Money Times Entrevista

Nvidia registra receita de US$ 30 bilhões, mas Brasil ainda precisa avançar em inteligência artificial, diz diretor-executivo para América Latina

29 ago 2024, 7:45 - atualizado em 29 ago 2024, 7:48
Marcio Aguiar, diretor-executivo da divisão Enterprise na Nvidia para América Latina, falou com exclusividade ao Money Times. (Divulgação: Nvidia)

A Nvidia (NVDA; NVDC34) reportou alta de 122% na receita anual, para US$ 30,04 bilhões — ante estimativas de US$ 28,70 bilhões.

Além disso, lucro chegou a US$ 16,6 bilhões, mais que dobrando em relação ao lucro de US$ 6,18 bilhões de um ano atrás. Com isso, a linha chegou a US$ 0,68 por ação, acima das expectativas de US$ 0,64.

No entanto, apesar dos números positivos, Marcio Aguiar, diretor-executivo da divisão Enterprise na Nvidia para América Latina, destaca em entrevista exclusiva para o Money Times que o Brasil ainda tem um bom caminho para percorrer nos avanços de inteligência artificial.

“O Brasil, em termos regionais, é a principal nação que temos, devido ao seu tamanho e potencial. Em nível global, é um país que está começando no mercado de inteligência artificial, com muito a investir. Felizmente, o governo anunciou um plano de R$ 23 bilhões a serem investidos ao longo de quatro anos; vamos ver como será o desfecho desse investimento”, disse.

O executivo também afirmou não acreditar em uma “bolha” da IA, mas que as empresas ainda estão adaptando os seus negócios para receber as novas tecnologias.

Confira a entrevista de Marcio Aguiar, da Nvidia, na íntegra

Money Times: Como é trabalhar em uma das empresas mais valiosas do mundo?

Marcio Aguiar: Todo dia é um desafio, temos o papel de estar desenvolvendo um novo conceito para a indústria, somos pioneiros em tudo o que fazemos. A cada seis meses a Nvidia é uma nova empresa e somos muito bem recebidos pelos nossos parceiros e clientes.

Eu estou há 14 anos na empresa e tenho oportunidade de acompanhar de perto toda essa transformação. Nós temos a mentalidade de startup, que é uma empresa de tecnologia, e a empresa de tecnologia para sobreviver precisa estar sempre inovando, não deve estar presa à hierarquia, precisa ser ágil e confiar na equipe.

MT: Nos resultados de empresas como a Tesla, Microsoft, Google e outras, houve uma decepção com a divisão de inteligência artificial. O mercado está apostando muito alto?

MA: A questão da IA não é algo que é trivial, é algo que está melhorando e crescendo com o tempo. Por exemplo, a visão computacional é uma técnica que poucas empresas sabem utilizar. Em 2022, a OpenAI anunciou que treinou o ChatGPT com GPUs da Nvidia e, em 2023, todo mundo começou a fazer esses treinamentos; em 2024, as empresas começaram a colocar em produção.

É tudo muito rápido. Todo mundo vai se beneficiar, mas não é todo mundo que precisa disso agora, tem que ser pouco a pouco.

Por mais que muitos falem que a inteligência artificial moderna já existe há muito tempo, tem cerca de 12 anos desde que se descobriu que era possível processar grandes volumes de dados usando computação acelerada por GPU da Nvidia. No entanto, empresas que realmente estão implementando essas tecnologias em produção começaram há muito pouco tempo, cerca de dois anos. Portanto, é cedo para avaliar o pleno potencial ou dizer se estamos atrasados ou não.

As organizações estão explorando essas tecnologias, mas não é simples mudar comportamentos. Elas não podem parar seus negócios principais para adotar um conceito novo; não, elas precisam ter coragem e visão para criar novas áreas enquanto as outras continuam operando. Essa nova área precisa provar que o novo conceito trará valor para as demais.

Há uma má interpretação por parte de alguns empresários que acham que precisam mudar tudo de uma vez. Não é assim. Você continua com o seu negócio e, ao mesmo tempo, pega uma área crítica e faz uma prova de conceito com essas novas tecnologias. Se funcionar, você implementa em produção e segue para a próxima área.

MT: Os EUA estão restringindo cada vez mais o comércio com a China. Como isso impacta a empresa?

MA: Essa regulação começou em 2022 e nós continuamos fazendo negociações com a China, seguindo todas as regras impostas pela regulamentação americana.

MT: Qual o tamanho do Brasil para os negócios da Nvidia? 

MA: Em geral, a gente não separa nossos resultados por país ou por região. Mas a América Latina, como um todo, representam cerca de 5% do total que entregamos. O Brasil, por sua vez, corresponde a um pouco mais da metade desse percentual. Isso te dá, mais ou menos, uma noção dos valores envolvidos.

MT: E qual é a situação do Brasil no mercado de IA? 

