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O agronegócio e o orçamento federal: Um falso dilema?

26 mar 2025, 18:04 - atualizado em 26 mar 2025, 19:02
Agronegócio orçamento
(iStock.com/malerapaso)

Esse colunista está escrevendo direto de Londres dessa vez, já que está em viagem por esses dias, porém sem deixar de se atentar para as questões chave do agronegócio brasileiro.

Como sempre, procuramos tratar nesse espaço com um olhar aguçado para o setor e a sustentabilidade de suas operações no Brasil.

Assim é que não pôde deixar de passar pelo nosso radar o dilema “hamletiano” em que se meteu o Governo Federal e o Congresso Nacional na definição do orçamento federal para o próximo ano: Ser ou não ser, eis a questão?

O orçamento público e o espaço de manobra do Governo Federal para o Plano Safra

O Projeto da Lei Orçamentária (PLOA) de 2025 apontou um total de cerca de R$ 34 bilhões para os ministérios e empresas públicas, como a Embrapa, ligados ao agronegócio. Tal montante global representa um volume de recursos um pouco superior aos destinados em 2024 pela lei orçamentária e que estão gerando problemas recentes de contingenciamento dados os aumentos da Selic no último ano, por conta da equalização de recursos do plano safra atualmente em execução.

Ocorre que os números nunca mentem, mas premissas equivocadas por vezes produzem números mais equivocados ainda, infelizmente. Muitas vezes no Power Point e nas planilhas de Excel cabem simulações de situações financeiras que não se encaixam na realidade da vida de governos, instituições e até mesmo corporações. A história é pródiga em exemplos de alquimias orçamentárias, contábeis e fiscais que não nos deixam mentir.

O orçamento público pode virar peça de ficção se partir de premissas equivocadas para sua elaboração. A receita pública baseada em uma Reforma Tributária que sequer aconteceu de fato – ainda a ser definida no futuro – pode encerrar discussões insólitas de alocação de receitas fiscais que sequer ocorreram, ou até melhor, que sequer se sabe como ocorrerão e se serão realizadas ou não no tempo, com o já escrevemos por aqui por diversas vezes.

Por outro lado, com a taxa Selic a 14,25% ao ano, temos um “caldo” que só faz aumentar a pressão orçamentária para o aumento de arrecadação de receitas originárias derivadas de tributos que sequer ainda existem, gerando mais incertezas e contribuindo com a piora das expectativas em relação aos próprios juros básicos da economia. Ë uma bola de neve que tem se repetido mês a mês nesses últimos dois anos, o que diminui o espaço de discussão de alocação de recursos e até mesmo a acuidade das previsões orçamentárias.

Maior foco no financiamento privado e nas políticas estruturais é a solução

Por isso temos dito nas últimas colunas que para o Plano Safra 2025/2026 temos de continuar na linha adotada desde 20/21, com aumento drástico da disponibilização de recursos a mercado – através dos instrumentos financeiros e de mercado que temos disponíveis – em detrimento de recursos controlados e repasses de crédito rural.

Para tanto, marcos regulatórios existentes precisam ser ajustados e melhorados para impactar positivamente ferramentas jurídicas como o Fiagro, os títulos do agronegócio como a CPR, além de outros, de modo a serem otimizados e prestigiados, tal com tem sido feito até por alguns estados da federação, como São Paulo e Paraná, com a criação de Fiagros em âmbito estadual para o financiamento de seus produtores e agroindústrias.

Por isso pelos últimos números do Ministério da Agricultura e Abastecimento (Mapa), podemos falar em cerca de R$ 1.2 trilhão de recursos a mercado, quanto temos plano safra vigente envolvendo cerca de R$ 500 bilhões em recursos e perspectivas de tímido aumento de disponibilidade de recursos para o Plano Safra 2025/2026 que certamente virá com taxas maiores de juros.

Governar é escolher e diante de escassez de recursos públicos e desarranjos orçamentários, faz sentido aprofundarmos as políticas públicas estruturantes que já temos adotado há tempos ao invés de nos perder no lodaçal das políticas conjunturais que visam benefícios políticos de curtíssimo prazo em detrimento do caminho sério e reto das políticas estruturantes e soluções que aumentem a nossa capacidade de produção, arrecadação e financiamento.

Falso dilema, eis a questão

William Shakespeare e sua genialidade cunharam a famosa pergunta: Ser ou não ser, eis a questão?

E daqui desta coluna temos repetido que a solução, passa mais uma vez pelo financiamento privado ao agronegócio brasileiro, garantia de institucionalidade, previsibilidade, segurança jurídica, corredores logísticos, armazenagem e outras medidas estruturais, em tudo diferentes dos remendos conjunturais que o governo tem procurado trazer como balões de ensaio e até mesmo tímidas medidas na seara fiscal, tais como a redução de imposto de importação de alguns produtos que em nada ou muito pouco alteram o cenário.

E como ficará o orçamento para o ano de 2025? Não sei porque não tenho bola de cristal, caríssimos leitores. Provavelmente não muito diferente do ano passado pela conjuntura atual das coisas. Só sei que se não atacarmos as questões estruturantes listadas acima e olharmos apenas para as questões de momento na definição das diretrizes orçamentárias para 2025, mais uma vez escolheremos equivocadamente produzir política pública enviesada e perderemos a chance de avançar mais um pouco nas soluções que realmente importam.

Se pensarmos em governar escolhendo a segurança de quem produz e se alimenta, menor volatilidade de preços, condições de produção e maior estabilidade econômica do país através da exportação massiva de nossos produtos agropecuários que o mundo inteiro necessita, deixando as questões paroquiais de lado, certamente solucionaremos no tempo o falso dilema orçamentário que insiste em nos afligir nos dias de hoje. A ver para o decorrer deste ano e do Plano Safra 2025/2026.

 

 

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André Ricardo Passos de Souza, é sócio-fundador do PSAA - Passos e Sticca Advogados Associados -, com MBA em Finanças e Mercado de Capitais pela MP Consultoria/Banco BBM, LLM em Direito do Mercado Financeiro e de Capitais pelo IBMEC, bacharel em direito pela UERJ. Professor nos programas de pós-graduação da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Conselheiro Fiscal da Beneficência Portuguesa de São Paulo.
andre.passos@moneytimes.com.br
André Ricardo Passos de Souza, é sócio-fundador do PSAA - Passos e Sticca Advogados Associados -, com MBA em Finanças e Mercado de Capitais pela MP Consultoria/Banco BBM, LLM em Direito do Mercado Financeiro e de Capitais pelo IBMEC, bacharel em direito pela UERJ. Professor nos programas de pós-graduação da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Conselheiro Fiscal da Beneficência Portuguesa de São Paulo.