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Nova moda do mercado, COEs atingem R$ 17 bi; custo alto, complexidade e ganho incerto são riscos para investidor

27 fev 2019, 6:11 - atualizado em 27 fev 2019, 1:13
Fonte: B3

Por Ângelo Pavini, da Arena do Pavini

O mercado financeiro encontrou uma alternativa para atrair os investidores órfãos do juro alto, e que promete o cenário ideal: ganhos elevados em mercados de renda variável com operações complexas, mas  sem risco de perda de principal. A nova moda do mercado são os Certificado de Operações Estruturadas (COE), que completaram cinco anos de regulamentação em janeiro, mas que começaram a cair no gosto dos investidores nos últimos dois anos. Praticamente não há carteira sugerida de corretora ou banco que não tenha um COE entre as opções de investimento. Em dezembro, o estoque de COEs registrado na B3 já era de R$ 17 bilhões, segundo dados divulgados hoje pela bolsa. Só em 2018, as emissões chegaram a R$ 10,9 bilhões.

Ganho bom para corretoras e agentes

Mas há outra explicação para o sucesso estrondoso dos COEs: as taxas elevadas cobradas pelos bancos emissores, e que são divididas com as corretoras e os agentes autônomos que os oferecem aos clientes como opções de diversificação. Essas taxas de administração podem chegar facilmente a 6% ao ano em grandes bancos e, em alguns casos de papéis para o varejo, a 10% ao ano. Nesse caso, o ganho vem de uma margem menor de retorno para o investidor no COE.

Considerando que um fundo de investimentos multimercado ou de ações costuma cobrar 2% a 3% ao ano, dos quais apenas uma fatia mínima vai para os distribuidores, os COEs viraram um excelente negócio para as corretoras e bancos.  Prova disso é que, no ano passado, conforme dados da B3, esses papéis foram emitido por 15 bancos e distribuídos por 21 corretoras.

Além disso, há os ganhos caso os cenários não se realizem e o investidor leve para casa apenas o principal. Esse ganho pode ir para o banco quando ele é contraparte das operações do COE nos mercados, o que não é raro.

Taxas não são divulgadas

Os bancos e corretoras não costumam divulgar as taxas de administração cobradas nos COEs. Nas últimas semanas, porém, notícias citando uma grande corretora independente, que cobraria de 8% a 10% ao ano nos COEs vendidos aos seus clientes, levaram algumas casas a divulgar esses dados. A Modalmais divulgou que ganha no máximo 2% nos COEs que distribui aos clientes e que são montados por bancos a pedido da corretora.

Antigos fundos de capital protegido

Os COEs são variações dos antigos fundos de capital protegido. São aplicações complexas, montadas pelos bancos com operações nos mercados de opções. Essas opções permitem ao investidor ter um ganho se os preços dos ativos selecionadas se comportarem de determinada maneira, subindo ou caindo durante determinado período, mas com o risco de não ganhar nada caso os preços ultrapassem os limites definidos. É o que o mercado chama de “virar pó”, quando o preço pretendido na opção não é atingido e o investidor perde o dinheiro que ele deu para entrar na operação, ou comprar o opção, o chamado prêmio. No Brasil, a maioria dos COEs é emitida de forma que o investidor retire pelo menos o principal aplicado, sem correção. Esse é o grande argumento de venda, há chances de ganhar muito sem perder “quase” nada.

No COE, o banco usa uma parte pequena do valor investido pelo cliente para comprar as opções e deixa o resto do dinheiro aplicado rendendo juros. Se a aposta der certo, o investidor leva o ganho da opção mais o valor aplicado. Se a opção virar pó, o rendimento do dinheiro aplicado durante um, dois ou três anos completa o valor do principal que o banco devolverá para o investidor “azarado”. Sobre isso, o banco cobra sua taxa de administração. Mas poucas casas informam qual a taxa de administração cobrada nas operações ou os cenários sobre os quais montaram as opções.

A própria B3 oferece modelos prontos para registro e liquidação de 47 “figuras” (cenários de ganhos e perdas) diferentes de COEs. Os  certificados em estoque atualmente utilizam 21 dessas figuras, informa a bolsa.

De um lado, Tesourarias e fundos; de outro, pessoas físicas

Pode-se montar COEs com grupos de ações, índices, com dólar ou juros, tanto aqui quanto no exterior. E as promessas de ganhos são sedutoras, com ganhos multiplicados no caso do ativo subir ou mesmo se a ação ou o dólar caírem. Tudo, porém, são apostas nos mercados de opções, feitas contra outros grandes investidores, como fundos multimercados ou de ações, que estão na ponta contrária achando que aqueles cenários não vão se realizar. Em muitos casos, é a própria Tesouraria do banco emissor do COE quem monta as operações e assume a posição contrária.

Mais varejo: aplicação mínima cai de R$ 50 mil para R$ 5 mil

Os compradores, em geral, são os clientes das corretoras e bancos, especialmente no chamado varejo de alta renda, conforme dados da B3.  Dos investidores em COEs, 91% são pessoas físicas e 8% são pessoas jurídicas. Uma parcela menor, de 0,6% fica com os investidores institucionais. E a aplicação vai se tornando cada vez mais popular. Em 2014, a maior parte das emissões foram com tickets a partir de R$ 50 mil. Ao longo dos anos, este valor mínimo vem caindo e, em 2018, a maioria dos COEs foram emitidos com tickets mínimos de R$ 5 mil.