MA: Bom, o Brasil, em termos regionais, é a principal nação que temos, devido ao seu tamanho e potencial. Em nível global, é um país que ainda está começando no mercado de inteligência artificial, com muito a investir. Felizmente, o governo anunciou um plano de R$ 23 bilhões a serem investidos ao longo de quatro anos; vamos ver como será o desfecho desse investimento. Isso não significa que não houvesse investimentos antes, mas o grande diferencial agora é que o plano é voltado especificamente para a inteligência artificial.

Além do investimento, também nos preocupamos com a formação de novos talentos. A Nvidia tem programas de capacitação focados em cientistas de dados que saibam trabalhar com nossas plataformas. Atualmente, temos mais de 80 mil desenvolvedores no Brasil que dominam nossas tecnologias. Para muitos, 80 mil pode parecer pouco, mas é um número significativo, pois atuamos em um mercado de nicho, que não é acessível a todos.

E ainda não existe uma formação acadêmica amplamente focada em cientistas de dados voltados para técnicas de inteligência artificial, mas isso está mudando. Universidades como a USP, a Universidade Federal de Goiás e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul já possuem cursos voltados para essa área.

MT: Comparado com a América Latina, há outros países mais a frente do Brasil no avanço da IA? Há oportunidade para o mercado brasileiro crescer?

MA: Sim, nós temos exemplos como o Equador, um país pequeno, mas que hoje possui a maior infraestrutura de inteligência artificial da América Latina. Eles utilizam essa tecnologia de forma muito eficaz para o monitoramento das cidades. As duas maiores cidades do país, Quito e Guaiaquil, são totalmente monitoradas, atendendo às necessidades dos órgãos estaduais, como polícia, hospitais e bombeiros. Esses órgãos compartilham as mesmas imagens para melhorar o atendimento à população.

A gente começa a ver também países como Uruguai e Chile. Claro que não dá para comparar com o Brasil no quesito tamanho, mas estão mais avançados em algumas áreas. O Brasil, por outro lado, a gente ainda vê uma política muito independente, muito mais voltada para os estados, e esse modelo não escala de forma eficiente.

Os estados e instituições continuam comprando tecnologia, mas de maneira dispersa, sem centralizar o processamento. O dinheiro não é necessariamente gasto de forma negativa, mas acaba espalhado entre vários órgãos e universidades, cada um com um pequeno pedaço, sem capacidade de expandir esse processamento.

MT: Vocês têm uma parceria já antiga com a Petrobras. Como anda essa parceria e que tipo de solução é oferecida e quais outras estão sendo construídas? 

MA: Bom, a parceria com a Petrobras começou em 2006, para ser exato, principalmente na área de exploração e produção, que é uma das áreas críticas da empresa. É nessa área, se realiza a análise e o estudo de como perfurar um poço e extrair o petróleo, o que requer um investimento significativo. Além disso, qualquer erro pode causar um desastre ambiental de grandes proporções. Por isso, existe uma enorme responsabilidade e instabilidade para a Petrobras nesse aspecto.

E essa parceria não se restringe apenas a essa relação direta, mas também se estende à influência que exercemos no ecossistema de softwares que atendem a esse tipo de necessidade. São softwares voltados para exploração, produção e simulação de perfuração. Desde 2006, a Petrobras atualiza seus supercomputadores a cada dois anos, e temos tido o privilégio de ser a empresa que fornece as GPUs para eles.

Obviamente, empresas como a HP e a Lenovo são as integradoras dessas soluções, e são nossos parceiros nesse processo. Mas o coração de tudo isso são as GPUs da Nvidia. Além disso, a Petrobras tem vários novos projetos voltados para processamento de linguagem neural, criação de gêmeos digitais para suas refinarias e plataformas, e tudo isso requer as nossas soluções.

MT: Qual é o maior desafio da Nvidia hoje?

MA: Hoje, o nosso maior desafio, na verdade, é a falta de recursos humanos que as empresas enfrentam para adotar rapidamente esses conceitos computacionais. Por isso, é fundamental investir em treinamento do pessoal. Sempre consideramos vital essa iniciativa de capacitação, mesmo não sendo uma empresa de ensino e de não termos essa pretensão. Ainda assim, oferecemos muito conteúdo, organizamos workshops e promovemos diversas atividades de capacitação.

O mais gratificante é ver a curva de aprendizado dos desenvolvedores crescendo rapidamente. Eles estão percebendo que existe, sim, um novo poder computacional disponível, com várias ferramentas ao seu alcance, e estão decidindo aproveitá-lo.

Então, atualmente, dedicamos bastante tempo a levar conhecimento às empresas e, principalmente, às universidades, que são um dos mercados fortes da Nvidia no mundo inteiro. Na verdade, nem mencionei muito antes, mas nos referimos a esse setor como Higher Education and Research (Educação Superior e Pesquisa, em tradução livre), pois é de lá que surgem as novas tecnologias de que hoje usufruímos.

