O caso das Americanas (AMER3) e a função da recuperação judicial
Por Guilherme Bier Barcelos*
O caso das Americanas (AMER3) será objeto de estudo e de comentários por muitos anos. E, quem sabe, um divisor de águas para o mercado de capitais brasileiro, à semelhança do caso Enron para os Estados Unidos. A despeito dos rumores, pouco se sabe sobre os fatos, tampouco a extensão de suas consequências.
De qualquer modo, até agora se pode afirmar que: (i) o ex-CEO da companhia, Sergio Rial, que assumiu a gestão nos primeiros dias de janeiro, renunciou uma semana depois, afirmando ter encontrado indícios de inconsistências contábeis estimadas em R$ 20 bilhões; (ii) tal notícia provocou uma corrida dos bancos para executar as garantias contratualmente previstas; e (iii) uma reação das Americanas, que foi a propositura de uma recuperação judicial.
Americanas e o Direito
Dito isso, pode-se afirmar que se está diante de um dos casos mais interessantes que permitirá analisar a interface entre o direito societário e o direito da empresa em crise. Isso porque o risco é inerente ao mercado e às atividades empresariais.
Portanto, o ordenamento jurídico necessita de um procedimento próprio para tanto. Ao mesmo tempo, o direito societário e o mercado de capitais contemplam diversos mecanismos para fins de assegurar melhor e maior governança das sociedades.
Isso vale, sobretudo, àquelas que possuem capital aberto, como é o caso das Americanas. E, para tornar o assunto ainda mais interessante, os atuais controladores da companhia são empresários bem-sucedidos.
Essa razão, ao menos em termos abstratos, dariam condições aos bilionários acionistas de arcar com os valores necessários para “eliminar as inconsistências”.
O caso e a função: e agora?
Em face desse contexto, a pergunta que se apresenta é a seguinte: considerando-se que há indícios da existência de condutas culposas e/ou dolosas por parte dos antigos gestores da companhia, seria possível a Americanas se valer da recuperação judicial, pois a crise não teria origem no risco do negócio?
Além disso, como os bancos que emprestaram recursos à Americanas, em sua grande maioria, celebraram negócios jurídicos com garantia fiduciária, a execução dessas garantias deveria ser sobrestada até a assembleia-geral de credores ou não?
Ou seja, o assunto não é singelo. Ao que parece, a chave de resposta é pensar na própria devedora.
Logo, acredita-se que a recuperação judicial é o único mecanismo capaz de salvar as Americanas neste momento. Assim, a persistirem as execuções movidas pelas instituições financeiras, a empresa, que é centenária, não sobreviverá.
Isso, contudo, não impede, tampouco inviabiliza, que os responsáveis pelos ilícitos sejam investigados. Se for o caso, processados e julgados.
Pode-se até cogitar na responsabilização do acionista controlador, caso se prove a culpa e/ou o dolo. Porém, o que não é possível é confundir as Americanas com seus controladores e seus gestores.
Há poucos anos, na Operação Lava Jato, já houve esse tipo de confusão. E o resultado foi desastroso.
Portanto, a questão central é que a eventual recuperação das Americanas não seja equiparada ao ganho dos gestores.
*Sócio-diretor do RMMG Advogados, head da área Societária