Governança Corporativa

Nova Gol: A Empresa dos direitos econômicos

30 dez 2018, 11:25 - atualizado em 30 dez 2018, 0:02

Gol

Maria Beatriz Pedrosa, Membro do escritório Demori Claudino Sociedade de Advogados – Para o Terraço Econômico

Quando, no início de setembro, a Latam anunciou pretensão de realizar uma oferta pública de aquisição (OPA) das ações da Multiplus para o cancelamento de registro de companhia aberta, a Gol não demorou a acompanhar a sua principal concorrente e divulgou proposta de incorporação da Smiles.

A reorganização societária planejada pela Gol surpreendeu os investidores. Através de uma série complexa de etapas, a estrutura final almejada inova ao reunir as atividades de aviação e milhagem na base do grupo, em companhia fechada cujos direitos políticos não estarão, nem ao menos indiretamente, disponíveis aos investidores afora da família Constantino.

Na estrutura vigente do Grupo, as atividades operacionais de aviação são empreendidas pela Gol Linhas Aéreas (GLA), empresa de capital fechado, e a Gol – detentora de 100% das ações da GLA – é titular de 52% das ordinárias emitidas pela Smiles e controlada pelo FIP Volluto – fundo da família Constantino.

A reorganização tem início com a criação de superpreferenciais – preferenciais com direitos econômicos majorados – da GLA, que serão subscritas e integralizadas pela Gol, e a subsequente alienação da totalidade das ações ordinárias GLA para o Volluto.

Num segundo momento, sucederá a incorporação da Smiles pela Gol e os acionistas da Smiles receberão em pagamento uma combinação de preferenciais de diferentes classes, sendo uma delas, preferenciais resgatáveis. Este ponto induz relevantes críticas ao plano da reorganização societária. De início, ressalta-se que os estatutos sociais de ambas companhias preveem o atendimento de quórum qualificado para uma incorporação – mais de metade do capital social votante deve aprovar a operação. Haja vista que o Volluto detém o controle direto da Gol e indireto da Smiles, a viabilidade da incorporação independe da vontade dos minoritários.

O Parecer de Orientação CVM no 35, ao tratar dos deveres fiduciários dos administradores nos casos de incorporação entre sociedades controladora e controlada, recomenda que seja criado um comitê independente para negociar os termos da operação e submeter recomendações ao conselho de administração; ou, que a operação seja condicionada à aprovação da maioria dos acionistas minoritários.

O Grupo optou pela primeira via. Não obstante o papel crucial deste órgão, salienta-se que as recomendações do comitê estão sujeitas à recepção pelo conselho de administração da Smiles, atualmente composto por três membros da família Constantino e outros quatro membros eleitos preponderantemente pela Gol.

Relativamente à razão de troca entre ações Smiles e Gol e ao preço de resgate, os minoritários da empresa de fidelidade são novamente prejudicados: desde o anúncio do fato relevante, as ações da Smiles acumulam perda de 17,21%, ao passo que as ações da Gol valorizaram 46,30%¹.

A escolha pela incorporação se evidencia alinhada com a essência até então exposta da reorganização societária. Distintamente da OPA – na qual os minoritários têm a faculdade de alienar suas ações ao controlador e, por óbvio, o preço ofertado deverá ser tal que induza à venda – a incorporação pressupõe transferência compulsória das ações.

A forma adotada para pagamento da participação acionária dos minoritários da Smiles reforça o ânimo de distanciá-los da estrutura final. A troca de ordinárias por preferenciais enseja o afastamento das deliberações societárias, posto que os acionistas serão privados de direito de voto.

Outrossim, ações preferenciais resgatáveis têm prazo de liquidação. Atingido tal prazo, as ações são convertidas em equivalente pecuniário e extintas. Ao optar por pagar ações resgatáveis da Gol aos minoritários da Smiles, o Grupo dá-lhes um aviso prévio de desligamento do quadro social da companhia.

Ao final, haverá duas sociedades: Gol, companhia aberta que migrará para o Novo Mercado, e GLA, empresa operacional fechada. A totalidade do capital votante da GLA pertencerá ao Volluto e a Gol será titular das superpreferenciais. Como se vê, as decisões concernentes à condução e fiscalização das atividades do Grupo caberão inteiramente à família Constantino.

A Gol deterá tão somente direitos econômicos da GLA e, por conseguinte, conferirá a seus acionistas direitos puramente econômicos travestidos de direitos políticos. Com efeito, concluída a reorganização nos moldes propostos pela Gol, investidores da Smiles e da Gol não disporão de qualquer ingerência sobre as atividades de aviação e milhagem.

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