MT: Parte do mercado fala que existe uma bolha da inteligência artificial. O que você acha disso? 

MA: Olha, eu seria suspeito para falar [risos], mas acreditamos que não. Nós continuamos trabalhando com o mesmo ímpeto de sempre, levando novos conceitos para a indústria.

Desde que entrei na Nvidia, em 2010, a empresa valia cerca de US$ 10 bilhões, com um faturamento anual de US$ 3 bilhões. Naquela época, nosso principal concorrente valia US$ 100 bilhões. Hoje, a Nvidia está avaliada em torno de US$ 2,5 trilhões, enquanto essa mesma empresa, que antes valia US$ 100 bilhões, agora vale US$ 82 bilhões. Você vê, nós atingimos trilhões em valor, enquanto a outra empresa praticamente estagnou.

Ao longo dos anos, sempre ouvimos as mesmas coisas: “isso não vai vingar”, “isso é apenas hype”. Claro, teve um crescimento muito rápido? Sim, teve. Mas, para nós, isso não foi uma surpresa. Na verdade, achamos até que demorou um pouco mais do que esperávamos para o mercado entender o potencial da inteligência artificial.

Mas eu sempre digo para as empresas que é necessário ter resiliência e paciência, porque mudanças não são simples. Como seres humanos e profissionais, não mudamos tão rapidamente.

MT: Quai são as projeções da empresa ainda para 2024 e o que podemos esperar da Nvidia para o próximo ano?

MA: Olha, este ano, a gente espera um crescimento de cerca de 70% em relação ao ano passado. E acreditamos que no próximo ano, não será muito diferente, especialmente com a entrega da nova geração de produtos que estamos começando a disponibilizar agora. Acreditamos fortemente que as empresas vão se unir ao que há de melhor em termos de software e hardware, e continuarão comprando e adotando esses conceitos para impulsionar seu crescimento.

Até então, o mercado não nos via como protagonistas, sabiam quem éramos, mas não recebíamos tanta atenção. Agora, com esse aumento de visibilidade, enfrentamos o desafio de mostrar que, apesar de sermos vistos como gigantes focados em grandes projetos, estamos comprometidos com todos os projetos que demandam o uso das nossas plataformas computacionais.

Acho que não tem volta, porque o uso desses conceitos computacionais e de inteligência artificial, como a IA generativa, está ganhando destaque. No entanto, as empresas ainda estão longe de adotar plenamente a IA generativa. Imagine um CFO (Chief Financial Officer) chegando à empresa, ligando sua máquina e pedindo: “Por favor, me dê o balanço de hoje”. O computador entregaria tudo prontamente. Ainda estamos longe disso, mas é um cenário que se tornará realidade.

MT: E quais são as tendências e inovações que você prevê para o mercado de tecnologia?

MA: A principal tendência é que estamos falando cada vez mais com as máquinas, e digitando cada vez menos. E as aplicações e softwares estão se adaptando ao comportamento dos usuários. Por exemplo, editores de vídeo já possuem ferramentas que permitem finalizar produtos de forma mais rápida, mantendo o estilo de cada editor, os softwares estão começando a entender muito bem o comportamento individual de cada usuário.

Esses softwares não vão escrever para você, mas irão auxiliar. Enquanto você estrutura um texto com suas ideias, a inteligência artificial vai te ajudar a finalizá-lo. Pode ser que você deteste essa parte final, mas o computador poderá fazer isso por você.

Essa interação entre humanos e computadores está avançando e já vemos isso na Nvidia, especialmente na área de manufatura, com a robotização ou, como chamamos, humanoides, que são esses são robôs com características e comportamentos humanos, capazes de entender emoções e raciocinar.

É para isso que estamos caminhando, mostrando para toda a sociedade o poder computacional que conseguimos entregar para todas as indústrias. Você provavelmente tem acompanhado várias empresas na área de robotização que estão utilizando nossas plataformas voltadas para esse mercado. Isso já está chegando na indústria de manufatura, onde, por exemplo, no Japão e em algumas partes da Europa, já existem fábricas quase 100% automatizadas.

Também estamos entrando em um conceito de inteligência artificial monitorada. Ou seja, em vez de ter vários computadores e pessoas trabalhando, haverá uma pessoa monitorando esses computadores para garantir que eles estejam funcionando corretamente. O mesmo vale para os robôs. Isso, é claro, levanta várias questões e debates, mas também traz mais eficiência para as empresas. Esse é o caminho que estamos trilhando: a robotização das indústrias.

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Formada em Jornalismo pela PUC-SP, tem especialização em Jornalismo Internacional. Atua como editora no Money Times e já trabalhou nas redações do InfoMoney, Você S/A, Você RH, Olhar Digital e Editora Trip.
juliana.americo@moneytimes.com.br
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