Isso leva a outro risco dos COEs, a falta de condições de o investidor analisar as operações. De um lado, há o banco oferecendo o papel depois de fazer uma análise minuciosa da economia, dos mercados, dos ativos e das empresas. De outro, há um investidor que na maioria dos casos conhece os nomes das empresas que formam a operação estruturada e que está saindo de um CDB ou de um fundo DI para tentar ganhar mais que na renda fixa e diversificar.

“Poucos investidores têm a capacidade de avaliar as empresas ou os ativos usados nos COEs para saber as chances reais daqueles cenários se realizarem”, diz um consultor de investimentos. “Como analisar um COE com projeções de rentabilidade de uma empresa como Disney ou Netflix nos EUA por dois anos?”, afirma. Assim, o investidor acaba confiando na oferta do banco ou da corretora ou do agente, de que aquele COE pode ser um bom negócio para ele.

O mais comum, porém, é que esses COEs acabem retornando para o investidor somente o principal depois de um, dois ou mais anos. “Poucos COEs chegam até o final com ganho para o investidor”, diz esse consultor. Não há também estatísticas públicas dos resultados dos COEs que permitam analisar quantos acabaram dando resultados ou não, como ocorre com aplicações em fundos de investimento. Cada banco ou corretora ou agente faz o acompanhamento dos papéis que emite ou distribui.

Perda “pequena” pode chegar a 25% em três anos

Muitos bancos e corretoras minimizam esse risco de receber apenas o principal afirmando que o investidor perderá pouca coisa pois o juro está baixo. Mas, considerando uma aplicação em CDB prefixado de alguns bancos com garantia do Fundo Garantidor de Crédito (FGC) ou mesmo uma NTN-B do governo, o investidor pode deixar de ganhar quase 8% ao ano, ou 17% em dois anos ou quase 25% em três anos. “E os bancos estão agora esticando o prazo dessas aplicações em COEs, de três para cinco anos, o que significaria abrir mão de um ganho certo de mais de 40%”, alerta esse consultor.

A tendência de alongamento dos prazos é confirmada pela B3. Em 2018, 28% das emissões foram de prazo superior a 3 anos e apenas 7% tiveram prazo menor do que 1 ano. Em 2014, ano de criação do COE, 57% das emissões eram de até 1 ano.

Queda dos juros favorece procura por COEs

Com a queda nas taxas de juros, naturalmente os investidores passam a avaliar novas alternativas de investimento além da renda fixa, buscando rentabilidades diferenciadas, afirma Fábio Zenaro, diretor de Produtos de Balcão, Commodities e Novos Negócios da B3, explicando o forte crescimento dos COEs no ano passado. Pela flexibilidade de prazos, índices e condições, o COE se encaixa bem nesta demanda avalia Zenaro. Ele lembra também que a quase totalidade dos COEs emitidos no Brasil possuem valor nominal protegido, popularmente conhecido como Capital Garantido.

Quem vira abóbora antes

Segundo a B3, a participação de COEs do tipo “autocall”, mecanismo que possibilita o vencimento antecipado do certificado caso o cenário de ganho se concretize, vem aumentando no estoque. Em 2018, 14% dos COEs em estoque possuíam o mecanismo, contra 10% em 2017.

Isso leva a outra estratégia dos bancos ao montar as operações estruturadas, reunindo vários ativos em um único COE. Podem ser quatro ou cinco ações de diferentes setores que precisam, juntas, atingir determinado objetivo. “Com isso, sempre há uma ação que não cumpre a meta e o investidor não consegue ganhar os prêmios e acaba ficando só com o principal”, diz um consultor independente que acompanha esse tipo de ativo.

Esse consultor diz que há alguns COEs atrativos para o investidor, mas que é preciso analisar muito bem os cenários montados e as condições de cada ativo para ver se há realmente chances de ganhar. “Mas poucos investidores no mercado têm condições de fazer essas análises sozinhos, ver as chances de uma ação de uma empresa se comportar de determinada forma, ainda mais por um período de dois ou três ou até cinco anos, como estão oferecendo hoje algumas instituições”, diz.

Na dúvida, os COEs, especialmente os de moedas, podem ser usados como forma de proteção, para casos em que o investidor teme um prejuízo muito grande caso o dólar dispare, por exemplo.

Informação sobre taxas de administração não é obrigatória

Consultada sobre a falta de informações sobre os custos dos COEs, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) explicou que a parte da emissão e das garantias das operações é de responsabilidade do Banco Central, que regulamentou o ativo. Já a parte das ofertas públicas fica sob os cuidados da CVM, que não exige que o emissor informe quanto cobra na operação.

Segundo a CVM, o emissor do COE deve elaborar o “Documento de Informações Essenciais do Certificado de Operações Estruturadas”, o DIE, de forma a permitir ao investidor a ampla compreensão sobre (i) o funcionamento do COE, (ii) seus fluxos de pagamentos e (iii) os riscos incorridos, dentre eles o risco de crédito do próprio emissor do COE.

Além disso, o DIE deve apresentar as (iv) informações acerca de todos os cenários possíveis de desempenho do COE em resposta às alternativas de comportamento dos ativos subjacentes, bem como (v) as condições de liquidez do investimento, incluindo informações sobre a admissão à negociação do COE em mercado secundário e sobre o formador de mercado, se houver.

“Não há portanto, no âmbito da Instrução CVM nº 569/15 nenhuma exigência de informação pública para o investidor com relação a comissões cobradas pelo emissor e pelo distribuidor, mas sim exige-se que as informações inerentes ao COE devam estar disponíveis no DIE, conforme mencionado”, diz a CVM.

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