétricos e no mercado de aquisição de empresas e nos respectivos processos competitivos, no qual a prática mostra que há um problema sério e crescente a ser resolvido: toda vez que uma empresa pública ou que disfruta do suporte de um Estado se apresenta, acaba apresentando uma oferta econômica vencedora, o que é uma indicação clara de que as empresas privadas não podem competir em igualdade de condições. Na Europa, o exemplo recente mais óbvio são as inúmeras aquisições de empresas (mesmo em setores estratégicos) por parte de empresas estatais chinesas, que podem oferecer mais do que seus concorrentes e acabam sendo impostas em todos os processos abertos. É necessária uma reflexão urgente por parte da Comissão a respeito também desde uma perspectiva Europeia e uma solução para o problema que permita reconciliar o princípio da neutralidade do Tratado respeito ao regime de propriedade com os princípios da concorrência em igualdade de condições e de liberalização e abertura efetiva dos mercados, que preconizam igualmente o Tratado e as directivas setoriais.

A Iberdrola enviou esta preocupação por carta à Comissão Europeia e está examinando detalhadamente as ações legais que poderão ser tomadas em Bruxelas para garantir que a Comissão analise em profundidade se a ENEL e o Governo italiano estão respeitando as regras de concorrência aplicáveis às empresas públicas perante a Comissão Europeia e se estão atuando em conformidade com os objetivos e obrigações das directivas relativas à realização do mercado interno da energia. Este não parece ser o caso, como resulta claramente dos inúmeros privilégios e vantagens que a ENEL goza na Itália.