Nicholas Sacchi: sobre estar na eminência de uma mudança de paradigma
Se você acompanha, com recorrência, os grandes portais internacionais de finanças, certamente já se deparou com algum pseudoespecialista em finanças defendendo que os juros negativos são, agora, “o novo normal”.
Esse é o tipo de coisa que, quando leio, me causa um calafrio na espinha. Talvez seja exatamente a sensação que George Soros sente quando precisa tomar uma decisão de investir ou não numa empresa. Imagino que seja a intuição se expressando em sua forma somática, quase como um grito de “tem coisa estranha aí, meu camarada”.
Para começo de conversa, juntar as duas palavras numa única frase já soa como uma enorme incoerência. Afinal, em uma rápida consulta ao dicionário, é possível identificar que o significado da palavra “juro” é “porcentagem que se acrescenta ao valor final de um empréstimo em dinheiro, durante um tempo estabelecido. Lucro obtido por dinheiro emprestado: emprestar dinheiro a juros”.
Isso significa que sua própria definição leva a palavra “acrescido”. Você empresta o dinheiro com a intenção de receber um valor maior de volta, como recompensa por ter aberto mão de um gasto no presente. Mas você só se dispõe a guardar porque sabe que, lá na frente, seu dinheiro valerá mais.
Portanto, acrescer a palavra “negativo” após a palavra “juros” me parece uma completa insanidade. De qualquer forma, já existem diversas nações ao redor do mundo praticando taxas abaixo de zero. Na prática, significa que você receberá menos dinheiro do que emprestou no vencimento do título.
Consegue imaginar a cena? Seu brother te aborda e pede “cenzão” para pagar uma conta, mas diz que vai devolver só noventa, e no ano que vem ainda por cima. Parece loucura, não é? Mas quem somos nós para achar alguma coisa. De repente é mesmo o novo normal.
Mas aí vem o nosso querido amigo Ray Dalio e solta um artigo dizendo que “O mundo enlouqueceu e o sistema está quebrado”. Se você não sabe de quem se trata, ele é nada mais, nada menos do que o gestor do maior fundo de hedge do mundo, o Bridgewater Associates. O cara, que tem mais de 50 anos de experiência em investimentos, com mais de US$120 bilhões sob gestão, falou que essa galera toda está muito louca. Sentiu o drama?
Senti, mas o que ele quis dizer com “enlouqueceu”?
Vem comigo que eu te explico. Na realidade, ele foi até além dos juros negativos em seu artigo. Dalio elencou quatro fatores que o levam a crer que estamos na eminência de uma quebra de paradigma.
O problema é o seguinte: desde a crise de 2008, que representa a última grande quebra de paradigma, os bancos centrais dos EUA, da União Europeia e do Japão vem adotando políticas monetárias mais expansivas, na tentativa de fazer a roda do crescimento voltar a girar. Com o aumento da disponibilidade de capital por conta dos juros baixos e da emissão monetária desenfreada (quantitative easing, no nome mais bonitinho), o acesso ao dinheiro aos que têm boa reputação de crédito é infinito.
Trocando em miúdos, os que já se provaram como bons pagadores conseguem capitar recursos a juros baixíssimos, quando não negativos. Já os trabalhadores e empreendedores que ainda não conquistaram uma boa reputação na praça enfrentam grandes dificuldades de acessar o novo dinheiro emitido pelo governo.
Ou seja, a política monetária, que tem como objetivo facilitar o acesso ao dinheiro e estimular o consumo, se torna completamente ineficaz, dado que o capital se concentra ainda mais na mão dos que já possuem dinheiro, fazendo com que a economia continue patinando.
Novamente, na tentativa cada vez mais frustrada de estimular o crescimento, o governo flexibiliza ainda mais os juros e a emissão monetária, criando um ciclo que se retroalimenta.
O dinheiro que deveria ser destinado ao consumo acaba se tornando investimento. O resultado dessa dinâmica é que os preços dos ativos financeiros decolam enquanto as expectativas de retorno futuro minguam, ao mesmo tempo que o crescimento econômico e a inflação permanecem insignificantes.
Dado que os investidores têm acesso a uma quantidade “interminável” de capital, as empresas crescem sem sequer serem lucrativas. Basta que elas saibam vender seus sonhos para que os investidores disponibilizem uma enxurrada de capital.
Ao mesmo tempo, a cada ciclo de quantitative easing, o governo se endivida mais e mais. Como a geração de receita fiscal não acompanha o aumento da dívida, as únicas formas que o governo tem de honrar com seus compromissos são emitir ainda mais moeda ou rolar a dívida, emitindo novos títulos para pagar seus credores, o que agrava ainda mais o problema.
O grande risco da emissão monetária desenfreada é que ela ameaça o valor das três principais moedas de reserva internacional: o dólar, o euro e o iene. Sentiu a dimensão do problema?
Para Dalio, esse conjunto de circunstâncias é insustentável e nos dão sinais claros de que estamos nos aproximando de uma grande mudança de paradigma.
Legal, mas o que eu faço com essa informação?
Afinal de contas, isso é o que mais importa, certo? De nada adianta saber que o carro vai bater se você não estiver usando o cinto de segurança.
Não tenho a intenção de criar um alarde desnecessário aqui. A ideia é te mostrar que existem algumas formas de se proteger caso haja uma catástrofe. Nessas horas, você tem a opção mais óbvia de aumentar a exposição do seu patrimônio a ouro. O metal já se provou como uma importante reserva de valor por diversas vezes ao longo da história.
Mas sugiro que você considere também alocar uma parcela em bitcoin. Diferente das moedas soberanas, que sofrem com a má gestão de políticas monetárias, a emissão do bitcoin é controlada por um algoritmo.
Além disso, diferente do ouro, sua oferta é escassa e previsível. Isso o torna um recurso digital de escassez superior ao metal, que pode ter uma nova jazida descoberta a qualquer momento.
Destinar uma parte do seu portfólio a bitcoin é como comprar um seguro contra catástrofes. Você não deseja que as principais reservas internacionais percam o seu valor. Mas quando tudo aponta para uma recessão no horizonte (inclusive o gestor do maior fundo de hedge do mundo), talvez seja uma boa hora para começar a pensar em alternativas.